Malhães, o homem da ditadura brasileira em cooperação com os argentinos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Antes de ser assassinado, Paulo Malhães, um tenente-coronel responsável pela Operação Gringo, falou bastante. Em seu depoimento, Malhães contou da parceria entre ditaduras brasileira e argentina, com este nome, para permitir a captura de militantes de esquerda tanto lá quanto aqui no Brasil. Malhães descreveu sua participação, que teria permitido aos argentinos o aprendizado malfadado da tortura e do sumiço de desafetos. Leia a matéria de O Globo, parte de uma série de reportagens sobre os tempos da ditadura.

de O Globo

Operação Gringo: coronel Malhães combateu montoneros argentinos em viagens secretas

Foram 14 missões sigilosas no Sul do país entre os anos de 1976 e 1980

POR CHICO OTAVIO E RAPHAEL KAPA

Montoneros representavam uma das alas mais radicais da esquerda peronista na Argentina – 20-6-1973 / “La Nación”/GDA

RIO E BRASÍLIA – O tenente-coronel Paulo Malhães, um dos responsáveis pela “Operação Gringo” – deflagrada em parceria com a Argentina para perseguir e caçar refugiados no Brasil, principalmente os militantes da guerrilha montonera -, cumpriu, entre 1976 e 1980, 14 missões secretas no Sul do país. Uma delas, no dia 15 de março de 1980, ocorreu três dias depois do desaparecimento do casal Horacio Campiglia e Mónica Binstock, capturado no Aeroporto Internacional do Galeão quando desembarcava com os nomes falsos de “Jorge Piñero” e “Maria Cristina Aguirre de Prinssot”, para lançar uma contraofensiva da guerrilha com o objetivo de derrubar o governo militar argentino.

A captura do casal, levado a bordo de um cargueiro C-130 para um campo de concentração em Buenos Aires, foi parte de uma operação militar que resultou na queda de pelo menos outros 12 guerrilheiros.

Na última das três viagens ao Sul no primeiro semestre do ano, o coronel Malhães esteve na região de 15 de março a 20 de abril, período da maioria das capturas. As viagens secretas de Malhães, que aparecem nas “Folhas de Alterações” do oficial (nome dado ao histórico individual dos integrantes das Forças Armadas), reforçam as suspeitas sobre o envolvimento direto do governo brasileiro na morte e no desaparecimento de argentinos no Brasil.

Como O GLOBO revelou em série iniciada ontem, o grupo “Justiça de Transição”, criado pelo Ministério Público Federal para investigar os crimes do regime militar brasileiro (1964-1985), encontrou no sítio de Malhães dois volumes denominados “Operação Gringo”, que mostram o monitoramento de estrangeiros no Brasil.

Montoneros dinamitam a casa de Guilherme Klein – AP

– Esses documentos servem claramente para revelar o conluio existente entre os aparelhos repressivos brasileiro e argentino, que, de forma sempre clandestina e ilegal, vitimaram não só argentinos, mas também chilenos e uruguaios – afirma o gaúcho Jair Krischke, fundador da organização Movimento de Justiça e Direitos Humanos.

Os brasileiros seguiram os passos dos exilados argentinos no Brasil por acreditar que cidades como Rio, São Paulo e Foz de Iguaçu serviriam de base para o levante montonero, incluindo o contrabando de armas para Buenos Aires. Um dos relatórios da “Gringo”, datado de 31 de dezembro de 1979, cita Horacio Campiglia, identificado como “Petrus, secretário militar”, como um dos membros da direção nacional montonera, tendo morado no Rio entre 1977 e 1978.

SÃO PAULO SERIA A BASE DOS SUBVERSIVOS

Para os agentes brasileiros, São Paulo seria a “base de falsificação de documentos e o setor de desenho e planejamento logístico pesado da Secretaria Militar” montonera. De acordo com o dossiê, “investigações e ações realizadas na Argentina permitiram saber que, através das fronteiras brasileiro-argentinas, entraram armas modernas e explosivos apreendidos em Buenos Aires”.

O CIE desconfiava que o líder montonero Mario Firmenich, do México, teria recrutado um grupo de jovens também exilados, que tinham sido treinados em países como Líbia e Cuba, para formar as TEIs (Tropas Especiais de Infantaria) e TEAs (Tropas Especiais de Agitação), braços operacionais da guerrilha. De volta aos países do Mercosul, sua missão seria reingressar em território argentino para derrubar o governo.

Para neutralizar o ataque, o Batalhão de Inteligência 601, centro militar de interrogatórios e torturas localizado nos arredores de Buenos Aires, pediu socorro aos agentes brasileiros e usou um infiltrado para desmantelar a operação. O CIE teria autorizado, inclusive, o ingresso de um comando argentino para a captura do casal Campiglia/Binstock no aeroporto. A queda do casal é parte do massacre à contraofensiva. Parte foi presa na fronteira, mas alguns conseguiram chegar a Buenos Aires, sendo detidos nas rodoviárias, em falsa operação de combate às drogas.

Em depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), em fevereiro deste ano, dois meses antes de ser assassinado, Malhães admitiu ações conjuntas com os argentinos. Disse que, ao ensiná-los técnicas de inteligência — como a montagem de um organograma das organizações, chamada no jargão da arapongagem de “aranha” —, contribuiu para que a ditadura argentina desmantelasse as organizações guerrilheiras.

– Ensinei a aranhazinha para eles. Eles acabaram com os montoneros, acabaram com a ERP (Exército Revolucionário do Povo), acabaram com tudo – contou à CEV.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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