Juíza acusa STF de permitir ataques à Justiça do Trabalho

Jornal GGN – Em artigo para o Justificando a juíza Valdete Souto Severo acusa o Supremo Tribunal Federal de esfacelar a Justiça do Trabalho ao votar pela constitucionalidade da lei orçamentária que promoveu corte de 50% dos gastos previstos e de 90% dos investimentos para a Justiça do Trabalho durante 2016. Para ela, a decisão expõe o projeto político que quer acabar com a proteção especializada aos direitos sociais trabalhistas.

Apesar de a história insistentemente nos revelar a necessidade de proteção aos direitos sociais, dentre os quais estão os direitos trabalhistas, como condição de possibilidade da própria forma capital, o liberalismo insiste em atacar todas as medidas de intervenção protetiva, retornando sempre ao mesmo discurso econômico, cujas premissas sequer se sustentam”, escreveu a juíza.

Para ela, se trata de suprimir o espaço para defender direitos trabalhistas. Como conseqüência, vão retirar dos trabalhadores a possibilidade de exercer sua cidadania.

“O voto do Ministro Celso de Mello, uma aula de democracia e respeito à Constituição, e que provocou inclusive a alteração no voto da Ministra Rosa Weber, reconhece o perigoso terreno em que estamos pisando e as consequências sociais, talvez insuperáveis, desse caminho de desmanche dos direitos sociais e, pois, das possibilidades de vida minimamente digna sob a lógica do capital”.

Do Justificando

Decisão do STF chancela o esfacelamento da Justiça do Trabalho

Por Valdete Souto Severo

Os votos proferidos pelo STF na recente decisão acerca da inconstitucionalidade da lei orçamentária que promoveu corte de 50% dos gastos previstos e de 90% dos investimentos para a Justiça do Trabalho durante o ano de 2016 revela uma das faces de um projeto politico cada vez mais claro: acabar com a proteção especializada aos direitos sociais trabalhistas.

Apesar de a história insistentemente nos revelar a necessidade de proteção aos direitos sociais, dentre os quais estão os direitos trabalhistas, como condição de possibilidade da própria forma capital, o liberalismo insiste em atacar todas as medidas de intervenção protetiva, retornando sempre ao mesmo discurso econômico, cujas premissas sequer se sustentam.

Tais premissas fundamentam-se especialmente em duas afirmações. Uma delas, de que há necessidade de enxugar o Estado, reduzindo estruturas, como a da Justiça do Trabalho, para economizar. Afinal de contas, não é novidade que o Estado está economicamente falido. O outro argumento é a necessidade de fugir da intervenção estatal, privilegiando a solução extrajudicial dos conflitos entre capital e trabalho. Ambos argumentos mentirosos.

A redução da estrutura e das condições de funcionamento da Justiça do Trabalho provocará (e já vem provocando) maior demora na tramitação das demandas, que não param de chegar (registra-se o aumento em 30% do número de ações ajuizadas este ano, em relação ao mesmo período no ano passado). Isso significa o colapso da resposta estatal às agressões sistemáticas a direitos trabalhistas beneficiando grandes empregadores (clientes contumazes dessa justiça especializada) em detrimento não apenas dos direitos dos trabalhadores, mas da própria concorrência saudável com os pequenos e médios empreendedores. Em Porto Alegre, audiências já estão sendo designadas para outubro de 2017. Essa falência provocada pelo corte no orçamento da Justiça do Trabalho não evitará a despedida sem pagamento das verbas resilitórias, a prática de assédio estrutural, o não pagamento de jornadas extraordinárias, no mais das vezes praticadas de forma ordinária. Ao contrário, fará com que o desrespeito a esses direitos dos quais depende a subsistência física de quem trabalha seja estimulada. E com isso, facilitará a ação predatória de grandes empresas, inclusive na supressão da concorrência, pela possibilidade de praticar dumping social.

A consequência será (e já está sendo) a inviabilidade de pequenos e médios empreendimentos, que não tem condições de competir nessa lógica predatória. E quando falirem, esses empregadores recorrerão ao Estado, que criou mecanismos de ajuda como a absurda recuperação judicial. Os empregados, por sua vez, terão de recorrer ao seguro-desemprego, a fim de sobreviver nos meses em que estiverem sem trabalho. Não haverá, portanto, enxugamento da máquina estatal. Haverá, como já está ocorrendo, uma procura ainda maior por soluções que o mercado não pode nem tem interesse em dar, e que são vitais para que não haja caos.

