Gilberto Gil e as percepções do tempo

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Enviado por Luiz Neves

 

Percepções acerca do Tempo na Literatura Musical de Gilberto Gil

 

Tempo Rei: “Tempo Rei é a minha versão para uma questão colocada em Oração ao Tempo, onde a frase-chave para mim é: ‘Quando eu tiver saído para fora do teu círculo, não serei nem terás sido’ – quer dizer: o tempo desaparecerá, eu desaparecerei; o tempo e aquele que o inventa, o ego, estarão ambos desinventados, portanto. Na música do Caetano parece haver um niilismo essencial, um mergulho no nada absoluto e uma resignação plena, orgulhosa e altiva com a extinção. Na minha tem uma coisa mais cristã; uma, quem sabe, quimera; um vago desejo de permanência e de transformação.”Em todo o meu filosofar popular sobre o existente e o eterno, há sempre uma possível porta aberta pra algo pós. Para mim é muito difícil não crer no pós sem não crer no pré. Como me é absolutamente impossível anular a existência do anterior a mim, também me é muito difícil aceitar a inexistência do posterior; para mim são coisas iguais. Assim como eu ‘não posso esquecer que um dia houve em que eu não estava aqui’ [Cada Tempo em Seu Lugar], um dia haverá em que eu não estarei aqui: mas esse dia haverá; haverá o ser das coisas que serão independentes de mim então. Eu não imagino a extinção de tudo com a extinção do meu ego. A morte de todas as pessoas que nós conhecemos até aqui não extinguiu o mundo – nem o que foi anterior a elas, nem o que lhes foi posterior; por que esse milagre aconteceria justo comigo? Eu levaria tudo comigo?”Aí reside para mim um problema do existencialismo. Aí, e só aí, eu esbarro um pouco em Sartre, apesar do meu grande amor por ele, e ele não me convence. Sartre morreu e o mundo está aí! Por isso à sua filosofia eu chamaria mais de individualismo do que existencialismo. Um existencialismo individualista, não algo universalizável.”O provérbio “água mole em pedra dura etc.” fala da eficácia que as coisas acabam tendo ao durarem no tempo. Na letra, a omissão do final do ditado, “até que fura” [cujo significado é o da ação de interferência no mundo, dentro do plano do tempo “real”, cronológico], e a sua substituição pela expressão “que não restará nem pensamento”, além de servirem para romper a expectativa de enunciação completa de um dito conhecido, servem, segundo Gil, sobretudo ao seu propósito de sugerir a ideia de corte da dimensão do tempo enquanto duração para a dimensão do tempo “enquanto eternidade sorvedora de todas as suas dimensões, para a sua transdimensionalização”; de saída “do tempo-existência para o tempo-essência [o eterno]”; do tempo para o “atempo” – onde, nas palavras do compositor, “já nem pensar é possível”. 

Expresso 2222: “Um dia em Londres eu anotei num caderno: ‘Começou a circular o expresso 2222, que parte direto de Bonsucesso pra depois’ – e esse pra depois me suscitou imediatamente uma parada. Não tive o mínimo ímpeto de continuar nada; decidi deixar aquilo ali como um vinho, num barril de carvalho, pra envelhecer. Só quase um ano mais tarde, já em outra casa, peguei de novo o caderno [onde, além de versos, eu anotava recados telefônicos, bilhetes para Sandra], musiquei o que tinha escrito e, com o violão, fui fazendo o resto. “Por que 2222 – “Da infância até a idade adulta eu fiz muita viagem de trem, que era um dos meios de transportes fundamentais para nós da Bahia. Os trens da Companhia Leste Brasileira – e outros – saindo e entrando nas estações, em Salvador, em Ituaçu, em Nazaré das Farinhas, me marcaram. Não sei por que cargas d’água, essa repetição do 2 era algo de que eu estava impregnado; alguma locomotiva, de número 222, que eu vi, ficou na minha cabeça e, quando comecei a letra, a primeira imagem que me veio foi dela.”As metáforas da canção – “É evidente que a idéia de viagem, expressa na letra, está ligada às drogas, os modificadores e expansores de consciência da época. Era um tempo de muita maconha, LSD, mescalina; Londres vivia o auge dessa cultura. O expresso foi uma alegoria literal disso. E ‘Bonsucesso’ entrou porque era rima e, além disso, referência a um lugar de onde eu vinha, de onde a viagem poderia ter-se iniciado – o Brasil, o Rio de Janeiro, aquele bairro -, seguindo dali pra depois…”Vocativo funcional – “A tal menina que aparece no meio da música é uma interlocutora fictícia, que só entrou para fazer a transição rítmica entre uma linha e outra, como um engate dos vagões de um trem, mas que ganhou personalidade e reapareceu na estrofe seguinte. Eu senti necessidade de chamá-la à cena de novo, de revê-la na próxima estação… Essas coisas malucas; o feitio de uma canção é uma loucura!”  

