GOLPE: modo de usar, por Chico Teixeira

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Marcos Oliveira/Agência Senado

Por Chico Teixeira

Da Carta Maior

GOLPE: modo de usar

A política brasileira entrou na sua fase de ‘paraguaização’: agora quem deve aplicar o golpe não são os militares, mas sim os juízes e deputados.

Desde os resultados das eleições de 2014 desenhou-se no Brasil, primeiro como manifestação de decepção e incredulidade, uma forte tendência à recusa aos resultados eleitorais, que logo transformou-se em ódio político. Aos poucos, mas de forma sistemática – quer dizer, organizada – o sentimento de descontentamento e raiva dos derrotados transformou-se num programa – num conjunto de ações organizadas – com marchas, declarações de políticos, de personalidades mais ou menos conhecidas, “domingos” de repúdio e panelaços bairristas. Neste processo apelou-se fortemente para a intervenção na ordem constitucional, desde intervenção militar constitucional” (sic!) até “golpe neles!” A instituição militar do país, no entanto, manteve-se inabalavelmente legalista e surda às novas “vivandeiras dos quartéis”.  Falhada a “mobilização das ruas” e a cartada do “putsch” militar, iniciou-se uma nova fase. Assim, iniciou-se um plano, com etapas definidas, para um golpe “a la paraguaia”, como foi feito o afastamento do Presidente Lugo em 2012 (ou o Presidente Zelaya, de Honduras, em 2009).

Trata-se, neste caso, de um “impeachment”, aparentemente na forma da lei, mas de forma “expedita”, sem defesa, e sem participação dos tribunais superiores do país. Enfim, um golpe “branco” dado pela eventual maioria parlamentar contra o Poder Executivo, com a “neutralidade” do Poder Judiciário.

No Brasil tal processo em curso, a “paraguaização” da política, adveio do fracasso da “explosão espontânea” – primeiro momento da tentativa de impugnar as eleições – e do “programa” de ações contra o governo constitucional. Assim, sem tropas – reafirmamos, com o legalismo das FFAA, que se mantém constitucional, não permitindo  a repetição de 1945, 1954, 1955, 1961 ou 1964 (e 1968 e 1969). Nesta terceira etapa, o centro da política brasileira transferiu-se de forma inédita para os tribunais. 
 
Juízes, MP, competindo com setores da PF, organizaram, a partir da estrutural corrupção brasileira (nas estatais, no sistema eleitoral, nas instituições do Judiciário, na evasão fiscal, no futebol, nas polícias,  etc.) a bandeira para o descrédito de instituições, partidos, políticos e, ao final, do próprio agir político no Brasil e, desta forma, para o abandono da Constituição.
 
A mídia nacional, de amplo alcance, passou a trabalhar em três frentes simultâneas  em favor do golpe: (1.) A corrupção, apontado como ação exclusiva do Poder Executivo (esquecendo-se de outros “mensalões”, de denúncias contra políticos da oposição, contra o próprio sistema mediático do país); (2) o fracasso econômico do governo, apontando para uma crise exclusivamente “brasileira”, oriunda da incompetência governamental e, por fim, (3.) Um clima de insegurança cidadã, com a proliferação, não confirmada, de crimes praticados por grupos sociais e etários subalternos.
 
Nestas condições as manifestações de ódio político, social, religioso, de gênero, de raça e a total recusa à diferença proliferam por todas as instituições brasileiras.
 
A campanha midiática culmina com a publicação de que a presidente só tem o apoio de 9% da população, não mais representando a nação e, nem mesmo, os seus próprios eleitores. Assim, os líderes da oposição declaram: (1) a possibilidade de implantar o parlamentarismo, ou seja, uma cassação branda do mandato ganho nas urnas; (2) o final da “Era Lula”, com a cassação direta por uma maioria eventual do mandato da chapa presidencial eleita democraticamente em 2014.
 
As esquerdas, as forças humanistas e progressistas do país, desanimadas e desmanteladas por anos de domesticação dos movimentos sociais e por movimentos de bajulação das direitas, não mais se identificam com o seu governo e abandonam a sua própria sorte a presidente eleita e com isso não percebem que é a ordem republicana que periga.
 
Para realização do “golpe paraguaio” estabelece-se um cronograma rígido: (1) a derrota do governo num debate considerado sensível e caro à toda esquerda, aos humanistas e aos progressistas do país: a redução da menoridade criminal no país. Não se tratava, note bem, apenas de uma vitória (mais uma!)  da agenda conservadora. A forma como foi conduzida, e por quem foi conduzida, com o atropelo do próprio regimento do Parlamento brasileiro, era, e foi feito, como um teste de controle do voto da Câmara de Deputados e de capacidade de votar tudo e o que se quiser e da forma como se desejar; (2) o anúncio de que a Operação Lava-Jato – já incapaz notoriamente de atingir a Presidência e padecendo de certo cansaço midiático – iria se desdobrar num depoimento, a partir do dia 14 de julho, em outro fórum judicial: o Tribunal Superior Eleitoral. 
 
