Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral, por Fernando Ferrari Filho e Fábio Terra

Por que as lições da Teoria Geral de Keynes são relevantes nos dias de hoje? Ela é fundamental para se entender a dinâmica da globalização financeira e, ainda, para analisar as origens e os desdobramentos da crise financeira internacional iniciada com o subprime, em 2007/08, e da Grande Recessão

do Brasil Debate

Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral

por Fernando Ferrari Filho e Fábio Terra

Em uma carta para Bernard Shaw, datada em 1/1/1935, John Maynard Keynes escreve que acredita estar “escrevendo um livro sobre teoria econômica que em grande parte revolucionará – não de uma só vez, mas, suponho, no curso dos próximos dez anos – o modo como o mundo pensa os problemas econômicos.” (KEYNES, 1973: 492)

Keynes acertou ao escrever que seu livro, The General Theory of Employment, Interestand Money (GT), publicado em 1936, revolucionaria o pensamento econômico; todavia, errou ao afirmar que sua obra mudaria e influenciaria a Economia, teórica e operacionalmente, somente nos dez anos seguintes, principalmente porque, passados 80 anos de sua publicação, as ideias de Keynes apresentadas na GT continuam sendo discutidas na academia e adotadas pelos policymakers.

Ademais, nas últimas oito décadas, a teoria econômica do mainstream baseou-se ou nas interpretações equivocadas da GT, tais como a síntese neoclássica e a novo-keynesiana, ou centrou suas críticas a quaisquer princípios supostamente keynesianos, como as teorias monetarista e novoclássica.

O que é a “revolução keynesiana”? O projeto de Keynes na GT consiste em, por um lado, apresentar o modus operandi de uma economia monetária da produção, que é inerentemente instável e, por outro lado, propor medidas econômicas que mitiguem as flutuações cíclicas dos níveis de produto e de emprego. Para tanto, a “revolução keynesiana” na GT é constituída, em termos teóricos, pelo princípio da demanda efetiva e, em termos práticos, pela implementação tanto de políticas fiscal e monetária contracíclicas para dinamizar a demanda efetiva e, por conseguinte, mitigar a taxa de desemprego, quanto de política de rendas, por meio da taxação de grandes fortunas e do capital, para dirimir a desigualdade pessoal da renda e da riqueza.

Resumidamente, a GT mostra que a teoria clássica era relevante somente para explicar o sistema econômico na presença de pleno emprego, o que, por sua vez, é um dos casos possíveis da trajetória cíclica das economias e, por sinal, bastante raro.

Assim, ao refutar a ideia da teoria clássica de que os níveis de atividade econômica e emprego são determinados pelas condições de oferta, Keynes apresenta uma teoria em que o princípio da demanda efetiva é o fator explicativo da dinâmica de economias capitalistas que estão sujeitas a “equilíbrios” instáveis com presença de desemprego involuntário. Keynes argumenta que flutuações cíclicas de demanda efetiva e desemprego ocorrem porque, diante de um contexto de incerteza sobre o futuro que acaba condicionando as expectativas dos agentes, as decisões de gastos – consumo e investimento – são postergadas e, como contrapartida, a demanda por moeda cresce.

Enfatizando o aspecto prático da “revolução keynesiana”, Keynes sai da contemplação teórica ou dos exercícios de estática comparativa que recheiam a GT para propor pelo menos duas medidas para dinamizar a economia em um contexto de crise de desemprego: por um lado, a “socialização do investimento”, ou seja, o governo, por meio de suas funções reguladora e estabilizadora, tem que criar, através das políticas econômicas e de reformas estrutural-institucionais, um ambiente de negócios favorável à tomada de decisão dos investimentos privados; e, por outro lado, a “eutanásia do rentier”, isto é, a autoridade monetária tem que sinalizar uma taxa “neutra” de juros que incentive o investimento privado e desestimule a demanda por riqueza financeira.

Por que as lições da GT são relevantes nos dias de hoje? A GT é fundamental para se entender a dinâmica da globalização financeira e, mais ainda, para se analisar as origens e os desdobramentos da crise financeira internacional iniciada com o subprime, em 2007/08, e da Grande Recessão. Ademais, após a referida crise, a economia mundial não entrou em uma depressão profunda devido às políticas monetária (quantitative easing) e fiscal contracíclicas, de inspirações keynesianas, implementadas tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos emergentes.

Pois bem, tendo como inspiração os 80 anos da GT, o livro Keynes: ensaios sobre os 80 anos da Teoria Geral, do qual somos organizadores, reúne ensaios de autores, nacionais e estrangeiros, que ilustram não somente a relevância do pensamento de Keynes, em geral, e daquilo que se condensou na GT, em particular, mas também a importância dos desdobramentos do pensamento keynesiano, sejam no campo da teoria econômica pós-keynesiana, sejam em campos afins da teoria econômica heterodoxa, como Joseph Schumpeter e Mikael Kalecki.

Desta forma, o livro resgata os princípios metodológicos, teórico-analíticos e as contribuições de políticas econômicas de Keynes para, por um lado, contextualizar a “revolução keynesiana”, e, por outro lado, mostrar que as ações contracíclicas dos policymakers contemporâneos vão ao encontro da ideia de que, parafraseando Keynes, “[h]omens práticos, que acreditam ser isentos de quaisquer influências intelectuais, geralmente são escravos de algum economista morto” (KEYNES, GT, 2007: 383).

O livro está dividido em três seções: aspectos teóricos da obra de Keynes; ensaios pós-keynesianos; e interfaces entre Keynes e a heterodoxia econômica. Os quatro primeiros capítulos exploram argumentos teóricos, em termos gerais e específicos, sobre a Economia de Keynes. A seção 2 debruça-se sobre alguns insights pós-keynesianos. A terceira seção do livro sugere articulações teóricas entre Keynes e outras abordagens heterodoxas.

 

Sumário do livro (TOMO Editorial, 2016): 

Seção 1 – Aspectos teóricos da obra de Keynes

O retorno de Keynes

Fernando Cardim de Carvalho

Keynes: o liberalismo econômico como mito

Pedro Cezar Dutra Fonseca

Induction as Keynes’smethod

Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra

O debate Keynes-Tibergen: relato histórico de uma controvérsia sobre a origem da econometria

Rafael Galvão de Almeida

Seção 2 – Ensaios pós-keynesianos

A oferta de moeda em Keynes

Bruno Paim

A coherent macroeconomic approach to macroeconomics with enviromental aspects

Philip Arestis e Ana Rosa González-Martínez

Post Keynesianmacroeconomicpolicy regime

Philip Arestis, Fernando Ferrari Filho e Fábio Henrique Bittes Terra

Seção 3 – Interfaces entre Keynes e a heterodoxia econômica

Hierarquia de moedas e redução de autonomia de política econômica em economias periféricas emergentes: uma análise keynesiana-estruturalista

Barbara Fritz, Luiz Fernando de Paula e Daniela Prates

Mr.Keynes and the neo-Schumpeterians: contributions to the analysis of the determinants of innovation from a post-Keynesian perspective

João Prates Romeiro

Demanda efetiva, investimento e dinâmica: a atualidade de Kalecki para a teoria econômica

Mario Luiz Possas

Princípio da demanda efetiva: notas sobre as controvérsias entre Keynes e Kalecki

Heitor Victor Silva Brinhosa e Lauro Mattei

Referências

Keynes, J.M. (1973). The General Theory and After: part I, preparation (The Collected Writings of John Maynard Keynes, volume 13). London: Macmillan Press Ltda.

Keynes, J.M. (2007). The General Theory of Employment, Interest and Money. New York: PalgraveMacmillan.

 

Redação

3 Comentários

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  1. O livro de Keynes não passa

    O livro de Keynes não passa pela segurança do Banco Central em Brasilia, lá eles preferem livros que dizem que o “jurrro”

    é a solução para todos os problemas econmicos, eles tem horror a Keynes porque não conxseguem compreender.

  2. Gosto muito de K.

    Não sou economista mas sempre gostei de ler sobre economia ( por culpa de prof. Samuelson, Galbraith e Nassif).

    Leituras sobre Keynes estão entre as minhas preferidas.

    Tentei ler a TG  mas tive a humildade de desistir, Não é para amadores.

    Tenho comigo dois livros mais “leves” -Keynes and after – M. Stewart e Guia para ler Keynes de Hansen.

    Tempos em tempos volto a eles!

     

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