Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
[email protected]

Jean William, uma voz requintada e plural, por Aquiles Rique Reis

Jean William, uma voz requintada e plural, por Aquiles Rique Reis

Nascido em Sertãozinho, mas criado em Serrinha, cidade do interior de São Paulo, Jean William é um jovem tenor, verdadeira fera no canto lírico. Reconhecido internacionalmente pela voz soberba, tendo se apresentado com grandes orquestras, eis que ele decide propagar seu repertório e registrar sua versão própria para grandes clássicos eruditos e populares.

Mas o seu desejo não era simplesmente gravar o que sempre cantou. Ele queria mais. Como “mais”, entenda-se que seu desejo é ampliar o universo de ouvintes que curtem o bel canto e ao mesmo tempo atrair os que costumam ser arredios às vozes empostadas, por mais fascinantes que sejam. Objetivos bastante difíceis de serem atingidos, diga-se, posto que não foram poucos os que já ousaram tal proeza sem muito sucesso.

Assim, num ato de elogiável coragem, Jean William gravou o álbum duplo Dois atos (Gravadora Dabliú), seu primeiro CD. No primeiro “ato” estão músicas do repertório popular brasileiro, americano, mexicano e francês. Para fortalecer a intenção de conquistar novos adeptos, Jean William convidou alguns conhecidos intérpretes populares para cantar com ele.

Lá estão Fafá de Belém, em “Noche de Ronda” (Maria Tereza Lara), acompanhada por piano e arranjo de Ruriá Duprat; André Mehmari, em “Poema dos Olhos da Amada” (Paulo Soledade e Vinícius de Moraes), acompanhado pelo piano e pelo ótimo arranjo de Mehmari; e também Mônica Salmaso, Céu e Paula Morelenbaum, em “Suíte dos Pescadores (Dorival Caymmi), acompanhadas pelo violoncelo e pelo belíssimo arranjo de Jaques Morelenbaum, pelo violão de Marco Pereira, pelo contrabaixo de Rodolfo Stroeter e pela percussão de Caíto Marcondes.

No segundo “ato” está a seleção de músicas que Jean William está acostumado a cantar. Por exemplo: a ária “Una furtiva lagrima” (domínio público), presente na ópera L’Elisir D’Amore, de Gaetano Donizetti, com libreto de Felice Romani;  a ária “Libiamo, Libiano” (domínio público), da ópera La Traviata, de Giuseppe Verdi, com libreto de Francesco Maria e cantada em dueto por Jean e Federica Vitali; e “Melodia Sentimental” (Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcelos), com orquestra regida pelo maestro João Carlos Martins.

O álbum é bom, com interpretações plenas de requinte vocais… mas será que, mesmo com tudo isso, Jean William conseguiu realizar seu intento? Será que trazendo intérpretes populares para cantar com ele, conseguiu ampliar seu público, trazendo para si uma admiração ampliada?

Sinceramente? Creio que não. E digo mais: pela grande dicotomia existente entre os que julgam serem incompatíveis a música erudita e a música popular – pensamento absolutamente anacrônico e indigente –, acho que não será dessa vez que tal estratégia realizará o sonho de Jean William. Mais: ele corre o risco de não só não trazer para si um público novo e maior, como pode, e é aí que a porca torce o rabo, ver seus fãs de sempre se afastarem. O preconceito existe e resiste. Pena.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do mpb4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Serei preconceituoso?

    Aquiles, sou seu fã como artista e como contribuidor aqui do blog. Mas desta vez vou ficar do lado que você critica. Penso que o canto lírico, com sua herança de formalismo e glamour, tem uma aura de elitismo muito difícil de ser dissociada de sua sonoridade e de seu repertório. Reforça esta dificuldade a temática predominantemente alienada em termos políticos dos libretos das óperas,  mesmo tendo sido em grande parte contemporâneos do nascimento e fortalecimento do iluminismo. É compreensível a relação dos grandes compositores com os nobres que foram seus patronos, mas as restrições impostas por isso à sua arte colocou-os do lado errado nos embates que levaram à afirmação das vitoriosas idéias republicanas e democráticas.

    Este “pecado original” é, ao meu ver,  até hoje responsável pela elitização do ambiente social e da própria forma operística. O batuque africano que inunda o jazz, o rock e o samba de síncopes – ausente do repertório lírico – já está no gosto popular como signo de entretenimento e conexão entre música e dança, como porta de entrada do corpo neste ambiente outrora inacessível da música como expressão de “espiritualidade pura”, tradicional bastião puritano e moralista. Por tudo isso, não vejo como o canto lírico sair deste nicho de “coisa antiga”, que as pessoas até visitam como se visita um museu ou um castelo medieval mas não incorporam ao seu cotidiano, afinal (e felizmente) definido por horizontes muito mais realistas, abertos e contemporâneos.

    Meus respeitos, Aquiles, e um forte abraço.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador