Lições da crise grega, por Jorge Arbache

Enviado por Jorge Arbache

publicado originalmente no Valor

Lições da crise grega
 
Por Jorge Arbache
 
A crise na Grécia é um dos assuntos mais chocantes e surpreendentes dos nossos dias. Afinal, quem poderia prever que um país europeu, membro da UE e em tempos de paz experimentaria queda de nada menos que 25% do PIB em poucos anos e teria taxa de desemprego de 26%, 20% da população em situação de grave privação, emigração em massa de cérebros e taxa de suicídio triplicando? Infelizmente, ao que parece, estamos presenciando apenas o primeiro ato desta verdadeira tragédia grega.
 
São muitas as explicações da crise, incluindo questões mais imediatas, como a reação dos credores à truculência do atual governo e o colapso de crédito dos bancos locais, e questões mais complexas, como o excessivo endividamento público e privado, graves erros de políticas públicas, procrastinação de reformas, oportunismo e ação especulativa e predatória de bancos e outros agentes financeiros estrangeiros.

 
Mas aspectos estruturais também precisam ser considerados. Um deles é a combinação de ausência de coordenação macroeconômica e de políticas e mecanismos fiscais comuns com elevadíssima heterogeneidade entre os países da moeda única.
 
Considere o caso da indústria dos dois países protagonistas da crise. Em 1999, ano da introdução do euro, o PIB e a densidade industrial (indicador que captura a capacidade da indústria de um país de agregar valor) alemães eram, respectivamente, nada menos que 29 e 3,8 vezes maiores que os da Grécia. Mas, desde então, algo deu muito errado para a Grécia e muito certo para a Alemanha. Isto porque, em 2014, o PIB e a densidade industrial alemães já eram, respectivamente, 52 e 7,1 vezes maiores. Enquanto a Grécia passou a se concentrar na produção de bens e serviços baratos e supérfluos, a Alemanha expandiu a sua indústria, especialmente a de média e alta densidade tecnológica.
 
Alguém poderia argumentar que a Alemanha tem vantagem comparativa na indústria, enquanto a Grécia o tem no turismo. Argumento legítimo, porém, inapropriado para uniões econômicas e monetárias, que requerem complementariedade e promoção da convergência econômica entre seus membros para que pare de pé.
 
Indicadores de comércio internacional mostram que a Alemanha se beneficiou das condições dos acordos da União Europeia e do euro para acentuar, ao invés de abrandar, a sua condição de “export­-led economy”, criando graves desequilíbrios macroeconômicos em nível regional e tornando quase inevitável o aumento da divergência entre ela e outros países da região, em especial os da zona do euro, que pouco podem fazer para defender seus interesses comerciais em razão da camisa de força da moeda comum.
 
De fato, a Alemanha vem experimentando saldos de contas correntes muito elevados há vários anos, o que infringe as normas estabelecidas pela própria união monetária. Neste ano, o saldo deverá chegar a assustadores 7,9% do PIB, nível muito superior ao da China, país que sempre é acusado de manipular a sua moeda para promover a competitividade das exportações. Como disse Ben Bernanke, se ainda estivesse em uso, o marco estaria bastante valorizado em relação ao euro e a outras moedas, fomentando o reequilíbrio comercial e a melhoria das condições macroeconômicas regionais e globais.
 
Análise comparada entre economias avançadas sugere que, pelo nível de PIB per capita que tem, consumo, importações e o setor de serviços deveriam ter participações bem maiores no PIB alemão. De acordo com o FMI, o elevado superávit comercial da Alemanha não pode ser explicado apenas por fundamentos e estaria associado também à políticas fiscais, regulatórias e tributárias que promovem exportações e inibem o consumo, os gastos públicos e as importações.
 
Desta forma, a crise grega teria origem no próprio país, mas, também, nas instituições e nas políticas regionais, notadamente nas da Alemanha. Ao que parece, é provável que a Europa ainda venha a ter que lidar com outras graves crises dos países membros do euro, em especial daqueles com economias menos diversificadas, de mais baixa densidade industrial e menos engajadas em cadeias globais e regionais de valor e, portanto, mais vulneráveis e expostas a choques econômicos internos e externos e mais dependentes de crédito externo.
 
A crise grega fornece lições que requerem atenção e reflexão. Uma primeira é que ter acesso, mesmo que privilegiado, a grandes mercados ajuda, mas não garante que países se beneficiarão do comércio internacional e nem da entrada de capitais e de conhecimento para a modernização produtiva.
 
