Literatura e viagem

Por jns

‘Todo livro é, por natureza, uma viagem’, Pedro Fernandes

“Mar não tem desenho, o vento não deixa o tamanho…”

“Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”

“Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos.”

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem…

‘Grande sertão: veredas’ (obra-prima da Literatura Brasileira) e ‘Corpo de baile’ tratam da segunda viagem empreendida em 1952 por Guimarães Rosa pelo sertão das Gerais que fizera, em 1945, outra viagem pelo interior de Minas e em 1947 pelo Pantanal Matogrossense.

Jack Kerouac foi dando forma ao seu livro mais incensado, ‘On The Road’, enquanto viajava pelos EUA.

Rosa percorreu 240 km montado no lombo de mulas, partindo da Fazenda Sirga, situada a 20 km de Três Marias, até atingir a cidade de Araçaí, esculpindo grandes personagens como o lendário Manuelzão.

O mapa do Circuito Guimarães Rosa, criado em 2003, com referências ao trajeto e principais lugares mencionados no seu  livro é mostrado abaixo.

 

“…no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flaubert, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão, onde Inneres und Ausseres sina nicht mehr zu trennen, segundo o Westöstlicher Divon . No sertão, o homem é o eu que ainda não encontrou um tu; por isso ali os anjos ou o diabo ainda manuseiam a língua. O sertanejo, (…) “perdeu a inocência no dia da criação e não conheceu ainda a força que produz o pecado original.”

“… nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias; já no berço recebemos esse dom para toda a vida. Desde pequenos, estamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos velhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e narra estórias que corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens (…) Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava todo o que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda.”

“Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida, também fui brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que vivi antes. E para estas duas vidas um léxico apenas não me é suficiente. Em outras palavras: gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um magister da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar da sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo, porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade.”

 “Dialogo com Guimarães Rosa“, entrevista a Günter Lorenz.

Rosa, dominava várias línguas – afirmava – ‘para não me afogar inteiramente na vida do interior’:

“Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”

– Trecho de carta-entrevista para sua prima Lenice Guimarães de Paula Pitanguy.

O Comandante Manuelzão e Juca Bananeira

Manuelzão é a transliteração de Manuel Nardi, o comandante da comitiva de oito vaqueiros na condução de uma boiada formada por 600 cabeças de gado.

“De vez em quando, ver uma mulher bonita – eu vou falar com o senhor – é a melhor coisa que tem no mundo…”

“… uma das boas (coisas) da vida é ter amizades e conhecer esse mundo… mesmo que não tenha estudo, mas conhecendo já serve,né?… e uma pinguinha boa, sô!… e muié bunita… são as três coisas melhores que acho na vida… são estas três coisas…”

Guimarães Rosa empreendeu outra viagem ao lado de Assis Chateaubriand e do Presidente Getúlio Vargas para participar de uma vaquejada em Caldas do Cipó, no sertão da Bahia.

‘Os Sertões‘, a epopéia de Euclides da Cunha, é outra narrativa que tem na viagem a sua gênese.

Informações e Fotos:

http://letrasinversoreverso.blogspot.com.br/2012/06/os-60-anos-de-10-dias-de-uma-viagem-que.html

http://www.elfikurten.com.br/2013/05/joao-guimaraes-rosa-o-demiurgo-do-sertao.html

 

http://revistacult.uol.com.br/home/2013/04/%E2%80%9Cescrever-com-a-imagem-e-ver-com-a-palavra%E2%80%9D/

Redação

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  1. A literatura é sempre uma

    A literatura é sempre uma viagem. Sair de si, de seu ambiente, muitas possibilidades, descobertas e emoções despertadas. Todo livro é uma porta ou janela para outro universo.

    A Musica e a Literatura para nos salvar de nossa mediocre existência. 

