Fora de Pauta

…das nossas misérias, e da ciência de que é apenas um processo

…das nossas misérias, e da ciência que é apenas um processo…

…quem não acreditar que tudo é um processo, com início, meio e fim, logo ocorrendo um novo tempo, um novo processo social, enlouquece em desesperança, diante do que fizeram ao Brasil, diante do que fica claro em relação ao que somos enquanto sociedade, enquanto pessoas bárbaras, grotescas, incivilizadas, enfermas….
nunca a nudez do que verdadeiramente somos foi tão despudoradamente exposta!
nunca a dimensão de nossa capacidade de nos tornarmos rebanho fanático ficou tão dramaticamente estabelecida!
nunca a potência do nosso ódio foi tão concretamente retratada, objetificada como nesses tempos!
nunca nossa capacidade de ser covardes foi tão demonstrada!

um tempo insano, maligno como nunca houve!

e talvez esteja aí a nossa redenção….. é tão imensa a miséria psíquica, moral, intelectual, algo comparável ao nazismo alemão, quando toda uma sociedade sucumbiu à serpente do fascismo, do horror…. algumas nações talvez precisem disso, não sei, não posso dizer…. mas toda a minha esperança reside nesse fato, nessa crença: que é chegando ao fundo desse poço lamacento, fétido, das pessoas “brincando de viver”, algumas comemorando, num grau de tosquice que eu julgava inexistir na humanidade, que finalmente ENXERGAREMOS QUEM SOMOS!

caem todos os mitos, todas as crenças, a realidade nos agride, implacável, ela grita: “Brasil, eis a sua face, seu rosto, predominante, vocês são isso, esse horror, socialmente….”

diante de eventos tão dramáticos (e me assusto como tão poucos enxergam a DIMENSÃO DA MISÉRIA….), mais cedo ou mais tarde essas coisas são estudadas, elas viram MOTIVO DE VERGONHA, passamos a desejar esquecê-las, nunca mais vivenciá-las…

novas gerações hão de nos olhar abismados, envergonhados, perplexos, hão de criar todos os mecanismos e instituições capazes de impedir novos Moros, novas Globos, novos Supremos omissos, novas sociedades toscas, manipuláveis, banhadas em fanatismo grotesco e ódio seletivo, ódio nazista…..

temos que lutar sim, resistir, mas o que me salva hoje é essa crença: a imundície de nossa sociedade, sua miséria que me causa nojo e desespero, é apenas parte do processo.

não seremos essa coisa pegajosa, infame, para sempre.

nossos filhos e netos aprenderão com a brutalidade dos nossos erros.

(eduardo ramos)

O Maluco Solitário e o Ministério Público
Este texto tem circulado pela internet: 

Em O Maluco Solitário e o Ministério Público, Maria Cristina Fernandes traça um interessante perfil do procurador Deltan Martinazzo Dallagnol nesta sexta-feira, 23, no Valor Econômico.

A jornalista faz um balanço das palestras que o integrante da Força Tarefa da Lava Jato tem feito pelo Brasil em defesa das 10 medidas anticorrupção propostas pelo MPF ao Congresso.

“O coordenador da Lava Jato tem uma interpretação culturalista da história. Acha que foi a colonização portuguesa quem legou a corrupção à terra natal. Quem veio de Portugal para o Brasil foram degredados, criminosos. Quem foi para os Estados Unidos foram pessoas religiosas, cristãs, que buscavam realizar seus sonhos, era um outro perfil de colono“.

A própria jornalista ironiza Dallagnol: “O espírito cristão dos colonizadores americanos não os impediu de dizimar a população nativa, colecionar genocídios em sua política externa e conviver com o pesadelo de uma Casa Branca ocupada por Donald Trump. Mas o ex-estudante de Harvard só trouxe admiração pelas instituições americanas. O mesmo fascínio alimenta em muitos de seus compatriotas a ilusão de que o Brasil seria uma grande Amsterdã se os holandeses não tivessem sido expulsos. Não cogitam o Brasil como uma versão ampliada da África do Sul”.

O óbvio analfabetismo político e histórico do procurador nos permite, no entanto, localizar o “pecado original” brasileiro que ele pretende remediar: a falta de cristianismo, ou do tipo “certo” de cristianismo.

Não foi o escravismo, a concentração de terras, a contínua pilhagem da colônia pelos interesses econômicos de Portugal que fez do Brasil o que é: não, foi a falta de “pessoas religiosas, cristãs”.

Isso apenas confirma que Dallagnol acredita liderar uma cruzada para livrar o Brasil do belzebu.

Curiosamente, como notamos anteriormente, nenhuma das dez medidas sugeridas pelo MPF ao Congresso trata diretamente da questão da sonegação de impostos, que representa perda de cerca de R$ 500 bilhões anuais aos cofres públicos. Por exemplo, eliminar o Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, a instância que permite aos grandes empresários extirpar o diabo dos impostos — ou pelo menos atrasar o pagamento de autuações da Receita

Por isso, se um dia for feito um powerpoint da Operação Zelotes, aquela que investigou corrupção no Carf, acreditamos que ele terá como figura central a ambulante Débora, recentemente detida pela Polícia Militar de São Paulo por vender bebidas sem licença na avenida Paulista, em São Paulo.

O “pecado original” mencionado pelo procurador Dallagnol nos remete ao livro A tolice da inteligência brasileira, de Jessé Souza, no qual o autor esculacha intelectuais respeitadíssimos à esquerda e à direita, de extração liberal, por terem naturalizado a ideia de uma hierarquia entre Europa/Estados Unidos e o Brasil, na qual obviamente ficamos por baixo.

Jessé nota a absoluta imbricação entre Estado e iniciativa privada no Brasil, completamente descartada pelos liberais, que acreditam que todos os pecados são do Estado e todas as virtudes da iniciativa privada.

Repetimos agora, no Brasil, a “santa aliança” dos anos 80 nos Estados Unidos, entre fundamentalistas cristãos e fundamentalistas do mercado. Nossa jabuticaba é fazer isso através de funcionários públicos de um Estado supostamente laico.

A fala do coordenador da Lava Jato é assustadora não apenas por revelar ignorância histórica, mas pela proposta de uma solução messiânica calcada num TED “cristão”.

Ah, e como ele é Martinazzo Dallagnol, não compartilha da “culpa coletiva” dos que herdaram o “sangue ruim” dos portugueses, como os Da Silva.