Futuro do pretérito

Ou o “sonho” nos anos 1970

Do Diário de Notícias de Lisboa

Capitães de Abril: esperança nos anos 70

por MÁRIO DUJISIN, JORNALISTA CHILENO 6 de abril 2014

A América Latina acordou incrédula há 40 anos, quando as rádios anunciaram que o Exército português tinham derrubado a mais antiga ditadura europeia. O inédito do golpe, em Lisboa, foi o primeiro na história da humanidade em que militares se levantaram em armas não para acabar com liberdade mas para impor a democracia.

Para um continente que, nos anos de 1970, vivia um dos piores pesadelos da sua história, com ditaduras militares de extrema-direita que pareciam inamovíveis devido ao apoio dos EUA, matando e fazendo “desaparecer” milhares de pessoas, a gesta militar portuguesa, levada a cabo por capitães, mostrava que podiam existir outros exércitos, o que criou esperança entre populações reprimidas pelos seus próprios soldados.

Grândola, vila morena passou a ser cantada por amplos sectores democráticos da América Latina, ao mesmo tempo que, em Portugal, se adotaram palavras de ordem do Chile de Salvador Allende, tais como “El pueblo unido jamás será vencido” ou “Venceremos“. Um despertar partilhado.

O Portugal arcaico de há 40 anos estava quase completamente isolado do mundo. Os latino-americanos conheciam bem o Brasil, o seu país irmão, mas sobre ele sabiam pouco ou nada. O 25 de Abril de 1974 mudou isso. Portugal passou a ser objeto das primeiras páginas dos jornais e notícia de abertura das rádios e canais de televisão nos países de língua castelhana.

Em diversos foros académicos e colunas de opinião dos principais jornais da América Latina persistia a pergunta: como é que aquele grupo de capitães executou uma ação exatamente oposta ao que os militares tinham feito ao longo da história? A Revolução de Abril passou a ser um case of study, porque foi uma rutura típica, ou revolução, muito diferente da Espanha ou da Grécia.

Chamou também a atenção que o único objetivo do MFA tenha sido a devolução da soberania ao povo, não apoderar-se do poder e manter-se nele. O processo sempre teve a marca da generosidade e da abnegação do poder. O prazo de um ano para a realização de eleições foi cumprido. Tudo isto em contradição com o que sempre acontecia com os exércitos da América Latina.

Uma série de governos militares latino-americanos acabaram os seus longos e sangrentos dias durante os anos de 1980.

Guerra em África e o respeito pela vida

Num encontro com Otelo Saraiva de Carvalho, um jornalista sul-americano perguntou-lhe como foi possível um golpe sem mortos, ao contrário do que acontecia na América Latina. O então general graduado respondeu: “Nós, os militares portugueses, fizemos a guerra em África, e, mesmo que pareça paradoxal, isso cria um respeito pela vida.”

Governante de prestígio ímpar

Dos não militares protagonistas do 25 de Abril, destacou-se Mário Soares. O seu nível de visibilidade e prestígio na América Latina nunca foi atingido por nenhum outro governante português. Ao contrário da maioria dos políticos lusos que só olham para a América Latina através do Brasil, depois do triunfo da revolução, Soares desenvolveu uma vasta rede de amigos.

Redação

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