    Guimarães Rosa e Graciliamo Ramos, dois sertanistas que fizeram o Brasil – um parte pequena, a que leu esses dois grandes ilusionistas do real – conhecer esse outro Brasil, até então muito distante dos modernistas.

    Como dissemos outro dia, a literatura brasileira esta assim, meio que como a Academia Brasileira de Letras: envelhecida e apagada. Ou alguém esqueceu de editar o livro em lingua portuguesa que marcaria este novo século. 

    Precisamos de muito mais que pão e circo.

    “O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.”  JGR

     

     

    1. Um chamado João

      “Ficamos sem saber o que era João e se João existiu de se pegar.”

      Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa e Manoel Bandeira

      João era fabulista
      fabuloso
      fábula?
      Sertão místico disparando
      no exílio da linguagem comum?

      “Projetava na gravatinha 
      a quinta face das coisas 
      inenarrável narrada? 
      Um estranho chamado João 
      para disfarçar, para farçar 
      o que não ousamos compreender? “ 

      Tinha pastos, buritis plantados
      no apartamento?
      no peito?
      Vegetal ele era ou passarinho
      sob a robusta ossatura com pinta
      de boi risonho?

      Era um teatro
      e todos os artistas
      no mesmo papel,
      ciranda multívoca?

      João era tudo?
      tudo escondido, florindo
      como flor é flor, mesmo não semeada?
      Mapa com acidentes
      deslizando para fora, falando?
      Guardava rios no bolso
      cada qual em sua cor de água
      sem misturar, sem conflitar?

      E de cada gota redigia
      nome, curva, fim,
      e no destinado geral
      seu fado era saber
      para contar sem desnudar
      o que não deve ser desnudado
      e por isso se veste de véus novos? 

      Mágico sem apetrechos,
      civilmente mágico, apelador
      de precípites prodígios acudindo
      a chamado geral?
      Embaixador do reino
      que há por trás dos reinos,
      dos poderes, das
      supostas fórmulas
      de abracadabra, sésamo?
      Reino cercado
      não de muros, chaves, códigos,
      mas o reino-reino? 

      Por que João sorria
      se lhe perguntavam
      que mistério é esse? 
      E propondo desenhos figurava
      menos a resposta que 
      outra questão ao perguntante?  

      Tinha parte com… (sei lá
      o nome) ou ele mesmo era
      a parte de gente
      servindo de ponte
      entre o sub e o sobre
      que se arcabuzeiam
      de antes do princípio,
      que se entrelaçam
      para melhor guerra,
      para maior festa?
      Ficamos sem saber o que era João
      e se João existiu
      de se pegar.

      Poema de Drummond publicado no jornal Correio da Manhã, de 22.11.1967.

      Reproduzido em Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro, José Olympio, 1968.

    2. João Rosa

       

       

      João Guimarães Rosa nasceu a 27 de Junho de 1908, em Cordisburgo, Minas Gerais, e morreu, vítima de enfarte, a 19 de Novembro de 1967, três dias depois de tomar posse na Academia Brasileira de Letras.

      O poema de Carlos Drummond de Andrade, dedicado a Guimarães Rosa, foi publicado no jornal Correio da Manhã (do Brasil) a 22 de Novembro de 1967, três dias após a sua partida.

      Do Arpose Blog

  2. A escrita singular de Rosa

    Vide os capítulos III e IV (a partir da pág. 91) de minha tese de doutorado, “Entre o amor da língua e o desejo”, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Neles retrato a escrita singular de Rosa e os percalços vividos por seu tradutor para a língua italiana, Edoardo Bizzarri:

    http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000200340&fd=y

     

    Vide também os comentários de Márcia Regina Terra:

    http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/g00002.htm

     

  3. ABOIO

       [video:http://youtu.be/RjqsKZrgTks%5D

    “Aboio é um canto e quando a gente aboia o gado chega – só falta fechar os olhos, vai andando. No aboio, chama o gado, o gado vai atrás e só falta cochilar em pé andando”. Elomar.

