Monteiro Lobato e o debate sobre racismo; por Marco Aurélio Dias

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
[email protected]

Monteiro Lobato, o racismo e a miscigenação brasileira

Do blog de Marco Aurélio Dias

 

 *** Monteiro Lobato e o Racismo

As denúncias de que Monteiro Lobato seria racista remontam ao tempo de suas lutas nacionalistas pelo petróleo brasileiro. Monteiro Lobato não era racista, mas os boatos o culpavam de achar que a miscigenação seria uma praga para desempenho social do Brasil. Lobato seria um eugenista? Defendia a tese de uma raça pura? Não! nâo tinha essa posição ideológica. Seu defeito era um nacionalismo ideológico quase extremista. Bom, aquele “bigodinho de vem cá meu puto” que ele usava, semelhante ao de Hitler, sempre foi esquisito. Mas, se era conta a miscigenação, nos contos infantis se retratou e miscigenou sua obra literária infantil (que, podemos dizer, seria o seu pensamento amadurecido) com o Saci, personagem folclórico da cultura indígena já miscigenado com a fama dos quilombolas. O folclorista Couto de Magalhães confirma essa miscigenação do Saci indígena com a cultura africana.

 

     *** A etnia e a miscigenação no Brasil

     A etnia tem uma força superior ao que possamos querer dentro de um idealismo social. A etnia se impõe e grupos se atraem por imposição da adaptação ao meio. Sabemos que a atração que os portugueses tinham pelas negras, principalmente no período pós-escravidão, era uma imposição da natureza para miscigenar e obter uma adaptação maior ao clima tropical do Brasil, e não simplesmente o que poderíamos chamar de tara sexual. E a miscigenação continua por esse imperativo biológico, miscigenar e adaptar. A miscigenação também ocorre por fatores sociais. Quando dentro de uma mesma sociedade um grupo se torna mais adaptável socialmente, atrai outro grupo que não está se adaptando satisfatoriamente. Muitos descendentes da antiga classe média, que se denominavam burgueses, acabaram sendo atraídos para as classes pobres emergentes, através da miscigenação. Só por meio da miscigenação cultural e genética é que aqueles herdeiros da antiga classe média decaída puderam se adaptar socialmente e crescer. Caso contrário ficariam isolados e sem expressão. Os próprios neandertais se perpetuaram em nossos genes pela miscigenação com os hommo sapiens. Miscigenação não é questão de querer ou não querer, quem quer é a natureza.

 

     *** O nacionalismo exacerbado de Monteiro Lobato, a crítica a Anita Malfatti e a Semana da Arte Moderna

     O que vemos em Monteiro Lobato é um nacionalismo exacerbado e esse nacionalismo lhe rendeu algumas opiniões impensadas e algumas inimizades desnecessárias, como no caso de suas críticas contra os quadros de Anita Malfatti,  que soaram mal no meio artístico e cujo antagonismo teve como resposta a famosa Semana da Arte Moderna de 1922. Para ele, o nacionalismo era fundamental e queria o Brasil fechado para todo tipo de importação de cultura. O mundo caminhou para a globalização das idéias e da informação. Evidentemente que ele via cubismo, surrealismo, dadaísmo, etc., como movimentos insuportáveis, pois tratavam-se da evolução cultural da Europa. Ele queria ver o Brasil produzindo seus próprios ismos. Basta saber que ele lutava ferrenhamente contra uma possível exploração do petróleo nacional por capital estrangeiro. Mas não era contra os movimentos artísticos, pois, sabidamente, era um caricaturista notável e suas paisagens em aquarela foram belamente pintadas.

 

     *** Monteiro Lobato e Jean Jacques Rousseau

     Voltando ao racismo, Lobato introduz Tia Nastácia, personagem negro, em seus contos, e ela tem uma função pedagógica perante crianças encarnadas em suas histórias, sem contar o rico folclore indígena e negro com que reveste seus contos, o que o livra de qualquer tipo de acusação de racismo. 

     Eu o comparo mais ou menos a Jean Jacques Rousseau com sua opinião ferrenha de que a volta do homem social ao estado de natureza seria a solução para acabar com os problemas da maldade política no meio social humano. Foi perseguido pela igreja por causa dessas idéias e de outras. Chegou a escrever sua obra infantil pedagógica, o Emílio, como um manual de educação para levar o ser humano próximo ao estilo de simplicidade do estado de natureza, erradicando, assim, o desejo de posses, a competição pelo poder e a decorrente maldade dessa luta. Não se trata simplesmente de educação. O homem primitivo, feroz, sem ética e sem lei permanece dentro de cada indivíduo como uma “sombra”, assumindo seu papel quando se sente ameaçado na luta pela sobrevivência. Jung e Freud estudaram esse aspecto da personalidade. O fato é que Rousseau sentia-se, por assim dizer, enojado com os adultos, assim como nós as vezes temos nojo da política. Semelhantemente a Rousseau, Monteiro Lobato coloca o seu nacionalismo na literatura infantil e descobre a fórmula pedagógica de influenciar as gerações futuras. Porém foi acusado de comunista por causa de suas publicações pedagógicas. A Igreja Católica se sentiu afrontada com as idéias pedagógicas de Monteiro Lobato, da mesma forma como arguiu que o pensamento pedagógico de Rousseau “atentava contra os bons costumes e a moral”. Terrível esta frase, detesto-a! Ela foi muito usada pelos militares do Golpe de 64. O padre Sales Brasil escreveu um texto onde insinuava que a literatura infantil de Monteiro Lobato seria comunismo para criança. Monteiro Lobato não poupava críticas e acabou sendo preso por causa delas.

 

     *** Monteiro Lobato, o Jeca Tatu e Rui Barbosa

     Monteiro Lobato, como muitos de nós, sentia-se desiludido com a política brasileira, e Rui Barbosa expressou essa desilusão naquelas palavras clássicas: “de tanto ver prosperar a injustiça…”, razão pela qual saiu em defesa de Monteiro Lobato quando repercutiu mal nos meios sociais a forma como ele generalizou no seu Jeca Tatu a indolência e a miséria do caipira. A intenção do escritor seria apenas chamar a atenção dos brasileiros e dos políticos para a injustiça social e o esquecimento em que vivia o homem do campo. Não localizou o caipira do seu Jeca Tatu e, por essa falha, classificou todos os caipiras brasileiros como indolentes. 

 

     *** O Brasil e o resgate social

     Monteiro Lobato imaginava um Brasil acelerado. Todavia, o Brasil tinha e tem um resgate social pendente. A escravidão deixou uma dívida social para as futuras gerações. Nem Getúlio Vargas, nem Fernando Henrique, nem Lula, nem Dilma conseguiram acabar com a injustiça social que faria o Brasil acelerar como era o gosto de Monteiro Lobato, e nenhum de nós sabe como resolver isso. Considero Lobato um grande brasileiro. Ele achava que a descoberta e a exploração do petróleo no Brasil resolveria os problemas da injustiça social. Mas a injustiça social brasileira está na própria injustiça e não no capital. A injustiça no Brasil chega a ser quase um arquétipo social, ela se impõe como se fosse uma qualidade, e estou falando tanto da corrupção dos grandes quanto dos maus costumes dos miseráveis. Herdamos a injustiça social e seus atributos de comportamento.

 

 

     *** Observação: Não sou crítico e nem analista, também não sei se estou certo ou se estou errado, apenas coloco a minha compreensão dentro das minhas limitações culturais. Senti-me provocado pelo Zanchetta em seu comentário ao meu artigo “O que Jung e Monteiro Lobato tinham de comum” a dar uma resposta; dei-a e a publico como novo artigo. 

 

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Trecho de Hans Staden que acho antológico sobre a questao

    (Nao tenho certeza absoluta se o livro é mesmo Hans STaden; acho que é). 

    Pedrinho pergunta a Dona Benta: vovó, qual é a raça superior? Ela responde: á a ariana, meu filho. Mas logo depois emenda: bom, pelo menos isso é o que dizem os historiadores, que sao todos arianos. E conta a Pedrinho uma fábula em que um leao passa por uma cidade e vê uma estátua em que caçadores matam um leao. Muito diferente seria essa estátua, pensa o leao, se os leoes fossem escultores… 

    Eu considero isso luta contra o racismo, e nao manifestaçao de racismo… 

     

    1. Antes de dizer asneiras, Dona

      Antes de dizer asneiras, Dona Anarquista, vá ler um pouco mais e informar-se um pouco melhor. Comece pela leitura de O Presidente Negro e informe-se também das cartas que Monteiro Lobato trocava com seus amigos eugenistas sobre a necessidade do Brasil ter a sua Klu Klux Klan. Ele era racista assumido… e não existe contexto de época que possa mudar isso. Gosta dele? O tem como um velhinho fofo amigos das crianças? É seu direito… Mas não venha aqui por absoluta ignorância comentar o que não sabe. 