Parabolicamará: “Eu queria fazer uma canção falando dos contrastes entre o rural e o urbano, o artesanal e o industrial, usando um linguajar simples, típico de comunidades rudimentares, e uma cadência de roda de capoeira. Aí, compondo os primeiros versos, quando me ocorreu a palavra ‘antena’ – seguida de ‘parabólica’ – para rimar com ‘pequena’, eu pensei em ‘camará’ [palavra usada comumente nas cantigas de capoeira como vocativo] para completar a linha e a estrofe. Como ‘parabólica camará’ dava um cacófato, eu cortei uma sílaba ‘ca’ e fiz a junção das palavras, criando o vocábulo ‘parabolicamará’. Uma verdadeira invenção concretista; uma concreção perfeita em som, sentido e imagem. Nela, como um símbolo, vinham-me reveladas todas as interações de mundos que eu queria fazer. Aí se tornou irrecusável prosseguir e, mais, fazer daquilo um emblema do conceito, não só da canção, mas de todo o disco (Parabolicamará).””Em Parabolicamará pus o tempo existencial, psíquico, em contraposição ao tempo cronológico – a eternidade, a encarnação e a saudade à jangada e ao saveiro – e estes dois ao avião -, para insinuar o encurtamento do tempo-espaço provocado pelo aumento da rapidez dos meios de comunicação física e mental do mundo-tempo moderno e das velocidades transformadoras em que vivemos. Pus também o tempo sub-atômico, da partícula, da subfração de tempo; do átomo de tempo – cuja imagem mais representativa é exatamente a correção equilibradora que a Rosa faz com o balaio. E pus por fim o tempo da morte, o tempo-corte, o tempo que corta, ceifa, o tempo-foice, onde alguma coisa é e de repente foi-se, lembrando – na citação dos caymmianos Chico, Ferreira e Bento – a morte do meu filho: a situação, segundo se imagina, de ele meio sonolento no volante do carro sendo subitamente assaltado pelo evento acidental que o levaria à morte.”

 

Letras das músicas e textos extraídos do site: [www.gilbertogil.com.br]

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

19 Comentários

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  1. Essas coisas malucas; o feitio de uma canção é uma loucura!”

    Primeiro meus parabéns por trazer algo tão bom!

    Só para reforçar e são discutíveis!

    de saída “do tempo-existência para o tempo-essência [o eterno]”; do tempo para o “atempo” 

    “As metáforas da canção – “É evidente que a idéia de viagem, expressa na letra, está ligada às drogas, os modificadores e expansores de consciência da época

    de revê-la na próxima estação… Essas coisas malucas; o feitio de uma canção é uma loucura!” 

    Uma verdadeira invenção concretista; uma concreção perfeita em som, sentido e imagem.

    “Em Parabolicamará pus o tempo existencial, psíquico, em contraposição ao tempo cronológico – a eternidade, a encarnação e a saudade à jangada e ao saveiro – e estes dois ao avião -, para insinuar o encurtamento do tempo-espaço provocado pelo aumento da rapidez dos meios de comunicação física e mental do mundo-tempo moderno e das velocidades transformadoras em que vivemos.

