Levantando o véu da reforma trabalhista, por Vanessa Patriota da Fonseca

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Vanessa Patriota da Fonseca*

Do Justificando

Fruto de uma concepção neoliberal de desenvolvimento, o Projeto de Lei da Reforma Trabalhista aprovado na Câmara dos Deputados propõe drástica alteração da CLT, ao argumento de que melhorará a vida dos trabalhadores. Mas, atrás do biombo da geração de empregos, encontra-se escondido o interesse de aumento de lucro das empresas com a sonegação de direitos trabalhistas.

A Constituição da República diz que a convenção e o acordo coletivo de trabalho possuem força de lei, desde que implementem melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput, e XXVI). E, assim, a lei é a base, podendo os instrumentos normativos, sobre ela, soerguerem vários outros direitos.

O Projeto de Reforma estabelece a prevalência da convenção e do acordo coletivo de trabalho em face da lei quando tratarem de treze temas. E prevê que, se acionada, a Justiça do Trabalho deve, “preferencialmente”, se limitar à análise dos elementos formais do instrumento, a exemplo de realização de assembleia para sua aprovação, sem se debruçar sobre a análise do seu conteúdo – o que afronta o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CR). O substitutivo ao projeto de lei (PL) traz um pacote de maldades ainda maior. Impõe à Justiça do Trabalho que se detenha, “exclusivamente”, na verificação dos requisitos formais, e torna taxativos apenas os dispositivos que não podem ser alterados, no total de 29 (vinte e nove) pontos da CLT. Permite alteração no limite diário de jornada, intervalo intrajornada, trabalho noturno, prorrogação de jornada em ambiente insalubre e outros.

Ora, se a Magna Carta já prevê que o instrumento normativo possui força de lei em situações mais vantajosas para os trabalhadores, qual a razão da alteração proposta pelo projeto senão permitir que seja negociada redução de direitos sem controle do Judiciário? O projeto prescreve que deve ser assegurada uma vantagem compensatória, mas apenas nos casos de flexibilização das normas relativas a salário e jornada de trabalho. Como garantir que a vantagem concedida esteja em um patamar compensatório se o Judiciário não pode analisá-la?

O país não possui mecanismos efetivos para reprimir práticas antissindicais, como o impedimento do direito de greve e a perseguição a sindicalistas, e conta com cerca de 11.300 sindicatos de trabalhadores, muitos dos quais sem legitimidade alguma para defender as respectivas categorias. É nesse contexto que o negociado prevalecerá?

Pior, o substitutivo ao PL possibilita que acordo individual de trabalho promovido entre empregado e empregador prevaleça sobre o legislado se o trabalhador possuir diploma de nível superior e que receber salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência. Esquece da vulnerabilidade do trabalhador em função da ameaça de desemprego. Se um médico não aceitar a proposta de ser contratado como autônomo por um hospital, por exemplo, não será contratado diante do contingente de médicos ávidos para ingressar no mercado de trabalho.

Alguns afirmam que as normas trabalhistas estão obsoletas, mas a CLT teve mais de 560 artigos alterados, mostrando que ela é uma senhora moderna, que ao longo da vida foi se adaptando às demandas sociais. Com fundamentos rasos, tentam justificar uma alteração brutal na legislação e derrubar seus alicerces por completo.

O PL fomenta a burla à configuração à relação de trabalho ao permitir a contratação do autônomo, mesmo com exclusividade e continuidade, sem vínculo de emprego; facilita a sonegação de verbas rescisórias ao dispensar a homologação das rescisões contratuais; possibilita o trabalho intermitente em que o trabalhador é remunerado pelas horas efetivamente laboradas, não havendo pagamento pelo tempo em que ele estiver à disposição do empregador, sem existir, sequer, estipulação prévia da quantidade mínima de horas ou de remuneração mensal a ser percebida, o que aumenta a vulnerabilidade do trabalhador, etc.

Como gerar empregos nesse contexto? O que gera empregos é o aquecimento da economiaO empresário não aumentará o número de postos de trabalho se não houver aumento de demanda por bens e serviçosComo promover tal aumento com redução do poder aquisitivo da sociedade em função de redução salarial? De igual forma, com a extensão da jornada de trabalho, como pode haver ampliação de posto de trabalho?

É preciso levantarmos o véu da reforma trabalhista e mostrarmos a sua face cruel, apontando as falácias que giram em torno da modernização das relações de trabalho com o intuito de salvaguardarmos direitos trabalhistas conquistados a duras penas.

Vanessa Patriota da Fonseca é Procuradora do Trabalho, Vice Coordenadora Nacional da Coordenadoria de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Estão revertendo ao máximo
    Estão revertendo ao máximo tudo o que perceberam do que o Brasil é capaz nas mãos de governos como o de Lula e Dilma. Um povo motivado, contente e correndo atras do melhor possível, trabalhando muito mas tendo o que precisa e deseja, é sinônimo de mercado interno fortalecido e portanto com soberania, e isso eles não querem nunca.

  2. Reformas em democracia

    1.       Nem a esquerda nem o PT acho que se opõem ao aprimoramento das leis trabalhistas tanto na sua modernização como na procura de maior equilíbrio e sinergia nas relações de trabalho, visando incremento de produtividade e ganhos para ambas as partes;

    Mas,

    2.       A atual reforma está sendo empurrada em forma acelerada, sem discussões amplas, sem participação de todos os atores e, principalmente, atendendo apenas um dos lados em disputa: a classe patronal;

    3.       O Governo atual não possui legitimidade suficiente como para levar adiante uma reforma desta natureza. São necessárias novas eleições e um governo legítimo para patrocinar este tipo de reforma. Da forma atual, observa-se o executivo refém do poder econômico e de costas para o povo;

    4.       O contexto das relações trabalhistas depende muito do modelo econômico e de desenvolvimento estabelecido para o país. Um país neoliberal poderia desejar algo próximo ou similar ao projeto atual do Temer, mas, um projeto de nação autônoma com viés social possui outra perspectiva sobre as relações de trabalho. Desde 2002, em forma sucessiva, o povo tem apoiado o modelo social do PT e, a rigor, nunca foi autorizada esta caminhada para o mundo neoliberal, pelo menos não em forma legítima.

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