  2. “Sabemos que a atração que os

    “Sabemos que a atração que os portugueses tinham pelas negras, principalmente no período pós-escravidão, era uma imposição da natureza para miscigenar e obter uma adaptação maior ao clima tropical do Brasil, e não simplesmente o que poderíamos chamar de tara sexual.”

    Sabemos quem? Quem afirma? Foi mesmo maior o contato entre europeus e africanos após a escravidão? Quem diz isso? Com base em que dados?

    Ora, por favor, os portugueses tinham suas mulheres européias bem resguardadas na Casa-Grande de onde seria parida a verdadeira “sociedade”. O esquema escravocrata não é diferente em nenhum lugar. Ingleses, especialmente na Jamaica, holandeses, castelhanos, franceses, todos ESTUPRARAM meninas de não mais de 14 anos (vá ler Freyre) E você sabe o que acontecia com a menina escrava? Era desfigurada com ferro quente de marcar boi pela sinhazinha ciumenta. A criança recém-nascida vendida no mercado. Taí a “bela miscigenação” brasileira. Deu vontade de tocar o hino, hastear a bandeira, cantar com a mão no peito?

    Imposição da natura, é mermo? Tem alguma coisa que ver com “a culpa dos estupros é da vítima”? 

    Não adianta, as coisas não vão melhorar enquanto esse mito cínico, hipócrita continuar a ser vomitado aos borbotões.

  3. Monteiro Lobato racista

    querer julgarMonteiro Lobato de 1930=1940 como racista, à luz do Século XXI é falta do que fazer. Imagine se ele tivesse colocado Tia Nastácia como CEO da Coca Cola, o sací  pererê como Prefeito da Lobatlândia, e dona Benta como arrumadeira.   Teria sentido?  Ou seria ficção científica? Como no “Presidente Negro”. 

  4. Por falar nisso,

    Li recentemente a peça ” O mercador de veneza” de Shakespeare.

    Em diversos pontos da peça, como na qual um príncipe das terras marroquinas acaba por errar o cofre e perde a mão da princesa, está última emenda.. “que nehum da tua cor tenha êxito…” e o próprio antissemitismo explícito d apeça incomoda..

    Quero antecipadamente dizer que não estou chamando Shakespeare de racista, e não sou alguém preparado para criticar um homem de três seculos atrás.. Mas gostaria de entender um pouco o que se passa.. Alguém saberia discorrer sobre esses temas históricos literários? Tamára? Anarquista?

    1. “Alguém saberia discorrer

      “Alguém saberia discorrer sobre esses temas históricos literários? Tamára? Anarquista?”:

      Nao, so eu.  Nao existe arquetipo vestido em roupagens de outra epoca que sejam reais.  Sao todos imaginarios.  O arquetipo de Tia Anastasia, por exemplo, nunca me comunicou qualquer coisa parecida com racismo, era o arquetipo que ele decidiu colocar nos livros do Sitio, so isso -e eu sei disso porque li todos os livros infantis dele, varias vezes.

      Shakespeare morava em uma sociedade onde todo mundo era igualzinho, exceto pela nobreza, que era “mais igual”.  Nao eh grande esforco imaginar que religiao alheia, raca alheia, cor de pele alheia, defeito fisico alheio, teriam sido usados como viloes narrativos, eh ate “natural”.  Como viloes em uma narrativa, friso bem isso.

      Que eu saiba, as narrativas onde os viloes eram “todos iguais” comecaram com “Them” de John Carpenter, um filmasso de terror.  Na literatura?  Nao sei, eu so leio ficcao cientifica, mas vou apostar em “Animal Farm” de Orwell  (pessimo escritor).

      Interessantissimo texto sobre a genesis psicologica do livro no wiki:

      http://en.wikipedia.org/wiki/George_Orwell#World_War_II_and_Animal_Farm

      Ele estava num mundo onde todos os iguais eram inferiores, porem iguaizinhos entre si -ate mesmo ele, que foi declarado “inapto” para servico militar na guerra.  Tem mais no texto sobre a “causalidade” psicologica, perfeitamente aterrorizante tambem.

      O “racismo” de Lobato ou Shakespeare ou Kardec nao me interessaria em nada:  o assunto eh velho demais pra mim!

  5. Monteiro Lobato era eugenista

    O único romance de Monteiro Lobato – “O Presidente Negro” (1926) – faz uma defesa aberta da eugenia, que nada mais é que a pseudo ciência em que se baseou o nazismo para promover o holocausto contra os judeus, mas também era, diga-se de passagem, muito popular nos EUA (sendo definitivamente proscrita e considerada como uma forma de “racismo científico” apenas no pós 2a Grande Guerra). Se isso não é ser racista, realmente não sei o que é. Certamente Lobato era um homem de seu tempo, o que não invalida o valor de toda a sua obra, mas não justifica que ainda hoje se negue que o autor era abertamente racista. Recomendo a leitura deste romance para tirarem suas conclusões.

  6. Como assim, “denúncia de que

    Como assim, “denúncia de que ele seria racista”? Ele era racista declarado, defendia que o Brasil tivesse a sua Klu Klux Klan abertamente, em cartas aos amigos. Seu romance O Presidente Negro, uma das piores coisas já escritas na língua portuguesa, tanto que foi seu único livro publicado não infantil, é uma ode à raça branca que, no seu final, acaba exterminando (nos Estados Unidos) a raça negra. Que fique claro… não existe polêmica alguma se ele era, ou não, racista.  Era e ponto final. E quem ainda tiver estômago para defendê-lo com a argumentação de que o contexto em que ele viveu é diferente de hoje, então que comece um movimento para reabilitar Hitler – eugenista como ele e que levou às últimas consequência o que Monteiro Lobato defendia. 

  7. Monteiro Lobato era racista,
    Monteiro Lobato era racista, ou melhor, possuía ideias que concebiam o negro como inferior, atrasado, supersticioso, dono de um saber não – cientifico, em comparação com o branco moderno, racional, detentor do saber cientifico, válido, entre outras coisas? Para responder isso não é preciso ler o Presidente Negro, Sitio do Pica Pau Amarelo mesmo serve, basta olhar que figuras, e estereótipos, encarnam os personagens brancos e os negros e se tem uma resposta no mínimo satisfatória.
    Agora tosco mesmo é esse segundo parágrafo, dissertando sobre o imperativo biológico evolutivo que fazia os brancos desejarem as mulheres negras, vejamos um trecho:
    “ Sabemos que a atração que os portugueses tinham pelas negras, principalmente no período pós-escravidão, era uma imposição da natureza para miscigenar e obter uma adaptação maior ao clima tropical do Brasil, e não simplesmente o que poderíamos chamar de tara sexual. E a miscigenação continua por esse imperativo biológico, miscigenar e adaptar.”
    Ora, ora, eis ai uma bizarrice das boas, não basta dar tal “conhecimento” como fato notório, é necessário fundamenta-lo em uma base cientifica, só que não!
    Por passe de mágica os senhores utilizavam os corpos escravizados, logo despossuídos de autonomia, como fonte de prazer para si, uma vez que às esposas, noivas e filhas era vedado tal direito, e a moralidade da época tão pouco permitia, não por que a estes era dado tal poder, mais sim por uma necessidade evolutiva, ciência amigos, ciência!
    Bem se a pós-escravidão, não aboliu uma centenas de práticas no mínimo condenáveis, como espancar e mutilar um negro amarrado em um poste, quem dirá a pratica de tomar posse dos corpos das “mulheres públicas” que eram as negras recém-libertas, afinal não mais propriedade de ninguém, nem possuíam “nome”, enfim, há quem veja poesia nisso, eu não.

  8. Lobato era racista!
    Negar o

    Lobato era racista!

    Negar o fato de que Lobato era/é um notório racista é, sobretudo, cegueiira intelectual e ética.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador