Juristas pedem que delações sejam mais criteriosas

Jornal GGN – A operação Lava Jato traz à tona mais algumas inconsistências do sistema jurídico brasileiro. Por exemplo, o fato de país não ter regulamentado até hoje o crime de perjúrio. Em países onde é comum a delação, o ato de mentir em depoimento prestado em juízo é objeto de legislações rigorosas.

Enviado por Webster Franklin

Juristas põem em suspeita procedimentos usados por Moro em delação

por Hylda Cavalcanti

Da Rede Brasil Atual

Magistrados e professores de Direito afirmam que, se denúncias feitas por advogados dos acusados sobre prisões e coações forem comprovadas, ‘operação poderá cair por terra’

Brasília – Magistrados, advogados e professores de Direito têm questionado, nos últimos dias, alguns dos pontos jurídicos observados na condução da Operação Lava Jato – que apura denúncias de corrupção entre empreiteiras, políticos, dirigentes e ex-dirigentes da Petrobras – e o instrumento da delação premiada. Primeiro, o fato de o Brasil não ter regulamentado até hoje o crime de perjúrio (que é o ato de mentir durante depoimento em juízo) e, em segundo lugar, a legalidade dos procedimentos que estão sendo adotados pelo juiz federal Sérgio Moro na condução do caso.

O questionamento sobre o crime de perjúrio foi colocado na última semana por cientistas políticos e advogados durante encontro em São Paulo e, pouco tempo depois, mencionado pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro, em Brasília. Eles lembraram que, em países onde é comum a técnica da delação, como Itália e Inglaterra, o perjúrio é objeto de legislações rigorosas aplicadas aos réus que assinam o acordo para tal prática. No Brasil, no entanto, isso não acontece.

Por aqui, o crime de perjúrio é chamado de falso testemunho, conforme estabelece o artigo 342 do Código Penal, que diz ser ilegal “fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade” em inquéritos policiais ou processos judiciais. A lei prevê prisão de um a, no máximo, três anos para quem cometa tal infração, além do pagamento de uma multa. A pena só aumenta no caso de ficar comprovado que o infrator recebeu algum tipo de propina para contar a mentira.

“Não é que a não existência do crime de perjúrio no país vá atrapalhar o rumo das investigações da Lava Jato. Mas corrobora a importância de as delações serem observadas de forma mais criteriosa, até mesmo para evitar que o vazamento de tudo o que é dito, antes de a veracidade das informações ser comprovada pela Justiça, não leve a acusações que prejudiquem pessoas sem envolvimento com o caso”, alertou o cientista político Alexandre Ramalho.

‘Inocentes e bandidos’

O debate sobre o tema tomou mais força depois das declarações feitas por Múcio Monteiro, que assumirá no TCU a responsabilidade pelos processos relacionados à operação depois da aposentadoria do antigo relator, o ministro José Jorge Vasconcelos. Ao falar sobre o tema em entrevista ao blog do jornalista Ricardo Noblat, Monteiro afirmou que embora considere o processo “doloroso, mas necessário” para o país, sente preocupação em relação ao tema. “Acho que muita coisa ainda virá, mas temos de ter cuidado para não trazer a emoção para o processo, para não cometer injustiça, que pode ser de dois tipos: pôr inocente na cadeia ou pôr bandido em liberdade”, acentuou.

Magistrados, no entanto, defendem que mesmo sem a lei de perjúrio, os delatores pegos em falsas informações não ficarão sem punição.

“No direito brasileiro o réu pode permanecer calado ou até falsear a verdade, confessar o que não cometeu. Isso porque não é vigente para ele, o acusado, a lei de falso testemunho, que funciona para peritos, testemunhas, contadores, tradutores ou intérpretes em processos judiciais e administrativos”, diz o juiz federal aposentado Pedro Paulo Castelo Branco, professor de Direito Penal da Universidade de Brasília (UnB) – que atuou nos processos envolvendo o ex-presidente Fernando Collor e Paulo César Farias, na década de 1990. “Mas no caso de estar sendo feita uma delação premiada, se o que o delator denunciar não for verdadeiro, lhe poderá ser imputado o crime de falso testemunho sim, porque durante a delação essa pessoa ainda está atuando como depoente, e não como réu”, explicou.