    E pus por fim o tempo da morte, o tempo-corte, o tempo que corta, ceifa, o tempo-foice, onde alguma coisa é e de repente foi-se, lembrando – na citação dos caymmianos Chico, Ferreira e Bento – a morte do meu filho: a situação, segundo se imagina, de ele meio sonolento no volante do carro sendo subitamente assaltado pelo evento acidental que o levaria à morte.

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=Ewc3GfYWaOU%5D

  2. Gilberto Gil – Cérebro Eletrônico

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=JFAHDYEMHEE#t=18%5D

    “Cérebro Eletrônico” by Gilberto Gil, from the album Gilberto Gil (1969).

    Lyrics:

    O cérebro eletrônico faz tudo 
    Faz tudo 
    Quase tudo 
    Quase tudo 
    Mas ele é mudo 

    O cérebro eletrônico comanda 
    Manda e desmanda 
    Ele é quem manda 
    Mas ele não anda 

    Só eu posso pensar se Deus existe 
    Só eu 
    Só eu posso chorar quando estou triste 
    Só eu 

    Eu cá com meus botões de carne e osso 
    Hum, hum 
    Eu falo e ouço 
    Hum, hum 
    Eu penso e posso 

    Eu posso decidir se vivo ou morro 
    Porque 
    Porque sou vivo, vivo pra cachorro 
    E sei 

    Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro 
    Em meu caminho inevitável para a morte 
    Porque sou vivo, ah, sou muito vivo 
    E sei 

    Que a morte é nosso impulso primitivo 
    E sei 
    Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro 
    Com seus botões de ferro e seus olhos de vidro

  3. Gilberto Gil @Jazz_in_Marciac : Jeudi 1er août 2013

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=l3ibShtLH_k%5D

    Published on Aug 2, 2013

    Guitariste, chanteur et compositeur, figure emblématique de la musique brésilienne, Gilberto Passos Gil Moreira, dit Gilberto Gil, a débuté comme chanteur de bossa nova mais s’est surtout fait connaître en composant et en interprétant, avec son ami Caetano Veloso, des chansons centrées sur la politique et l’engagement social. Célèbre pour sa participation, dans les années 60, au mouvement tropicaliste, il fut emprisonné et contraint à l’exil par le régime militaire instauré en 1964. De retour au Brésil, il se lance en politique tout en poursuivant sa carrière artistique. Conseiller municipal de Salvador de Bahia, il a ensuite occupé le poste de ministre de la Culture du gouvernement Lula da Silva. Son retour à Marciac où il présente son dernier album marquera l’apothéose d’une soirée entièrement consacrée à la musique latine.

     

  4. Para entender o Gilberto Gil,

    Para entender o Gilberto Gil, precisamos antes ouvir “Eu e a brisa”, não é Luciano? Ou o “tico e o teco” entrarão em parafuso.

  5. A Flavio e o TEMPO!

    Mais a lenda Linda! Esta no Final, claro que vc conhece.

    Irôko

    iroko_c

    Dia da Semana: Terça-feira.

    Cores: Branco, Verde (ou Cinza)castanho

    Símbolo: tronco

    Domínios: Ancestralidade

    Saudação: Iroko Issó! Eró!Iroko Kissilé.

    Iroko é um Orixá muito antigo. Iroko foi à primeira árvore plantada e pela qual todos os restantes Orixás desceram à Terra. Iroko é a própria representação da dimensão Tempo. Iroko é o comandante de todas as árvores sagradas, o vanguardeiro, os demais Osa Iggi devem-lhe obediência porque só ele é Iggi Olórun, a árvore do Senhor do Céu.

    Iroko, Iroco ou Roko (do iorubá Íròkò) é um orixá cultuado no candomblé do Brasil pela nação Ketu e, como Loko, pela nação Jeje. Corresponde ao Inquice Tempo na nação Angola ou Congo.

    Em todas as reuniões dos Orixás está sempre presente Iroko, calado num canto, anotando todas as decisões que implicam directamente na sua acção eterna. É um Orixá pouco conhecido dos seres vivos ou mortos, nascidos ou por nascer. Toda a criação está nos seus desígnios.
    É o Orixá Iroko, implacável e inexorável, que governa o Tempo e o Espaço, que acompanha, e cobra, o cumprimento do Karma de cada um de nós, determinando o início e o fim de tudo.

    Conhecido e respeitado na Mesopotâmia e Babilónia como Enki, o Leão Alado, que acompanha todos os seres do nascimento ao infinito; cultuado no Egipto como Anúbis, o deus Chacal que determina a caminhada infinita dos seres desde o nascimento até atravessar o Vale da Morte. Também venerado como Teotihacan entre os Incas e Viracocha entre os Maias como o Senhor do Início e do Fim; também presente no Panteão Grego e Romano, onde era conhecido e respeitado como Cronus, o Senhor do Tempo e do Espaço, que abriga e conduz a todos inexoravelmente ao caminho da Eternidade.

    É o Tempo também das mudanças climáticas, as variações do tempo-clima. Guardião das florestas centenárias é o colectivo das árvores grandiosas, guardião da ancestralidade.

    Em África, a sua morada é a árvore iroko, Milicia excelsa (antes classificada como Chlorophora excelsa), chamada “amoreira africana” na África de língua portuguesa. É uma árvore majestosa, encontrada da Serra Leoa à Tanzânia, que atinge 45 metros de altura e até 2,7 metros de diâmetro.

    No Brasil, onde essa árvore não existe, diz-se que Iroko habita a gameleira branca, Ficus gomelleira ou Ficus doliaria (também chamada figueira-branca, guapoí, ibapoí, figueira-brava e gameleira-branca-de-purga). Nos terreiros, costuma-se manter uma dessas árvores como morada de Iroko, assinalada por um “ojá” (laço de pano branco) ao seu redor.

    Iroko representa a ancestralidade, os nossos antepassados, pais, avós, bisavós, etc., representa também o seio da natureza, a morada dos Orixás.
    Desrespeitar Iroko (a grande e suntuosa árvore) é o mesmo que desrespeitar a sua dinastia, os seus avós, o seu sangue… Iroko representa a história do Ilê (casa), assim como do seu povo… protegendo-o sempre das tempestades.

    Ao contrário da maioria dos orixás, este não costuma “baixar” nas festas de santo. É reverenciado por meio de oferendas à árvore que o representa. Os animais a ele consagrados são a tartaruga e o papagaio.

    Iroko é um Orixá pouco cultuado tanto no Brasil como em Portugal, e os seus filhos também são muito raros. Os seus filhos, no entanto, são sempre muito protegidos pelo seu Orixá.

    LENDAS DE IROKO

          SOBRE IROKO

    Orixá representado pela mais suntuosa árvore das casas de candomblé e o guardião das matas. Representa a dinastia dos orixás e ancestrais, seus filhos são raríssimos na religião, porém, não há nada mais bonito de se ver do que uma grande árvore de iroko, é protetor das variações climática. Tem ligação com o orixa Aira e Oxalá. Poderosa árvore da floresta, em cujos galhos se abrigam divindades e ancestrais aos pés da qual são depositadas as oferendas para as Ìyàmi Ajè.

    Poderosa árvore da floresta, cujas raízes alcançam o Òrún ancestral e o tronco majestoso serve como apoio ao próprio Olòfín.

    Iroko é partícipe do culto ancestral feito às árvores sagradas (Iroko, Apaoka, Akoko etc).

    No Brasil é considerado o protetor de todas as árvores, sendo associado particularmente à gameleira branca. Seu cultoestá intimamente associado ao de Osànyín, a Divindade das Folhas litúrgicas e medicinais.
    É o Òrìsà da floresta, das árvores, do espaço aberto; por extensão governa o tempo em seus múltiplos aspectos, função que o equipara a Airá (divindade da família de Sangò).

    É cultuado pelas nações de origem dahomeana (Mina-Gêge, Gêge-Mahi) com o nome de Lokó e pelos Banto-sudaneses pelo nome de Zaratembo (a divindade Tempo da nação de Angola).
    É referido como “Òrìsà do grande pano branco que envolve o mundo”, numa alusão clara às nuvens do Céu.

    As árvores nas quais Iroko é cultuado normalmente são de grande porte; são enfeitadas com grandes laços de pano alvo (oja fúnfún) e ao pé dessas árvores são colocadas suas oferendas, notadamente nas casas de origem Ketu, onde recebe lugar de destaque. Jamais uma dessas árvores pode ser derrubada sem trazer sérias consequências para a comunidade.

    No culto aos Vodún, Loko ocupa lugar destacado, comparado somente à Lisa (Osalá) e Dan (Osùmarè).

    Iroko é invocado em questões difíceis, tais como desaparecimento de pessoas ou problemas de saúde, inclusive a mental. Seus filhos são altivos e generosos, robustos na constituição, extremamente atentos a tudo o que ocorre a sua volta.

       

    Lendas

    Iroco castiga a mãe que não lhe dá o filho prometido…

    No começo dos tempos, a primeira árvore plantada foi Iroco. Iroco foi a primeira de todas as árvores, mais antiga que o mogno, o pé de obi e o algodoeiro. Na mais velha das árvores de Iroco, morava seu espírito. E o espírito de Iroco era capaz de muitas mágicas e magias. Iroco assombrava todo mundo, assim se divertia. À noite saia com uma tocha na mão, assustando os caçadores. Quando não tinha o que fazer, brincava com as pedras que guardava nos ocos de seu tronco. Fazia muitas mágicas, para o bem e para o mal. Todos temiam Iroco e seus poderes e quem o olhasse de frente enlouquecia até a morte.

    Numa certa época, nenhuma das mulheres da aldeia engravidava. Já não havia crianças pequenas no povoado e todos estavam desesperados. Foi então que as mulheres tiveram a idéia de recorrer aos mágicos poderes de Iroco. Juntaram-se em círculo ao redor da árvore sagrada, tendo o cuidado de manter as costas voltadas para o tronco. Não ousavam olhar para a grande planta face a face, pois, os que olhavam Iroco de frente enlouqueciam e morriam. Suplicaram a Iroco, pediram a ele que lhes desse filhos. Ele quis logo saber o que teria em troca. As mulheres eram, em sua maioria, esposas de lavradores e prometeram a Iroko milho, inhame, frutas, cabritos e carneiros. Cada uma prometia o que o marido tinha para dar. Uma das suplicantes, chamada Olurombi, era a mulher do entalhador e seu marido não tinha nada daquilo para oferecer. Olurombi não sabia o que fazer e, no desespero, prometeu dar a Iroco o primeiro filho que tivesse.

    Nove meses depois a aldeia alegrou-se com o choro de muitos recém-nascidos. As jovens mães, felizes e gratas, foram levar a Iroco suas prendas. Em torno do tronco de Iroco depositaram suas oferendas. Assim Iroco recebeu milho, inhame, frutas, cabritos e carneiros. Olurombi contou toda a história ao marido, mas não pôde cumprir sua promessa. Ela e o marido apegaram-se demais ao menino prometido.

    No dia da oferenda, Olurombi ficou de longe, segurando nos braços trêmulos, temerosa, o filhinho tão querido. E o tempo passou. Olurombi mantinha a criança longe da árvore e, assim, o menino crescia forte e sadio. Mas um belo dia, passava Olurombi pelas imediações do Iroco, entretida que estava, vindo do mercado, quando, no meio da estrada, bem na sua frente, saltou o temível espírito da árvore. Disse Iroco: “Tu me prometeste o menino e não cumpriste a palavra dada. Transformo-te então num pássaro, para que vivas sempre aprisionada em minha copa.” 
    E transformou Olurombi num pássaro e ele voou para a copa de Iroco para ali viver para sempre.

    Olurombi nunca voltou para casa, e o entalhador a procurou, em vão, por toda parte. Ele mantinha o menino em casa, longe de todos. Todos os que passavam perto da árvore ouviam um pássaro que cantava, dizendo o nome de cada oferenda feita a Iroco.

    Até que um dia, quando o artesão passava perto dali, ele próprio escutou o tal pássaro, que cantava assim: “Uma prometeu milho e deu o milho; Outra prometeu inhame e trouxe inhames; Uma prometeu frutas e entregou as frutas; Outra deu o cabrito e outra, o carneiro, sempre conforme a promessa que foi feita. Só quem prometeu a criança não cumpriu o prometido.”

    Ouvindo o relato de uma história que julgava esquecida, o marido de Olurombi entendeu tudo imediatamente. Sim, só podia ser Olurombi, enfeitiçada por Iroco. Ele tinha que salvar sua mulher!

    Mas como, se amava tanto seu pequeno filho?

    Ele pensou e pensou e teve uma grande idéia. Foi à floresta, escolheu o mais belo lenho de Iroco, levou-o para casa e começou a entalhar. Da madeira entalhada fez uma cópia do rebento, o mais perfeito boneco que jamais havia esculpido.

    O fez com os doces traços do filho, sempre alegre, sempre sorridente. Depois poliu e pintou o boneco com esmero, preparando-o com a água perfumada das ervas sagradas. Vestiu a figura de pau com as melhores roupas do menino e a enfeitou com ricas jóias de família e raros adornos.

    Quando pronto, ele levou o menino de pau a Iroco e o depositou aos pés da árvore sagrada. Iroco gostou muito do presente. Era o menino que ele tanto esperava!

    E o menino sorria sempre, sua expressão, de alegria.

    Iroco apreciou sobremaneira o fato de que ele jamais se assustava quando seus olhos se cruzavam. Não fugia dele como os demais mortais, não gritava de pavor e nem lhe dava as costas, com medo de o olhar de frente. Iroco estava feliz. Embalando a criança, seu pequeno menino de pau, batia ritmadamente com os pés no solo e cantava animadamente. Tendo sido paga, enfim, a antiga promessa, Iroco devolveu a Olurombi a forma de mulher. Aliviada e feliz, ela voltou para casa, voltou para o marido artesão e para o filho, já crescido e enfim libertado da promessa.

    Alguns dias depois, os três levaram para Iroco muitas oferendas. Levaram ebós de milho, inhame, frutas, cabritos e carneiros, laços de tecido de estampas coloridas para adornar o tronco da árvore.

    Eram presentes oferecidos por todos os membros da aldeia, felizes e contentes com o retorno de Olurombi. Até hoje todos levam oferendas a Iroco. Porque Iroco dá o que as pessoas pedem. E todos dão para Iroco o prometido.

    Lenda 79 do LIvro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi

    Iroco ajuda a feiticeira a vingar o filho morto…

    Iroco era um homem bonito e forte e tinha duas irmãs. Uma delas era Ajé, a feiticeira, a outra era Ogboí, que era uma mulher normal. Ajé era feiticeira, Ogboí, não. Iroco e suas irmãs vieram juntos do Orun para habitar no Ayê. Iroco foi morar numa frondosa árvore e suas irmãs em casas comuns. Ogboí teve dez filhos e Ajé teve só um, um passarinho.