Uma segunda é que, de acordo com o que vem sendo chamado de Consenso de Berlim, manda quem pode e vale o que está escrito. Por isto, países em crise não devem contar, necessariamente, com a condescendência internacional, nem mesmo de países “irmãos” ­ a humilhação pública por que vem passando a Grécia não pode e nem deve ser negligenciada.
 
Uma terceira é que crise de crédito nocauteia, mas quem mata mesmo é a baixa competitividade. Perder em diversificação econômica e densidade industrial parece ser receita certa para a fragilização da economia.
 
Uma quarta é que políticas e benefícios sociais generosos e incompatíveis com a condição econômica do país cedo ou tarde podem se transformar em constrangimentos estruturais ao crescimento sustentado.
 
Por fim, uma última lição é que procrastinação de reformas mais que necessárias e limitada governança e transparência do Estado ampliam os problemas, aumentam o custo social e econômico das reformas, colocam a democracia em risco e reduzem o espaço para o diálogo com a comunidade internacional.
 
Uma conclusão que fica é a da necessidade de os países fazerem o dever de casa independentemente das condições externas, mas, cada vez mais, também por causa delas.
 
Jorge Arbache é professor de economia da UnB. [email protected]
Redação

5 Comentários

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  1. Não é toda a história

    A análise é muito boa sob o ponto de vista de que lê, porque é para ser entendido. 

    Mas eu acho que a história não foi bem contada, não é possível um desequilíbrio tão grande em tão pouco tempo, aliás começou com a bolha das hipotecas americanas de 2008 e a Grécia mal tinha entrado no euro cumprindo todos os requisitos de equilíbrio fiscal e reformas exigidas. O que aconteceu?

    Já a humilhação da Grécia é real, me parece que foi propositadamente teatralizada para evitar o ‘contágio de outros países’. Mas o Tsipras achou melhor não sair do euro, na semana do do oxi houve uma corrida aos bancos que estavam sem dinheiro e falidos antes do dia do referendo. Se saísse do euro o valor da moeda faria as ‘reformas’, com um custo político baixo, mas a economia não teria nem bancos nem crédito. Optou por ficar e a única coisa pela qual se bateu realmente ele conseguiu: extender o prazo de pagamento dos empréstimos de 6 meses para 3 anos. Ele espera neste período concluir o acordo do gasoduto Russo, que quer se ver livre da Ucrania,  e o projetado para vir do Irâ. Quanto as reformas, bem acho que o que se está pedindo não resolve nada, coisa de economista de banco, contabilidade de receita despesa sem qualquer projeto de sustentação.  Vamos torcer para que consigam implantar o projeto do gás,  acho que existe um plano político para lidar com o problema, só assim resolve-se o balanço de contas. 

     

  2. crise Grega e capitalismo

    Mais um artigo que analisa o mundo a partir da ótica de incersão em um universo determinado e não a partir das relações entre humanos. Nosso virtualismo de existencia está atingindo o paroxismo. O artigo mostra, ele mesmo a exploração e inadequação de todo sistema e seu atual estado de autoritarismo dos milhões patenteados, mas inexistentes como reflexo de produtividade do trabalho, capital e vida. Não são a bonança em relação as desejos sociais que estão obesos mas a visão de mundo que os condena que é perversa e antiquada.A Grécia está de joelhos para os trilhóes virtuais que rodam o mundo do acúmulo restrito. A ladainha da conta de padeiro não fecha quando os donos da padaria vendem um paão do trigo que nunca foi colhido ou pior…..plantado.

  3. A culpa é sempre dos pobres…

    Economia e economistas são grandes cínicos… Todos falam de “dever de casa” e coisas assim mas nem comentam a grande roubalheira dos juros excessivos cobrados. Nunca falam das safadezas e falcatruas dos bancos. É como se torturador seguisse sempre afirmando que o prisioneiro torturado morreu por culpa própria porque era fraco e não fez o “dever de casa:. Realmente o mundo dos bancos e dos economistas virou mesmo uma “república fundamentalista” onde o lucro e as sacanagens contra seres humanos sempre encontram apoio na defesa do “lucro sagrado”.

    Até parece que não existem pessoas envolvidas… Milhares na miséria, cometendo suicídio e sofrendo humilhações… Só importa mesmo a “estabilidade do sistema” e o justo lucro dos vampiros banqueiros. E ainda se dizem intelecutais e estudiosos com as melhores idiotas como esse que escreveu este artigo…

    Quando todos estiverem na miséria no mundo todo so economistas vão estar lá em Davos comemorando os fabulosos lucros que obtiveram com suas fantásticas teorias economicas para os vampiros. E coitado daquele que não fizer o “dever de casa” vai morrer igual Wladmir Herzog que afinal das contas morreu porque era fraco e não porque os torturadores o mataram.

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