‘Vigiar e coagir’

O jurista e professor Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil, também é da opinião de que o delator a proferir inverdades poderá ficar em maus lençóis, ao perder todos os privilégios negociados no processo de delação, motivo pelo qual o que o preocupa de fato, conforme disse, não é um falso depoimento e sim, a adoção de procedimentos, por parte do juiz que comanda as investigações, considerados por ele pouco comuns.

“O que está sob suspeita é o comportamento do juiz com uma série de procedimentos que fogem da lei, como prender para vigiar e coagir para delatar. Se os advogados dos empresários (que há poucos dias criticaram várias atitudes do juiz federal Sérgio Moro, responsável pelo caso) provarem que está acontecendo mesmo isso, toda a operação cairá por terra”, enfatizou.

De acordo com Gomes, a delação premiada, em si, na forma como é regulada pela lei 12.850/13 – que dispõe sobre investigação criminal no país –, se por um lado pode revolucionar os métodos investigativos no Brasil, por outro “pode servir de instrumento de arbítrio, despotismo e tirania, com gravíssimas violações aos direitos e garantias fundamentais contemplados no nosso estado de direito”, segundo destacou.

“O grande risco que, ao mesmo tempo, pode se constituir em fonte de uma enorme frustração coletiva consiste na futura declaração de nulidade de muitas das diligências (judiciais ou policiais) da Operação Lava Jato, tal como já ocorrera com as operações Satiagraha e Castelo de Areia”, acrescentou ele. Luiz Flávio Gomes também criticou o fato de o juiz Sérgio Moro não ter permitido até hoje o acesso dos advogados de defesa dos acusados aos depoimentos dos delatores.

Questionamentos ao juiz

Nesta terça-feira (25), o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou que o ministro Teori Zavascki – responsável pelo julgamento dos casos relacionados à Lava Jato no tribunal – encaminhou a Moro questionamentos apresentados pelo advogado Fábio Tofic Simantob, que atua na defesa do vice-presidente da empresa Engevix, Gerson Almada, preso na última fase da operação. Simantob perguntou formalmente ao STF o motivo pelo qual os políticos citados na investigação não têm tido seus nomes divulgados.

O advogado argumentou que a Polícia Federal, comprovadamente, sabia de relacionamentos existentes entre o doleiro Alberto Yousseff e deputados desde setembro de 2013, mas o magistrado teria omitido a informação até março passado. “A omissão sobre a presença de políticos tem o objetivo de impedir que o caso seja remetido ao Supremo, já que deputados federais, por terem foro privilegiado, só podem ser investigados pelo STF”, frisou. No documento apresentado ao STF, Simantob relembrou, ainda, a atitude que tem sido adotada por Sérgio Moro de impedir os réus de citarem nomes de políticos acusados de receber propina.

O magistrado, que todas as vezes em que é abordado pela imprensa evita se pronunciar a respeito e já disse que não dará mais declarações sobre isso, já afirmou que a sua determinação em proibir os réus de citar políticos em suas delações tem o objetivo de “preservar a autoridade do Supremo”. Mas Moro tem sido alvo de críticas diversas de advogados que, embora o considerem preparado, levantam dúvidas sobre o seu trabalho. “Ele é acusador, não tem se mostrado, neste caso, equidistante da Polícia Federal nem do Ministério Público como um juiz precisa ser”, acusou o advogado Alberto Zacharias Toron, que defende o presidente da UTC, Ricardo Ribeiro Pessoa, no caso.

Acareação entre diretores

Enquanto a polêmica promete se estender nos próximos dias, simpatizantes do juiz também partiram em sua defesa. “Toda a crítica que alguém possa fazer a Sérgio Moro é mera especulação. Ele é muito bem preparado tecnicamente e é experiente nesta matéria”, acentuou o procurador regional da República e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Wellington Cabral Saraiva.

No Senado, o clima é de espanto com o vazamento de algumas delações. Citado como um dos políticos que teriam sido beneficiados com recursos do esquema para sua campanha pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa, o líder do PT na Casa, Humberto Costa (PT-PE), que colocou seus sigilos fiscal e bancário à disposição da Justiça, fez um discurso duro neste sentido, no plenário.