    No filme de Marília Rocha, Elomar conta a história da mulher grávida e uma criançinha atacadas por um boi – murruerão pé-duro de ponta fina, fera! – ‘apanhado, batido de vaqueiro e cachorro, escorraçado’,  enfurecido pela caçada em ‘uma vasta capoeira pelo Tombo da Serra do Mata Fome, lá nas bandas do Garampunha, nas terras de ‘gado brabo’, nas planuras imensas, lá nas vazantes do Rio Gavião, naquela ‘massega rala’, numa capoeirinha baixa,  naquele matinho chamado de  ‘cabelo-de-nego’, munrundú, uma espécie de uma vereda.’

    ***

    ‘Aboio’ resgata o canto esquecido dos vaqueiros

    Dois anos depois de ter sido exibido no Festival do Rio – e também de ser premiado no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade -, estréia ‘Aboio’ da mineira Marília Rocha.

    Aboio nasceu de uma pesquisa de Marília Rocha.

    Lendo João Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas) e a Missão de Pesquisas Folclóricas, de Mário de Andrade, ela encontrou repetidas referências ao aboio, ou seja, ao canto que os vaqueiros utilizam para chamar o gado.

    Atraída pela idéia, Marília percorreu o norte de Minas, entrou pela Bahia e chegou a Pernambuco, sempre em busca de aboiadores. Descobriu que o campo está mecanizado, a prática do aboio não sobrevive como trabalho, mas restam esses velhos aboiadores que, ao tomar uma pinga, não resistem a soltar a voz.

    O documentário que Marília imaginava foi mudando de forma, e de tom.

    Virou uma viagem a um mundo meio mágico de lembranças.  

    Em Pernambuco, o vaqueiro Zé DuNé evoca esse outro vaqueiro com quem trabalhou nas duras lides do campo e era, na verdade, uma mulher.

    É como se ele estivesse falando de Diadorim personagem mítica do grande sertão de Guimarães Rosa.

    São oito vaqueiros, no total, cantando seus aboios, e o filme inclui entrevistas feitas com músicos como Naná Vasconcelos, Elomar e Lirinha, do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, que trabalha num registro de world music, mesclando folclore (e cordel) com sofisticadas pesquisas de ritmo.  

    Guimarães Rosa fazia o equivalente disso na literatura.

    Marília faz agora no cinema. “Aboio” terminou sendo o cartão de apresentação de uma empresa produtora de Minas, a Teia, que abriga um grupo de amigos que trabalham nos registros do documentário e da ficção, unidos pelo desejo de fazer cinema independente e autoral.

    Há críticos que vinculam não só a Teia, mas o documentário mineiro – a ‘escola de Minas’, como é chamada – à videoarte, mais que ao cinema.

    A linguagem de Aboio é poética, o filme faz experimentação de imagem e som, mas, como diz Marília, o próprio tema possibilitava esse exercício.

    Ela temia pela exibição de Aboio no projeto Cinema no Rio, para populações ribeirinhas do São Francisco.

    Descobriu que as pessoas de lá tinham outra visão.

    O que o público urbano recebia como videoarte, para ela era a própria vida.  

    Numa entrevista por telefone, de Belo Horizonte, Marília observa que é um longo tempo.

    Dá um pouco a idéia das dificuldades que o gênero enfrenta no mercado, mas ela não se queixa.

    Aboio ganhou prêmios no País e no exterior, teve ótimas críticas.  

    E o documentário não tem feito feio num mercado que anda refratário às ficções brasileiras.

    Serviço Aboio (Brasil/2005, 73 min.) – Documentário. Dir. Marília Rocha. Livre. Cotação: Bom

    Estadão, Luiz Carlos Merten

    ***

    ***

    Quando o homem formou o primeiro rebanho, ele começou a procurar uma maneira de ser compreendido pelo gado e uma das formas encontradas foi o canto.

