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Lourdes Nassif
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      1. um artigo “Audrey Hepburn desafia a enganosa elegância”

        (esse artigo não é uma resenha, mas uma das análises de comportamento do colunista Marcelo Coelho, da FSP, 1996)

        Está em cartaz no Cinesesc o filme “Bonequinha de Luxo”, com Audrey Hepburn no papel principal. Senhores, aquilo é uma covardia, um arraso. É um filme para se ver sozinho, solteiro. Havia muitas moças bonitas na sessão. Coitadas! Por mais bonitas que fossem, saíam do cinema reduzidas a pó, tal a beleza de Audrey Hepburn.

        A atriz está irresistível, maravilhosa, sobrenatural nesse filme de Blake Edwards. A cena dela tocando violão, sonhadora e simples, na escada de emergência do prédio nova-iorquino onde mora, é daquelas coisas absolutamente apaixonantes que o cinema faz de vez em quando.

        Eu já tinha visto o filme várias vezes na televisão. Esse filme, vá lá, era um cult para mim. Pouco importa. Talvez seja melhor vê-lo agora, no cinema, pela primeira vez. Para mim, já sabedor das melancolias e estranhezas do enredo, o interesse e a emoção diminuíram.

        Ficou apenas Audrey Hepburn. Tento analisar sua atuação.

        O primeiro ponto a ressaltar não é propriamente a beleza do rosto, e sim a elegância das suas roupas. É notório que ela usava vestidos de Givenchy. Muito bem. O que isso significa, para quem vive na década de 90, sendo que o filme é dos anos 60?

        Significa uma proeza extraordinária e uma conclusão das mais óbvias: a elegância, aquilo que é realmente elegante, nunca passa de moda. As roupas de Audrey Hepburn são tão perfeitas, tão adequadas em 1960 como seriam hoje.

        Sem entender nada do assunto, arrisco alguns raciocínios. Os vestidos de Audrey Hepburn, no filme, eram “clássicos”: pretinhos, calças compridas bem-comportadas, blusas largas com gola rolê, vestidos justos, sem pretensão.

        Ou seja, aquilo que qualquer menina de hoje pode vestir. Desconfio que, dos anos 60 para cá, ocorreu uma espécie de perversão da elegância feminina.

        Holly Golightly, a personagem vivida por Audrey Hepburn no filme, era totalmente excêntrica e imprevisível, perversa até, nas suas falas e atitudes. A roupa dela era chiquíssima, sua cabeça completamente maluquete.

        O que ocorre hoje em dia? É como se os papéis estivessem trocados. Os desfiles de moda mostram roupas malucas, usadas por top-models completamente sem sal.

        A idéia de “elegância” sofreu uma inversão dos anos 60 para cá. No filme, temos um doidinha usando roupas clássicas; hoje em dia, belezas espantosas e tolas usam roupas doidas nos desfiles.

        A originalidade, esse atributo pessoal de cada um, tornou-se atributo dos costureiros, que inventam roupas estrambóticas para a banalidade perfeita de Cindy Crawford; enquanto a moda clássica de Givenchy caía perfeitamente bem na maluquice de Audrey Hepburn.

        É o próprio sentido da “elegância” que parece ter mudado. “Elegante”, antigamente, significava “adequação”. O charme era algo que vinha por acréscimo, como força pessoal de ruptura, em contraste com a disciplina exterior das roupas.

        Hoje em dia, as próprias roupas se encarregam do fator “ruptura”. A elegância pessoal conta pouco, desde que a mulher apareça dentro de um vestido originalíssimo, esquisito, demente. A moda passou a atribuir para si mesma a originalidade que antes cabia a cada mulher desempenhar.

        Mas não tanto assim. Vendo os desfiles de moda, todos percebemos que aquelas roupas não estão ali para serem usadas; são apenas marcas registradas, afirmações da grife.

