Macri contra o narcotráfico: a cruzada que terminou em vexame

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Traduzido por Victor Farinelli

Da Carta Maior

O governo de Macri está tão preocupado em construir o relato épico da cruzada contra os narcotraficantes que sequer pode desfrutar de uma vitória sensata, como a captura de três presos depois de somente 15 dias. O último episódio levou o secretário de Segurança, Eugenio Burzaco, autor da Epopeia de Santa Fe, a entrar para a história. Burzaco mostrou um vídeo caseiro na quinta-feira (14/1), dizendo se tratar de algo grave, e teve que retificar essa declaração depois. A fita exibia a imagem de um “perigoso narcotraficante”, que no fim das contas era um simples morador da região de Santa Fe, e um supercarro que supunha ser uma Hummer del Cartel de Juárez, e não era mais que uma lata velha. Para os cabeças da coalizão governista, o ex-governador Antonio Bonfatti (líder opositor da região) seria como o Chapo Guzmán. Estão vendo ainda quem fará os papéis do ator Sean Penn e da atriz Kate del Castillo, que deram o toque bizarro à captura do traficante mexicano.
 
A união dos argentinos, pobreza zero e a luta contra o narcotráfico, essas foram as três bandeiras de Macri durante a campanha. Mas agora, ele e seus funcionários insistem apenas na última. Talvez por decisão de seu caríssimo assessor Jaime Durán Barba, e estimulado pelo triunfo de María Eugenia Vidal na Província de Buenos Aires. Talvez seja por algum motivo mais simples, como a fuga dos irmãos Lanatta e de Víctor Schillaci, que impôs ao governo um trabalho que sua equipe de comunicação tentou a todo custo converter em façanha.

Sem diagnóstico
 
No dia 27 de setembro, o diário argentino Página/12 revelou o conteúdo de um documento sobre a questão das drogas assinado por uma pluralidade inusual de figuras. Contavam, entre outros nomes, os de Beatriz Sarlo, Luis Moreno Ocampo e dos ex-funcionários kirchneristas León Carlos Arslanian, Luis Tibiletti e Ernesto López. Também o do militante radical Jesús Rodríguez, cujo partido forma parte da coalizão governista, e o de José Octavio Bordón, indicado por Macri para ser embaixador no Chile. Um dos artífices da iniciativa foi o especialista em relações internacionais Juan Gabriel Tokatlian, convocado pela Casa Rosada em dezembro, junto com outro grupo de intelectuais. O documento pode ser lido na íntegra em: http://bit.ly/1iC9IG0.
 
O texto diz que o país ignora o que ocorre realmente, porque não há um diagnóstico integral. Explica que “um diagnóstico integral, pelo que entendemos, seria a existência e disposição, em todos os níveis do Estado, de um conhecimento institucional exaustivo, sistemático e atualizado do fenômeno das drogas. Esse não é o caso do nosso país, onde infelizmente prevalece a suposição, a intuição e a improvisação nessa matéria. Qualquer que seja o governo que assuma no dia 10 de dezembro, terá que lidar de forma urgente com o tema e levar adiante estudos e informes rigorosos e baseados na evidência em torno do tema das drogas, coordenar a socialização desse conhecimento em todo o aparato estatal e divulgá-lo ao conjunto da sociedade, para confirmar sua legitimação”.
 
Os informes rigorosos ainda não apareceram. Enquanto isso, todos os funcionários parecem se empenhar em mostrar sua melhor faceta, para a sociedade e para o presidente.
 
Antes da epopeia de Santa Fe, o anúncio oficial da recaptura dos três prófugos, ocorreu a façanha de Buenos Aires, que também teve sua cota de dramatização.
 
O primeiro deslize foi protagonizado pelo ministro de Segurança, Cristian Ritondo, quando disse: “nós já os cercamos”. Como se sabe, o operativo não incluiu a casa da ex-sogra de Cristian Lanatta. Depois Ritondo admitiu que sua declaração naquele momento talvez tivesse sido um erro. Talvez. Em privado, os dirigentes provinciais do macrismo aceitaram que, talvez, anunciar a emergência penitenciária e não desarticular antes o Serviço Penitenciário Bonaerense (SPB) teria sido outro erro. Talvez.
 
Como na tevê é preferível assistir a novela da moda, mas seria tonto se focar somente em sua parte divertida, ou nos erros de gravação.
 
Parte da versão oficial é de que um grupo de políticos inocentes se encontrou com uma situação calamitosa, a qual eles não conheciam. Isso sempre acontece: ninguém sabe tudo o que encontrará onde começa a trabalhar até que assume o cargo.
 
Mas Ritondo não é um calouro. Assumiu o Ministério de Segurança da Província aos 49 anos, não aos 19, e seu CV nacional é vasto, indo além da política portenha. Em 2001, ele foi vice-ministro do Interior, durante a fugaz gestão do presidente Ramón Puerta, um bom amigo de Macri que acaba de ser indicado como embaixador na Espanha, e também com Eduardo Duhalde – antecessor interino de Néstor Kirchner. Ritondo foi, durante muitos anos, a mão direita de Miguel Angel Toma, o secretário de Segurança de Carlos Menem, e também o de Inteligência de Duhalde, e agora colabora com Macri na nova política. Conhece o que ele mesmo chama de submundo da Grande Buenos Aires, a que, em parte, se forma com barras bravas – ele mesmo é conselheiro do clube Independiente – que se prestam a qualquer propósito.
 
Ritondo tampouco pode dizer que desconhece a Polícia Bonaerense, porque foi ele quem sugeriu à governadora Vidal a designação de Pablo Bressi como chefe da mesma. O comissário Bressi se tornou famoso em 1999 como negociador do sequestro em uma sucursal do Banco Nación. O sequestro terminou com dois reféns mortos e o assassinato de um dos sequestradores dentro da cela da comissaria 2. Bressi chegou a ser superintendente de Investigações do Tráfico de Drogas Ilícitas da Polícia Bonaerense, de onde passou à chefatura. No dia15 de novembro, Horacio Verbitsky publicou em Página/12 o histórico de Bressi, e também suas relações especiais com a DEA, a agência antinarcóticos dos Estados Unidos, que participa da regulação da oferta global de drogas – porque lhe parece mais simples isso do que baixar a demanda de cocaína e drogas sintéticas no principal mercado do mundo. A nota de Página/12 informava que Bressi era o candidato de Ritondo. Basta ver as datas para perceber que a primícia foi dada quase um mês antes da nomeação das novas autoridades. Ainda assim, Bressi chegou à chefatura, e não a perdeu nem mesmo depois da Façanha de Buenos Aires.

Contradições

A cruzada contra os narcos, sem diagnóstico nem plano de ação, mostra um governo que navega entre contradições que o aproximam de um grande vexame. É verdade que a penetração do narcotráfico aumentou na Argentina, tanto em Buenos Aires como nas províncias, e que os mesmos se beneficiam da relação de cumplicidade com a política e com as forças de segurança. Porém, será que a única exceção foi, como diz o governo, a Superintendência de Investigação do Tráfico de Drogas Ilícitas da Polícia de Buenos Aires? Que informação a governadora Vidal recebeu por parte de Ritondo sobre o narcotráfico na Grande Buenos Aires? A de Bressi? A que emanou da DEA? Da agência que não diz a verdade nem mesmo para a Casa Branca? A de Alejandro Granados, intendente de Ezeiza e ministro de Segurança de Daniel Scioli? Ou as informações de Ricardo Casal, o ministro de Justiça de Daniel Scioli que estava no cargo de diretor do Serviço Penitenciário Bonaerense(SPB)?
 
Sobre o SPB também sobra informação pública. A Comissão Provincial pela Memória (CPM) investiga a situação carcerária e a culpa dos carcereiros e seus chefes, e publica informes desde 2002, para os quais conta com um Comitê contra a Tortura que indaga sobre as condições dos suspeitos privados de liberdade nas delegacias ou prisões. No dia 29 de dezembro, a Comissão disse que declarar emergência carcerária não resolveria o problema, assim como, segundo a mesma, não tiveram sucesso as medidas idênticas tomadas pelos governadores Carlos Ruckauf, Felipe Solá e Daniel Scioli.
 