A suposta necessidade de estimular a autocomposição, como um modo de promover a “maturidade” dos agentes sociais dessa relação (trabalhadores e tomadores de trabalho) revela-se como um argumento ainda mais perverso. O Estado se constitui, especialmente através da Justiça do Trabalho, como o único e último reduto de realização, mesmo que tardia e parcial, dos direitos sociais. É sabido que a democracia traz consigo o ônus da necessidade de estruturas ágeis e capazes de promover o retorno à ordem jurídica democraticamente instaurada. Ou seja, viver em um Estado Democrático de Direito significa ter direitos e deveres, mas também contar com uma estrutura forte que os faça valer, sempre que violados. Do contrário, a própria democracia revela-se como uma farsa. Elegemos nossos representantes, aprovamos as normas jurídicas e concordamos em conceder ao Estado o monopólio da jurisdição. Em contrapartida, podemos (e devemos) exigir do Estado que garanta a realização dessa ordem de coisas, que aja quando nossos direitos forem violados. Enquanto escrevo, é impossível evitar a sensação de estar fortalecendo um engodo. Impossível deixar de perceber o quanto essas ideias de democracia, pelas quais lutamos de forma tão árdua e que defendemos (e temos mesmo que defender) com entusiasmo, são fantasias na realidade atual.

Nosso problema, porém, na urgência desse momento histórico em que até o STF se divorcia da Constituição para, com argumentos econômicos ou dissociados da realidade, ajudar a boicotar a Justiça do Trabalho, contribuindo de modo decisivo para o seu colapso iminente, é mais singelo. A retórica constitucional, vale mesmo enquanto discurso. E constitui-se como um discurso que nos interessa, que precisa nos interessar. Um discurso que serve à consolidação de uma realidade menos cruel. E que por isso se qualifica como projeto, como proposta de convivência humana, como o mínimo tolerável: o mínimo de desigualdade, de miséria, de exploração.

A Justiça do Trabalho é o ambiente em que as normas fundamentais de proteção ao trabalho encontram espaço para serem exigidas, para serem respeitadas. Suprimir esse espaço – é disso que se trata e é essa a consequência do corte de orçamento chancelado pelo STF – é retirar dos trabalhadores a possibilidade de exercício de sua cidadania, de exigência do respeito às normas constitucionais.

O resultado mais imediato é o retorno à barbárie, algo que já vivenciamos como sociedade, há bem pouco tempo atrás. O voto do Ministro Celso de Mello, uma aula de democracia e respeito à Constituição, e que provocou inclusive a alteração no voto da Ministra Rosa Weber, reconhece o perigoso terreno em que estamos pisando e as consequências sociais, talvez insuperáveis, desse caminho de desmanche dos direitos sociais e, pois, das possibilidades de vida minimamente digna sob a lógica do capital.

E por mais que pareça sedutor àqueles que como eu apostam nas possibilidades de superação do sistema, investir no caos para instigar a revolta, fato é que a luta pela superação das condições de exploração e miséria pode e deve ser feita, como dizia Marx, também através dos aparelhos do próprio capital, dentre os quais o Poder Judiciário trabalhista tem importância fundamental, seja para evitar a barbárie, seja para promover condições de vida que permitam reconhecer e lutar por mudanças.

Valdete Souto Severo é juíza do trabalho na 4ª Região, Master em Diritto del Lavoro e della Previdenza Sociale presso la Universidad Europeia di Roma/IT, mestre em Direitos Fundamentais pela PUC/RS, doutora em Direito do Trabalho pela USP, autora de diversas obras jurídicas, professora e diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho/RS.

Redação

4 Comentários

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  1. juiza…

    Justiça do Trabalho? So pode ser gozação na “Terra do Escárnio” . Justiça de onde, na terra onde não tem justiça? Agora mamata nababesca com um pseudo-poder público, parte da capitania hereditária doravante designado Judiciário, este sim sabemos de que se trata. O Templo da Corrupção, Palacio Nicolau dos Santos Neto, doravante designado Predio Rui Barbosa ou Aposentadoria do Lalau (para os intimos) não nos permite esquecer o quanto de “Justiça” do Trabalho temos nestas terras. Abs.  

  2. Não sobrará pedra sobre pedra

    Não sobrará pedra sobre pedra e as forças policiais estarão  preparadas para baixar a porrada, prender e matar os empregados que tentarem se insurgir contra mais esse saco de horrores que faz parte dos compromissos assumidos pelo  bando de delinquentes que tomou de asslto o governo do Brasil, com os bancos, grandes empresas e a mídia criminosa que faz a regência desse mar de lama.

  3. Pra que justiça do trabalho

    Pra que justiça do trabalho se vão retirar os direitos trabalhistas e impor a terceirização?? A justiça federal está economizando na energia eletrica mas não querem economizar no vergonhoso auxilio moradia, e ainda querem aprovar a nova lomam que é digna de reis, e de onde sairá a verba???

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