        Em consequência, qual a função desses desfiles, das propagandas de moda? Afirmam simplesmente uma originalidade, uma excentricidade na ordem do imaginário. Pois a moça que depois de ver um desfile da Zoomp ou da Ellus, cheio de maluquices, quando entra na loja procura apenas uma calça jeans, uma camiseta normal. Muito mais cara, todavia, pois carrega na marca uma aura de contestação e charme, produzida nos desfiles de vanguarda, irrealizável na vida cotidiana.

        Veste-se a roupa de grife no álibi de contestação e de originalidade proposto nos desfiles, na publicidade, no outdoor que mal revela a roupa, e sim cria “situações”_- a bela mulher perdida no metrô, o rapaz seminu fumando um cigarro. Nos anúncios de moda, a roupa é o que há de mais supérfluo, o que importa é “o estilo de vida”.

        Audrey Hepburn diz a mesma coisa, numa estratégia contrária. Não põe nas roupas a originalidade que ela própria é capaz de encarnar. Clássico e imutável fetiche, é original e maluca na psicologia de sua personagem, não nas roupas que usa.

        Estamos diante de dois modelos de falsidade feminina: a da garota doidivanas, vestida classicamente, e a do travesti moderno, espalhafatoso e louco nos adereços e plumas. As top-models seguem o modelo travesti. Audrey seguia um modelo mais “garoto”, sem curvas, adolescente, quietinho.

        Nos dois modelos, o que se vê é o triunfo da imagem gay sobre o sexo feminino. É o público gay que curte, alternadamente, o espalhafato de uma Carmen Miranda e a elegância de Audrey Hepburn, a generosidade de Marilyn Monroe e os rigores do perfil de Greta Garbo.

        Ninguém adora tanto as mulheres quanto o público gay. O heterossexual comum gostaria de pôr as patas em Marilyn, de seduzir Rita Hayworth, mas está em minoria. A imagem da sedução feminina, a aura da elegância, o charme do sexo, foram hoje em dia monopolizados pela ótica homossexual. Eles entendem mais de mulheres do que o macho ordinário.

        Tudo que for elegância, beleza e charme nas telas de Hollywood responde, automaticamente, a um ideal de feminilidade inatingível, a um delírio de desejo, a uma força imaginária, de que o heterossexual comum é incapaz; falar de mulheres no cinema virou assunto gay.

        Imagino que isso tenha começado com Audrey Hepburn, beleza sem opulência, restrita nos tailleurs e pretinhos de Givenchy. Nunca uma mulher foi tão bonita, nem tão incompreensível, tão afastada do comum dos homens como Audrey Hepburn. É como um anjo, acima das classes e dos sexos, a imagem que aparece para nós cantando “Moon River”. Espiritualiza o desejo, transforma-o de pura cobiça em admiração desmunhecada.

        De modo que o máximo da feminilidade transforma todo machão em militante gay, o máximo de elegância transforma todo desfile em farsa, o máximo de originalidade pessoal transforma toda roupa excêntrica em pura palhaçada. São estes os milagres que Audrey Hepburn discute em “Bonequinha de Luxo”. O filme é um marco na sensibilidade contemporânea_ onde se é ousado por timidez, onde se é original por força da banalidade.

        Holly Golightly nos ensina a ser livres, custe o que custar. Ou melhor: que custe tudo, menos a classe, a elegância: formas de disciplina exterior, para inglês ver, que justamente todo o movimento libertário dos anos 60, contemporâneo a um filme tão água-com-açúcar e convencional, empenhava-se em destruir. Esse movimento foi derrotado; fiava-se em contestar as aparências. “Bonequinha de Luxo” mostra a sorte de quem contestava os conteúdos, presa nas restrições de Givenchy. Não é o pior dos destinos, desde que Hollywood promova o mais lindo, o mais lacrimejante dos happy ends, como é o caso desse filme inesquecível.

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  1. É hora de reforçarmos o apoio ao Governo Dilma

    Evento maravilhoso, ontem a noite na Cinelândia no RJ, em apoio a Reforma Política

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