O ex-promotor Hugo Cañón, da CPM, faleceu sem ser convocado pelo novo Executivo provincial, para dar sua opinião especializada. Até agora, o mesmo acontece com a Comissão plena, um organismo de integração plural presidido pelo Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel.
 
É difícil que Pérez Esquivel rejeite um convite aberto. Inclusive diante do fato de o governo provincial designar Fernando Díaz para o comando do SPB, questionado numa nota difundida pela Comissão. Díaz também participou de gestões anteriores, outra mostra de que a crítica no discurso se contradiz com a continuidade observada nas ações, que são, até o momento, as duas caras da cruzada macrista.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Então…………..

    ” …relações especiais com a DEA, a agência antinarcóticos dos Estados Unidos, que participa da regulação da oferta global de drogas – porque lhe parece mais simples isso do que baixar a demanda de cocaína e drogas sintéticas no principal mercado do mundo. “

    Precisa comnetar mais!!!!!!!

  2. Até Mirtha Legrand

    Até Mirtha Legrand, uma espécie de Ana Maria Braga argentina, com aquele típico glamour portenho (as vezes cafona e decadente), figura tradicionalissima da TV e da alta sociedade, “gorilaça” de carteirinha, amiga da ditadura militar e do desatrado governo neoliberal de Menem também anda estranhando as atitudes do novo Presidente argentino.

    Aqui, num trecho de seu programa semanal de Canal 13 (do Grupo Clarin), questionando o Titular (com status de Ministro) Hernán Lombardi, responsável pelo Sistema Federal de Medios y Contenidos Públicos, criado neste novo Governo em substituição à AFSCA (Ley de Medios), sobre algumas atitudes de Macri:

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=AJWCCYKrIzo%5D

  3. Contra informação

    Assim como o Nisman, os irmãos Lanatta foram usados pela oposição Cambiemos (hoje situação) numa operação mediática (estilo Fantástico / Revista Veja), coordenada pelo jornalista-mercenário Jorge Lanata (com uma só T) do Grupo Clarin para detonar a candidatura de Anibal Fernandez, candidato oficialista do Partido de Cristina ao Governo da Provincia de Buenos Aires (2ª maior em importancia).

    Uma semana antes da eleição, quando o panorama era de empate técnico com ligeira vantagem de Fernandez, o jornalista Lanata entrevistou no seu programa semanal Periodismo Para Todos (Clarin), seu quase homônimo Cristian Lanatta (com duas T). Nele, Fernández,  junto com outras ilações e montagens, foi acusado por um dos irmãos de estar envolvido no contrabando de efedrina, causa pela qual os três narcotraficantes estavam presos e condenados.

    A partir de ahi, a candidatura de Maria Eugenia Vidal (Cambiemos) descolou do outro candidato, resultando vitoriosa. O partido, que já possuia a Cidade de Bs As (Capital Federal) passou a contar com a Provincia e, mais tarde, também ganharia a nível federal, num fato inédito na história da politica argentina.

    A operação foi tão bem sucedida que o grupo Clarin presenteou o jornalista mercenário Jorge Lanata com uma aposentadoria generosa em Miami, acompanhado de um cargo na TV hispana do grupo.

    Duas semanas após Macri assumir, os três narcos escapam pela porta da frente do Presidio, com a ajuda escandalosa do sistema prisional, ameaçando um só guarda que os acompanhou ao Ambulatório (?) com uma arma de brinquedo, sem que nada ficasse nos registros do circuito interno de tv. Inicia-se então a caçada, televisionada minuto a minuto, numa espetacularização mediatica que parecia mais a perseguição do Chapo Guzmán, do que a de três traficantes de poca monta.

    E desde então, o Pais inteiro mergulha na polémica sem fim: a quem interessava e quem facilitou a fuga? Governo ou oposição? Igual que no caso Nisman, um jogo de empurra em que dificilmente se saberá a verdade…

  4. Bem,

    se lembrarmos que há um ano foi morto (?) um promotor – praticamente  uma morte anunciada – sem que até hoje haja uma resposta, até que não está tão ruim assim.

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