Do O Globo
RIO – O coronel reformado Paulo Malhães, ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE), assumiu nesta terça-feira, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o envolvimento em torturas, mortes e ocultação de corpos de vítimas da repressão. Pela primeira vez em público, ele confirmou a participação na equipe que operou, nos anos 1970, a Casa da Morte, aparelho clandestino do CIE em Petrópolis.
Malhães disse que os corpos eram lançados nos rios, depois da retirada dos dedos e da arcada dentária para impedir a identificação:
— Naquela época não existia DNA, concorda comigo? Então, quando o senhor vai se desfazer de um corpo, quais são as partes que, se acharem o corpo, podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais, só. Quebravam os dentes e cortavam os dedos. As mãos, não. E aí, se desfazia do corpo.
Como revelou ao GLOBO há duas semanas, ele admitiu ter recebido uma ordem de missão do comando para ocultar o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, que estava enterrado no Recreio dos Bandeirantes. O mesmo testemunho foi dado à Comissão Estadual da Verdade, em dois depoimentos gravados recentemente. Porém, desta vez, à Comissão Nacional, o coronel disse que a operação foi executada por outro oficial do CIE e que decidiu assumi-la em solidariedade à família de Paiva, que há 43 anos luta para descobrir o paradeiro do ex-deputado, morto em janeiro de 1971.
— Eu deveria ter feito, sim, mas tive outra missão. Eu disse (à imprensa) que foi eu porque acho uma história muito triste quando uma família leva 38 anos para saber o paradeiro de uma pessoa. Não estou sendo sentimental, não — declarou.
Coronel viu corpo de paiva
Malhães, porém, caiu em contradição ao admitir ter visto o corpo de Paiva desenterrado:
— Existia uma massa morta, enterrada e desenterrada, não identificada. Nem sei se aquela massa era realmente dele. Sabia que tinham enterrado e desenterrado.
A ordem, segundo ele, fora dada pelo então coronel Coelho Neto, que em 1973 era o subcomandante do CIE. Ao GLOBO, disse que o objetivo da missão era “consertar uma cagada” do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), da Rua Barão de Mesquita, local da morte de Paiva. O corpo, disse, foi inicialmente enterrado pelo DOI no Alto da Boa Vista. Levado mais tarde para o Recreio, teria sido desenterrado e jogado no mar.
Como capitão, Malhães foi um dos mais ativos integrantes da Agência Rio do CIE, nos anos de chumbo do regime militar (1969-1974), participando de algumas das mais importantes operações de combate às organizações da esquerda armada, incluindo a Guerrilha do Araguaia, a Casa da Morre e o Massacre de Medianeira, como ficou conhecida a emboscada que matou, em 1974, o ex-sargento Onofre Pinto e pelo menos mais cinco militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Por problemas no nervo ciático, causados por um tombo, ele entrou no Arquivo Nacional de cadeira de rodas. Exigiu que o depoimento fosse prestado em ambiente fechado, mas acabou concordando com a presença da imprensa. Durante pouco mais de duas horas, respondeu as perguntas formuladas pelos advogados José Carlos Dias e Rosa Cardoso, ambos da comissão. No início, parecia tenso, mas se descontraiu e chegou a rir mais de uma vez.
Malhães disse que, no começo da carreira, chegou a torturar presos políticos. Porém, depois de “sofrer uma evolução”, teria trocado os métodos violentos por tortura psicológica. Uma dos métodos de pressão era dizer ao interrogado que a prisão só seria oficializada, livrando-o dos riscos da clandestinidade, se ele decidisse colaborar.
O coronel disse que não se arrepende do que fez, pois procurou cumprir as missões que o Exército lhe deu.
— Não tinha outra solução. Me dê uma solução.
Ele disse que teme vingança “não em mim, mas nos meus filhos”.
Malhães disse que, desde a publicação de reportagens envolvendo o seu nome nas violências praticadas nos porões do regime, seus cinco filhos e oito netos estariam “sofrendo sanções”.
Inês reconhece torturadores
A audiência pública de ontem, no Arquivo Nacional, começou com a divulgação de relatório parcial sobre o caso na presença de Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte. Ela reconheceu o oficial da reserva Antônio Fernandes Hughes de Carvalho como “Alan”, codinome de um dos torturadores que atuavam no local.
Em depoimento à comissão, Inês reconheceu por foto outros cinco agentes como torturadores (major Rubens Paim Sampaio, capitão Freddie Perdigão Pereira, sargentos Rubens Gomes Carneiro e Ubirajara Ribeiro de Souza e o comissário de polícia Luiz Cláudio Azeredo Vianna).
Apontado ontem pela comissão como um dos responsáveis pela Casa da Morte, o general reformado José Antônio Nogueira Belham vai depor em 1º de abril, às 14h, na Câmara dos Deputados. O militar era o comandante do DOI-I, em janeiro de 1971, quando Paiva foi torturado e morto na unidade. A convocação de Belham foi pedida pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara, que vê nele o responsável pela ações violentas no local.
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Acho que “nossas forças
Acho que “nossas forças armadas” só vão colaborar quando receberem um “OK” de seus superiores nos EUA.
Militares brasileiros são apenas subordinados àqueles que organizaram e financiaram golpes em toda América do Sul.
Brasil Gentil
FOLHA
Militar diz que coronel matou jornalista em 82
“…Malhães afirmou que o coronel do Exército Freddie Perdigão foi o responsável pela morte do jornalista Alexandre von Baumgarten, em 1982….”
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“Baumgarten tinha ligações com o SNI e, em 1979, havia comprado os direitos do título da revista “O Cruzeiro” para torná-la pró-regime. O projeto, no entanto, fracassou.”
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/03/1430923-militar-diz-que-coronel-matou-jornalista-em-82.shtml
Caramba! Quand eu vi o cara
Caramba! Quand eu vi o cara falando na TV pensei que se tratasse de imagens de arquivo do Saddan Hussein. Ele é um sósia perfeito! Senti arrepios. Cruzes!
A frieza!
Realmente também achei parecido com o Saddam. Mas impressionou-me a frieza desse senhor. Acho que Saddam não era tão frio quanto este sósia.
Coronel Malhães
Li também no DCM o texto sobre este depoimento. Talvez seja o caso de reler Hannah Arendt em “Eichmann em Jerusalém”, onde ela, diante da carnificina nazista, e, pelo depoimento frio e lúcido do réu, formulou a frase que se transformou em fenômeno sociológico: ” a banalidade do mal”.