“Causa-me espécie o fato de que, ao afirmar a existência de tal doação, o senhor Paulo Roberto não apresente qualquer prova, não sabendo dizer a origem do dinheiro, quem fez a doação, de que maneira e quem teria recebido. Sou defensor da apuração de todas as denúncias contra a Petrobras e qualquer outro órgão do governo. Porém, isso deve ser feito com o cuidado de não macular a honra e a dignidade de pessoas idôneas”, salientou.

Os integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga o caso no Congresso receberam autorização de Sérgio Moro para convocar novamente o ex-diretor Paulo Roberto Costa. A comissão fará uma acareação entre ele e o também ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, que deram depoimentos conflitantes na Casa, em audiências passadas. Os dois devem se encontrar em reunião marcada para terça-feira (2).

 

Redação

8 Comentários

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  1. Sérgio Moro

    Nassif: Carta Capital da semana passada, cuja reportagem de capa foi “Mãos sujas. Lava-jato”, trouxe reportagem de Fábio Serapião que inclui algumas informações sobre o currículo e a forma de atuação do juiz Sérgio Moro. A reportagem passa uma imagem de seriedade e competência de Sérgio Moro. Com certeza você leu e gostaria muito que você comentasse. A quem interessaria desqualificar o juiz Moro? Com que objetivo? Empresários do porte dos envolvidos na operação Lava-jato contratam a peso de ouro escritórios de advocacia com equipes formadas pelos melhores advogados do país. Acreditar que o Ministério Público disponha de recursos à altura desses escritórios é o mesmo que acreditar em Papai Noel! Até hoje, laranjas e bagrinhos foram para a cadeia enquanto  “chefões”, continuaram a passear em Paris, Miami, Ilhas Seychelles… desfrutando a riqueza obtida, em grande parte, ilegalmente.

  2. Tem o falso testemunho

    Mas não se confunde com o perjúrio, que viola a cláusula da proibição de obrigar o réu a se auto-incriminar. No nosso civilizado ordenamento jurídico, o réu pode mentir, livremente. Reclamem da Convenção Americana de Direitos Humanos, a.k.a. Pacto de San José da Costa Rica, até hoje não ratificado por países como os EUA, que só o assinaram (em 1977), mas não o ratificaram até hoje, e onde o perjúrio é crime, que diz isso aqui:

    Artigo 8º – Garantias judiciais

    1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

    2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

    a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;

    b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

    c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;

    d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

    e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

    f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;

    g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

    h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

     

    De resto, discordo do juiz federal aposentado Pedro Paulo Castelo Branco, professor de Direito Penal da Universidade de Brasília (UnB), quando diz que o delator pode ser acusado de falso testemunho, pois ele poderia delatar quando ostentasse a posição de mero depoente. Essa interpretação conflita com o que dizem os dispositivos da Lei nº 9.807/1999, que trata da delação premiada, especialmente o que dizem os arts. 13 e 14 da referida lei, que falam apenas em indiciado e/ou acusado. O problema está quando ele usa o termo delator nessa fase. Nessa fase, ainda não existe espaço para delação premiada, mas mero acordo, promessa de que ele irá cooperar.

    Logo, quem pode usar a delação premiada são os que ostentam essa posição (acusado e/ou indiciado) ou que fatalmente irão ostentar no decorrer dos procedimentos policiais e judiciais. Tanto que muitas vezes se procede mediante acordo prévio com o Ministério Público, titular da ação penal. O argumento dele, portanto, é improcedente, já que ninguém em sã consciência iria se valer da delação premiada se não estivesse certo do seu envolvimento com os crimes praticados. O que se faz é uma mera antecipação, mediante acordo prévio, que será confirmada tanto no inquérito, a partir do indiciamento, quando na ação penal que o colocará na posição de réu formalmente acusado. Ademais, a acusação de falso testemunho ficaria comprometida quando o indiciamento ou a denúncia se confirmassem, anteriores ao status de delator. Tudo isso importa concluir que o que existe de forma antecipada é um mero acordo com o MP e o futuro réu, que deverá confirmar a delação quando ele já for considerado um indiciado ou formalmente acusado. Ou seja, delação premiada não existe antes dessa fase. Antes dessa fase ele é um mero depoente, de fato, e pode cometer o crime de falso testemunho. Mas aí ele não ostenta a posição oficial de delator, nos termos da lei. O erro do professor, portanto, está quando ele diz que o delator pode cometer falso testemunho, uma contradictio in terminis. Delator, por definição, jamais pode ser acusado de falso testemunho. A conduta é atípica.

    A melhor opinião é a de Luiz Flavio Gomes, que está correto no que disse. O juiz não pode usar as prisões cautelares para coagir e obter delações premiadas. A delação tem que ser livre, espontânea por parte do indiciado e/ou acusado.

  3. “Os integrantes da Comissão

    “Os integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga o caso no Congresso receberam autorização de Sérgio Moro para convocar novamente o ex-diretor Paulo Roberto Costa…”

     Uma comissão parlamentar de inquérito precisa de autorização de juiz de 1ª instância para ouvir depoimento de alguém acusado em inquérito polícial?

  4. Intencional ou não?

    Que o sigilo determinado pelo juíz Sérgio moro só serve para políticos da oposição, ninguem duvida! mas, o fato de ele aparentemente estar agindo ilegalmente ou com procedimentos nada ortodoxos, para mim ele faz isso com um único objetivo: é que na hora julgar todos os envolvidos, tudo caia por terra como muitos juristas tem dito. Acontecendo isso, tudo vai acabar em pizza e o juiz ainda vai sair bem na fita, visto que vai dizer que ele fez a parte dele e, mesmo o Conselho Nacional de Justiça vai questioná-lo ou investigá-lo, visto que se tem uma classe no Brasil que tem um dos mais bem compostos espírito de corpo são os juizes que quando condenam um outro juiz o condena a aposentadoria recebendo seus proventos como se estivesse na ativa, e, enquanto isso o povo é que se foda!!!

  5. Ninguem discute a capacidade

    Ninguem discute a capacidade e o carater do juiz, a questão é outra. O Brasil está sem crescimento, um Pais com os problemas e necessidades do Brasil não pode parar sob pena de ir para trás. Só quem pode fazer o Pais crescer são os empresarios e para isso é preciso que invistam, arrisquem, acreditem no Pais. Um clima de terror anti-empresarial vai no caminho oposto. Ninguem opera em campo minado. Não adianta dizer que são só essas nove empresas as punidas.

    São empresas grandes e famosas, o empresario pensa, se ele foi amanhã posso ser eu e se retraim.

    Entre essas nove empresas, quatro venceram concessões de aeroportos (OAS + Guarulhos) (Engevix+ Brasilia) (UTC+Viracopos) (Odebrecht+Galeão), quais outras construtoras vão disputar as futuras concessões?

    Que cara e coragem erão essas nove para futuros contratos com o Governo? O efeito manada contamina tambem as que não estão na Lava jato porque se julgarão futuros alvos.

    Os efeitos da Lava Jato serão longos e profundos, vem ai um modelo americano de compliance, paralisante de toda e qualquer tomada de risco, a compliance americana paralisou tambem os EUA, as empresas ficaram paranoicas, aqui pode acontecer igual, mas lá o COMPLIANCE chegou quando o Pais já estava totalmente desenvolvido, nos estamos impondo esse praga com um Pais a desenvolver, o resultado, o BRASIL VAI ESTACIONAR, bye, bye, crescimento.

    Não estou sendo cinico, estou sendo realista, o moralismo é inimigo do crescimento.

     

     

  6. Vaza jato

    Enquanto esse processo estiver sob o restrito controle dos tucanos Delegados da Polícia Federal, e do juiz Sérgio Moro – que já demonstrou ser incapaz de conduzir o inquérito, por não ter autoridade de impedir os vazamentos seletivos, temos o direito de suspeitar: que tudo está sendo conduzido de forma, mais uma vez, de impedir a punição dos corruptores. No fim tudo pode acabar com a condenação de agentes públicos pelo STF, e os processos contra os corruptores, serão enviados para a justiça de 1ª instância, e lá, ser contestado e anulados, ou mofar nos escaninhos dos cartórios até a ´prescrição.

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