No TSE, neste dia, dar-se-á a produção de “provas”, via delação premiada, e através do instituto do “domínio do fato”, de que a Presidência e a Vice-Presidência seriam coniventes com a corrupção, abrindo-se assim o caminho para terceira fase do complô; (3) a liderança no Parlamento, a mesma que já atropelou o Regimento da Casa, declara “fato político grave” e abre a votação do impedimento da chapa eleita em 2014.
 
Tratar-se-ia de “fato político”, sem necessidade de comprovação jurídica e de julgamento prévio – Caso Collor -, e o Parlamento tornar-se-á capaz de votar o impedimento, cabendo a (ex) Presidente recorrer, já fora do cargo, às interpretações de um STF que, por seus Juízes, já advertem para a existência de crime e negam direitos à presos por tempo indeterminado hoje existentes no país.
 
De imediato o presidente da Câmara dos Deputados assume a Presidência da República. Cultos religiosos se organizam por todo o país apontando os “inimigos de Deus”.  De posse de ampla maioria – da pior legislatura da história da República – dota-se o novo presidente de poderes excepcionais. Deve, ele, convocar eleições presidenciais em três meses, já que metade do mandato não foi cumprido. Mas, pode votar, com sua maioria eventual: (1) a emenda parlamentarista e tornar-se, ele mesmo premier, e o Parlamento eleger um presidente-Rainha da Inglaterra e/ou (2) uma emenda constitucional que lhe de o mandato restante e mesmo uma eventual reeleição. A nova maioria vota em urgência leis alterando o funcionamento das universidades, exigindo atestado de ideologia e religiosidade de professores, currículos são mudados, a legislação trabalhista é restringida e os direitos das minorias revogados.
 
Em nome da ordem e do combate da corrupção partidos, agremiações, sindicatos e personalidades públicas poderão ser presos e ter seus direitos políticos cassados, com ações fulminantes das polícias. Governos locais serão derrubados, começando por Minas Gerais. Os tribunais calam-se, como se calaram entre 1 e 9 de abril de 1964.
 
Golpe de Estado “paraguaio”, modo de usar brasileiro.
 
Chico Teixeira – Professor de Ciência Política/IUPERJ. 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. O golpe, o golpe, o golpe…

    O golpe, o golpe, o golpe… o golpe é muito simples: manter essa conversa fiada de “golpe” durante quatro anos, para inviabilizar politicamente o governo e ganhar as eleições de 2018.

    Não tem outro golpe, e quem combate moinhos de vento só ajuda ao inimigo.

  2. Vamos ter que ir as ruas..?

     

    Eu não sei não, mas não sou muito ligado em política, no sentido de participação, filiação em partidos e nunca fui a uma passeata. Agora, com a internet e seus caminhos ficou muito mais fácil de cada um expressar sua opinião, e é o meio que uso para expressar as minhas. Acompanho o Nassif desde, imagino eu, 1995, quando ainda era colunista da fsp, e o que tínhamos em comum na época era a revolta quanto a questão dos juros altíssimos, entre outras coisas. Para mim, ficou claro, naquela época, que existia o “mercado”, e o resto. Também, politicamente, marcou para mim a manipulação do debate entre collor e lula, em 89 (se não me engano), e desde então tenho votado no pt, não por gostar do partido ou de seus dirigentes, mas por não ter muita alternativa de voto, a esquerda, Votei no Ciro Gomes uma vez, em primeiro turno.

    Me decepcionei com o primeiro mandato do Lula, mas gostei muito do primeiro da Dilma. Estou certo de que fiz a melhor escolha que podia para os meus conterrâneos, dentro das possiveis alternativas. O Pt fez muito pelo país, isso é inegável. Só a questão da pobreza já seria suficiente para me deixar com a consciencia tranquila.

    Mas agora, quem imaginaria, quem não viveu em 64 ou no tempo de Vargas, sentir a situação poilítica no país que está fervendo. Querem nos tirar da zona de conforto, ou seja, do jeito que a coisa está caminhando, vamos ter que ir as ruas, para garantir o que a constituição manda, ou seja, está eleito, a próxima eleição é daqui há quatrop anos.

    Quem imaginaria que eu tivesse querelas diarias com parentes e “amigos”(a maioria de 30 anos atrás), que publicam coisas horrorosas, (prima pedindo a volta dos milicos!), mentiras a todo momento, e a sombra doi fascismo que vai tomando conta das pessoas sem que elas percebam, o ódio a uma instituição, provocada pela veiculação de uma dose diária e bem concatenada de desinformação nos principais veículos de comunicação do país. Isso é claro como água, não enxerga quem não quer.

    Eu não sei porque, quem é ou o que segura o indivíduo no cargo, o governo mantém um ministro da justiça que não serve para nada. Alguém poderia explicar..? Falta autoridade, falta mostrar força. Falta tudo.

    Será mque por causa disto, nós, brasileiros que não seguimos a pauta da mídia, vamos ter que sair as ruas para mostrar esta força, que o governo Dilma não mostra..?: E depois..? Vamos para o pau..? Eu já estou velho para isso, Me desculpem, achava que o meu voto já seria suficiente para garantir um governo por 4 anos, e que o próprio governo e sua estrutura garantissem isso.

     

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