Golpe é golpe, mesmo que venha travestido de ‘legitimidade’

Ou as muitas lições da história contemporânea.

Aécio Neves é eleito presidente, decide fazer aliança com o Peru, recusa-se a admitir os partidos fisiológicos no governo. Estes, formando maioria no Congresso, decidem que é melhor fazer aliança com a  Argentina do que com o Peru e então se unem, derrubam Aécio e põe Lula ou Sarney no poder. É golpe ou foi mudança legítima de governo?

Se o que aconteceu na Ucrânia foi troca legítima de governo, o presidente que queria aliança com a Rússia foi derrubado por uma maioria parlamentar  favorável a aliança com a União Europeia, por que não vale para o Brasil?

Esse tipo descarado de golpe de , via legislativo, tem sido usado para dar ares de legitimidade e substituir o velho e grosseiro golpe militar. Além da Ucrânia já aconteceu no Paraguai e em Honduras. As elites dos países pobres muitas vezes perdem eleições majoritárias, onde o voto da massa conta, mas dificilmente deixam de eleger a maioria dos parlamentares, nas quais é preciso ter muito dinheiro para fazer campanha.  A moda doravante será o golpe no legislativo.

Quem via notícias da Ucrânia nos dias que antecederam o golpe achava que havia unanimidade na população contra o governo. A mídia não se dava ao trabalho de dizer como o então presidente fora eleito por votação direta e como pensavam os habitantes da Criméia e outras regiões hoje rebeladas.  Também não tem lembrado que o então presidente, antes de ser derrubado, assinou um acordo com a oposição que se manifestava em Kiev, prevendo eleições para dois meses depois. A oposição assinou o acordo e o derrubou no dia seguinte, quando ele desmobilizou suas forças em Kiev, principalmente os militares. E só então viemos a saber que havia províncias inteiras onde a população era totalmente contra os golpistas.

É difícil saber que resultados teríamos nas eleições, incluindo essas províncias. Provavelmente a oposição ganharia, assumiria o governo de forma legítima  e tudo que está acontecendo agora teria sido evitado. O apressado come cru, diz um velho ditado. Os europeus do oeste e norte americanos saíram ganhando, pois avançaram em território que há séculos está sob influência russa. Romperam o que parecia ser um acordo tácito e o equilíbrio de forças. À Rússia tem sobrado o “jus sperneandi”.

Neste ponto, com a tensão crescente, temos mais uma lição da história: o problema não era o regime comunista no leste, mas a disputa pelo poder e zonas de influência. Pouco importa que a Rússia seja agora um país capitalista. Ela continua tendo seus próprios interesses, é militarmente poderosa, e portanto continua sendo rival, um país inimigo a ser cercado e submetido.

A maior prova que tudo vai conforme a política e o poder se repete no fato de Obama continuar a praguejar  contra a morte de mais  duzentas pessoas em uma avião, acusando rebeldes e a Rússia, antes de aparecer uma única evidência. Ao mesmo tempo não abre o bico ante a morte de centenas de palestinos ali perto. Talvez não os considere seres humanos, ou talvez os considere apenas inimigos, mesmo as crianças. Para salvar as aparências, especialmente Juntos ditadores e senhores feudais árabes, oferecerá ajuda humanitária tão logo a direita israelense termine a “limpeza”. Não há nada de novo no front.

Percival Maricato

 

Redação

11 Comentários

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  1. Os antídotos para esse tipo

    Os antídotos para esse tipo de golpe estão no veneno , no Congresso. São : a reforma política , que contemple o financiamento público das campanhas e a lei dos médios , que pulverize e democratize o poder dos meios de comunicação . Não votar essas medidas já é golpe …

  2. A nano esquerda, como diz o

    A nano esquerda, como diz o colega Diogo Costa, adora apontar o dedo simplesmente porque nunca terá culhão para assumir maiores responsabiidades do que essa: apontar o dedo. “Ai o PT traiu mimimi.” Quanto tempo o partido perduraria se tivesse seguido totalmente suas lógicas anteirores? Como disse o Lucinei, a Direita sabe bem que foi isso que fez o PT perdurar e por em pratico o seu “porjeto de poder” (pausa para risos). Todo nano esquerdista deveria ler o artigo do Fernão Mesquita para saber o quanto eles estão sendo literalmente otários.

    1. Literalmente otários

      E força auxiliar da Direita. O que mais me espanta é não perceberem isso: foram cooptados pela Direita e agem segundo a agenda desta!

    2. Otário era aquele petismo que

      Otário era aquele petismo que não queria se juntar com ninguém. Além disso, o petismo não perde nada da sua idelogogia quando faz coligação com DEM (Pará), Sarney, Maluf, etc mas são esses que ficam pessoas melhores e mais amaante da coisa pública

      1. Eles sempre foram amantes da coisa pública.

        Amam tanto a coisa pública, que a adquirem para coleção particular. Maluf, por exemplo, juntou uma grande coleção nas Ilhas Jersey.

  3. Obama e o tiro no pé.

    Obama apoiou mais um golpe contra um governo democraticamente eleito.

    O pior… apoiou um grupo para-militar e pró-nazista.

    Com isso a Criméia se “auto-anexou” a Rússia e abriu precedentes em toda Ucrania para um clima de instabilidade.

    Quem ganhou com tudo isso? Putin.

  4. E aqueles setores de esquerda

    E aqueles setores de esquerda que não enxergam que as alianças – até concesoes – que o pt, pt, pt fez tiveram o propósito de evitar que fosse derrubado.

    O pessoal da direita sabe muito bem. Por isso que não engolem.

  5. percival maricato

    Tenho acompanhado alguns textos do Percival e confesso que estou surpreso, positivamente

    Concordo com quase tudo que ele comenta.

    O Percival não é o presidente do sindicato dos restaurantes de SP ?

    Ricardo Grillo

     

     

  6. Financiamento público das campanhas

    Muito bom o texto. Ele alerta o quão necessário é o financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais para fortalecer a democracia.

  7. Acho que o autor esqueceu de

    Acho que o autor esqueceu de algo que aconteceu na Ucrânia e, salvo engano, não ocorreu nos golpes parlamentares anteriores: a presença de milicias, partidos e grupos organizados de extrema direita(nazis) nas ditas ‘manifestações’ contra o governo. Forem esses grupos que atiraram em pessoas nas manifestações – segundo conversa telefonica de um ministro de um país baltico com Catherine Aston – e não a policia, o que acabou levando a derrubada do presidente ucraniano e ao golpe.

    Dado esse precedente vou especular: A União Européia estava devidamente receosa de impor sanções econômicas mais duras a Rússia para não ferir ainda mais sua enfraquecida economia. Nada mais conveniente nesse momento do que um avião repleto de pessoas de um país europeu ser atingido por um missil forçando a UE a impor sanções econômicas mais duras à Rússia. Assim perdem a Rússia e a União Européia que pode ter sua economia ainda mais enfraquecida. Ganham os partidos de extrema direita na Europa – que atuam em uma rede que inclui o “Svoboda”, o partido neonazi ucraniano que compartilha cargos no governo golpísta – que tem crescido eleitoralmente com a devastação economica.

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