    No Brasil, esse canto é chamado de aboio e já foi amplamente utilizado por vaqueiros para apaziguar os rebanhos, levá-los para as pastagens, guiá-los em longas viagens ou mesmo orientar companheiros.

    O documentário exibe vaqueiros que ainda conservam a memória do aboio, com uma abordagem poética da vida, do tempo e do imaginário dos homens do sertão.

    Além disso, o filme faz uma ligação entre a cultura popular e erudita no Brasil, por meio de entrevistas com artistas que usam referências do universo dos vaqueiros, como Naná Vasconcelos, Elomar e Lirinha (Cordel do Fogo Encantado).

    Interfilmes

    ***

    ***

    Aboio é um tipo de canto utilizado por vaqueiros para se comunicar com o gado.

    A cantoria de chamar e de tanger o rebanho, pois tudo na vida tem que ter agrado, como eles próprios dizem.

    Arte que, garantem eles, já existia desde os tempos de Sócrates e Creonte que também já eram boiadeiros e vaqueiros.

    Em busca de personagens que ainda lançam mão deste artifício para chamar os animais, a diretora do documentário percorreu três estados brasileiros: Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.

    Durante esta andança, Marília Rocha encontrou seis personagens que ainda utilizam a antiga arte.

    É de se destacar a qualidade das informações e narrativas como a seqüência em que discorrem sobre a nominação das rezes e a origem do aboio nos cânticos dos moazim da Idade Média, os chamadores de oração das mesquitas.

    Apreciável também a riqueza linguística dos depoimentos.

    Os vaqueiros entrevistados parecem Diadorim ou Miguelão de Guimarães Rosa ressuscitados.

    Por exemplo, o termo abc que é o nome comum que significa qualquer cartilha de ensinamento, como o abc do vaqueiro, a forma de se vestir com gibão e chapéu de couro de cabra para se proteger dos espinhos do agreste na hora de laçar e ferrar o gado, os modos de perseguir a rez perdida e trazê-la de volta ao rebanho, enfim, todo um universos riquíssimo que a diretora teve a generosidade de registrar antes que se apague de nossa memória.

    Além de trazer depoimentos dos seis vaqueiros, há ainda entrevistas com os músicos Naná Vasconcelos e Elomar e Lira Paes, integrantes do Cordel do Fogo Encantado.

    Alguns poetas brasileiros, como Hugo de Carvalho Ramos e Mário de Andrade, têm obras dedicadas ao aboio.

    A inspiração para que a cineasta fizesse o filme veio de um conto de Guimarães Rosa, intitulado O Burrinho Pedrês.

    O longa participou da edição 2005 do É Tudo Verdade, o mais importante evento sobre documentários do país. Durante o festival, arrebatou o prêmio de Melhor Documentário da Competição Brasileira.

    A Voz do Cidadão

    ***

    ***

    Aboio foi produzido pela cineasta Marília Rocha da Teia Filmes de Belo Horizonte.

    Ela fez os filmes Aboio [gado] chamadores (2005), Acácio (2008), e A Falta Que me FAZ [como a água através de Pedra] (2010). 

    Seus trabalhos foram selecionados e premiados em inúmeros festivais de cinema brasileiras e internacionais, tendo também sido exibido em museus como o MoMA (EUA), New Museum (EUA) e Musée d’Etnografia de Neuchâtel (Suíça). 

    Em 2011, o festival Dockanema (Moçambique) realizou uma retrospectiva de seu trabalho e ela foi homenageada no Visions du Réel (Suíça), que dedicou um show especial para seus filmes.

    ***

    Fonte:

    http://pipocamoderna.com.br/o-circuito-se-rende-a-marilia-rocha/55156

    http://www.mariliarocha.com/trabalhos/aboio

    http://www.mariliarocha.com/biografia

    1. Ou…Ou – Guimarães Rosa

      OU…OU

      A moça atrás da vidraça
      espia o moço passar.
      O moço nem viu a moça,
      ele é de outro lugar.

      O que a moça ouvir
      o moço sabe contar:
      ah, se ele a visse agora,
      bem que havia de parar.

      Atrás da vidraça, a moça
      deixa o peito suspirar.
      O moço passou, depressa,
      ou a vida vai devagar?

      1. Mundo Rosa

        Mano Luc,

        Tava faltando você – que não corre do aço, que não foge do laço, nem de guerra e o que vier – para embarcar nesta viagem ‘embaçada’ pelo sertão do Mundo Rosa das minhas gerais encantadas pelo realismo fantástico de um povo simples e cheio de sabedoria.

        Grande abraço!

        [video:http://youtu.be/uRrE-Bt1Aqo%5D

  4. Veredas de som

    “ Eh, filme bom…”

    Carlos Alberto Mattos

     

    Ando fascinado por esses docs sobre sons. Não falo de musicais propriamente, mas de filmes como Diário de Naná, de Paschoal Samora, em que os encontros de Naná Vasconcelos Bahia adentro servem como laboratório de criação sonora. Ou como 500 Almas, de Joel Pizzini, atento ao toar do Pantanal. Aboio, de Marília Rocha, é dessa família. Lá esta a materialidade dos vaqueiros, dos gibões de couro, do gado e da caatinga. Mas o filme está em busca, essencialmente, de um certo universo sonoro

    O aboio é um dos sons mais lindos do Brasil. É mistura de canto, grito, poema, oração e conversa com boi. Periga virar canto do cisne e extinguir-se junto com a figura do vaqueiro em era de motos e carretas. A melodia dos aboios, por sua vez, combina-se com o tinir dos chocalhos, a sinfonia de piados e mugidos do pasto, e a voz conversadeira dos tangerinos nas suas pausas doces. Eles contam causos de tanger e ajuntar gado. Dizem como era ontem e como é agora. Falam de mistérios que só boi entende.

    Às vezes vem ao ouvido um sabor de Guimarães Rosa. Repare que tem até uma história de Diadorim entre tantas outras. Ora vem a memória do Saruê de Vladimir Carvalho – e não só pelo cenário da caatinga, mas pelo interesse na imagem rústica, cravada de sol e poesia.

    As imagens de Aboio aspiram a ser som. Ora são belamente desfocadas, ora perdem a definição incendiadas pelo sol. Corcoveiam no lombo de um animal, abstraem-se na galharia das veredas, na festa da chuva, nos close-ups de reses e gentes. Vídeo digital (colorido) e Super 8 (preto e branco) fazem um contraponto do trivial com o poético. Quase sempre a imagem parece estar ali não como informação, mas como sensação.

    Perguntei a Marília Rocha por que ela não identificou as vozes de Elomar, Naná Vasconcelos e Lira Paes (do Cordel do Fogo Encantado), que fazem comentários em off sobre o aboio. Sua resposta disse muito sobre o filme:

    – Quem deu o primeiro passo para essa decisão foi Elomar, que não permitiu que nós gravássemos sua imagem, mas apenas sua voz. A partir desse momento, e especialmente porque os outros depoimentos foram gravados em ambientes urbanos e muito destoantes daquele dos vaqueiros, decidimos usar apenas a voz dos músicos. Vendo o filme ao final da edição, achamos melhor não colocar créditos nos personagens e nem mesmo nos músicos. Inserir um nome e junto a eles, como é freqüente, uma função ou localidade, seria fazer o espectador atentar para um crédito, uma informação que daria um caráter de “documentário” no sentido mais tradicional do termo. Nós queríamos libertar um pouco o documentário dessa função informativa, para mostrar personagens que trafegam pelo sertão sem nome, contando histórias maravilhosas sem que estejam ligadas a uma pesquisa, uma localidade específica, uma cronologia. Queríamos tentar fazer o espectador também se libertar dessa busca pelo dado, pela descrição.