    Um dia, quando Ogboí teve que se ausentar, deixou os dez filhos sob a guarda de Ajé. Ela cuidou bem das crianças até a volta da irmã. Mais tarde, quando Ajé teve também que viajar, deixou o filho pássaro com Ogboí. Foi então que os filhos de Ogbói pediram à mãe que queriam comer um passarinho. Ela lhes ofereceu uma galinha, mas eles, de olhos no primo, recusaram. Gritavam de fome, queriam comer, mas tinha que ser um pássaro. A mãe foi então foi a floresta caçar passarinhos, que seus filhos insistiam em comer. Na ausência da mãe, os filhos de Ogboí mataram, cozinharam e comeram o filho de Ajé. Quando Ajé voltou e se deu por conta da tragédia, partiu desesperada a procura de Iroco. Iroco a recebeu em sua árvore, onde mora até hoje. E de lá, Iroco vingou Ajé, lançando golpes sobre os filhos de Ogboí. Desesperada com a perda de metade de seus filhos e para evitar a morte dos demais, Ogoí ofereceu sacrifícios para o irmão Iroco. Deu-lhe um cabrito e outras coisas e mais um cabrito para Exú. Iroco aceitou o sacrifício e poupou os demais filhos. Ogboí é a mãe de todas as mulheres comuns, mulheres que não são feiticeiras, mulheres que sempre perdem filhos para aplacar a cólera de Ajé e de suas filhas feiticeiras. Iroco mora na gameleira branca e trata de oferecere a sua justiça na disputa entre as feiticeiras e as mulheres comuns.

    Lenda 80 do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi

    Iroco engole a devota que não cumpre a interdição sexual…

    Era uma vez uma mulher sem filhos, que ansiava desesperadamente por um herdeiro. Ela foi consultar o babalawo e o babalawo lhe disse como proceder.

    Ela deveria ir à árvore de Iroco e a Iroco oferecer um sacrifício. Comidas e bebidas que ele prescreveu a mulher concordou em oferecer. Com panos vistosos ela fez laços e com os laços ela enfeitou o pé de Iroco. Aos seus pés depositou o seu ebó, tudo como mandara o adivinho. Mas de importante preceito ela se esqueceu. A mulher que queria ter um filho deu tudo a Iroco, quase tudo. O babalawo mandara que nós três dias antes do ebó ela deixasse de ter relações sexuais. Só então, assim, com o corpo limpo, deveria entregar o ebó aos pés da árvore sagrada. A mulher disso se esqueceu e não negou deitar-se com o marido nos três que precediam o ebó.

    Iroco irritou-se com a ofensa, abriu uma grande boca em seu grosso tronco e engoliu quase totalmente a mulher, deixando de fora só os ombros e a cabeça. A mulher gritava feito louca por ajuda e toda a aldeia correu para o velho Iroco. Todos assistiam o desespero da mulher. O babalawo foi também até a árvore e fez seu jogo e o jogo que o babalawo fez para a mulher revelou sua ofensa,sua oferta com o corpo sujo, porque para fazer oferenda para Iroco é preciso ter o corpo limpo e isso ela não tinha.

    Mas a mulher estava arrependida e a grande árvore deixou que ela fosse libertada. Toda a aldeia ali reunida regozijou-se pela mulher. Todos cantaram e dançaram de alegria. Todos deram vivas a Iroco.

    Tempos depois a mulher percebeu que estava grávida e preparou novos laços de vistosos panos e enfeitou agradecida a planta imensa. Tudo ofereceu-lhe do melhor, antes resguardando-se para ter o corpo limpo. Quando nasceu o filho tão esperado, ela foi ao babalawo e ele leu o futuro da criança: deveria ser iniciada para Iroco. Assim foi feito e Iroco teve muitos devotos. E seu tronco está sempre enfeitado e aos seus pés não lhe faltam oferendas.

     

    Kambala Iroko

    Origem: África

    Família: Moraceae

    Designação Botânica: Milicia excelsa Benth. & Hook. f.

    Designações Comerciais: Câmbala (Port.); Amoreira africana; Iroko (Fr. E Ing.); Kambala; Tule.

    Durabilidade: Madeira durável. Não é susceptível ao ataque de fungos e insectos xilófagos.

    Propriedades tecnológicas
    • Trabalhabilidade: fácil de trabalhar, quer por meios mecânicos quer com ferramenta manual.
    • Secagem: relativamente fácil de conduzir em resultado das suas retracções pouco acentuadas.
    • Acabamento: recebe muito bem o verniz e o polimento. Permite bons acabamentos.
    • Colagem: cola satisfatoriamente.

     

     

     

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