    Produzido pela Teia de Belo Horizonte e filmado em Minas, Bahia e Pernambuco, Aboiovenceu a competição nacional do É Tudo Verdade de 2005, já foi exibido no MOMA de Nova York e entrou para a história do moderno doc mineiro.

    É filme para os sentidos todos. Faz a gente imergir num Brasil profundo e manso, mais chegado ao afago que ao sufoco. Eh, filme bom…

    http://oglobo.globo.com/blogs/docblog/posts/2007/09/14/veredas-de-som-73379.asp

    [video:http://youtu.be/CYHLJRLSaE8%5D

    [video:http://youtu.be/ZwKHoESPut4%5D

  5. Meu pai foi tropeiro a vida

    Meu pai foi tropeiro a vida toda, e palmilhou Minas, Bahia e Rio em lombo de cavalo, de burro, e a pé – levando gado ou tropas com balaios cheios de café e outros gêneros.

    Meu pai gostava de falar de lugares como Andrequicé, por onde também passou Guimarães Rosa, que em um dos livros teria mencionado um certo Simdú;  nas roças da Minas de antigamente meu pai era conhecido como Domingos de Sindú. Sindú foi o apelido de Agostinho, meu avô paterno que viveu nas cercanias de Setubinha, Minas, mas também zanzou por outras veredas das Gerais daqueles tempos.

    Uma rua da Andrequicé dos dias de hoje:

    http://andrequice.arteblog.com.br/

    1. Fábulas Fabulosas

      Toni Francisco,

      O seu rico depoimento me fez recordar de um velho amigo, o Sr. Geraldão, falecido, que cuidava do meu terreninho (um montinho de ciscos) em uma região rural vizinha da minha cidade.

      Ele foi tropeiro e viajava em comitivas que se transformavam em grandes epopeias, vencidas ao longo de vários dias de trote, nas idas e vindas, percorrendo cerca de 120 km, para transportar sal, utensílios & fardamentos, montado sobre burros e mulas, entre as cidades de Caratinga e Governador Valadares, no interior das Gerais.

      Nas fases da lua cheia – sabedor que ‘os mais velhos’ estavam sentados nas varandas para contar causos curiosos e revirar o passado heroico que me fascinava – deixava a minha casa na cidade e ia prá roça ouvir os contos fascinantes surgidos da tradição oral que me transportava em uma viagem mitológica como ocorria ao ler os compêndios que reuniam ‘As Mais Belas Histórias’, de Lúcia Casasanta, os ‘Contos de Grimm’, as ‘Fábulas de Esopo’ e as ‘Jean de La Fontaine’, por tão ricos de detalhes quanto as instigantes narrativas de ‘Sagarana’ e ‘Grande Sertão’ que foram lapidadas na ourivesaria do matreiro/gênio/mateiro João Rosa.

      Um abraço!

         [lili+3.jpg]   Capa do livro As Mais Belas Histórias da Antiguidade Clássica    Fábulas de La Fontaine - vol. 1 Memórias De Um Menino De Negócios - Wilson Martins Da Silva

       

      Capa da 1ª edição de SAGARANA (1946), Geraldo de Castro

      1. Essas capas eram otimas. Essa

        Essas capas eram otimas. Essa da primeira edição de Sagarana nem conhecia (lembro daquela amarela e preta). Recentemente comprei uma edição das fabulas de La Fontaine muito bonita, com ilustrações pintadas, como antigamente. Estou encantada com essa bela edição. Também não conheço “Memorias de um Menino de Negocios”, mas vou procurar. Tenho um menininho em casa e quero que ele conheça essas historias que tanto marcaram as outras gerações.

        Todos os outros são realmente classicos que as crianças liam antigamente. Pena que com o consumo excessivo da televisão perdeu-se a tradição oral. 

        Muto bom trazer pra ca todas essas preciosidades, seu JNS. 

        Abração.

         

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