Mundo novo, teorias velhas, por Luiz Carlos Mendonça de Barros

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

Mundo novo, teorias velhas

Por Luiz Carlos Mendonça de Barros

A edição de 4 de outubro passado da revista “The Economist” traz um encarte de várias páginas com reflexões sobre um novo mercado de trabalho que estaria se formando nas economias do mundo. Ainda com mais traços especulativos do que certezas comprovadas, o desenho que se apresenta ao leitor atento e de mente aberta é muito interessante e desafiador.

Como sempre acontece em mudanças estruturais fortes, que atingem a humanidade de tempos em tempos, a matéria especula sobre quem serão os eventuais ganhadores e perdedores desta vez. Tendo como pano de fundo a comparação com outras mudanças que ocorreram no passado, o centro da matéria é a revolução tecnológica dos últimos anos no domínio da eletrônica e das comunicações via ondas de rádio.

Uma das questões realmente intrigantes da matéria é a parte na qual se constrói um novo “divided” no mercado de trabalho em resposta a essas mudanças. Em resumo, o que se deprende da leitura é que o fosso entre a remuneração dos trabalhadores com qualificação e os sem formação adequada vem aumentando rapidamente nos últimos anos.

Além disto, um novo elemento do lado da oferta de trabalho não qualificada – os robôs – vem ganhando força e limitando os ganhos salariais dos trabalhadores sem uma qualificação adequada. Estas máquinas, que combinam a eletrônica com movimentos mecânicos, já existem há muito tempo, mas o desenvolvimento dos chamados “sensores” está dando aos robôs modernos uma dimensão totalmente nova.

Estes sensores, com uma micro eletrônica de extraordinária capacidade de reação a mudanças de padrões, estão deixando a geração mais antiga destes homens mecânicos muito para trás. Os atuais, com sensores de última geração, desenvolveram características quase humanas e têm hoje a capacidade de sentir mudanças sutis, de cheirar, de enxergar e de enviar comandos para a área de produção.

A matéria da “The Economist”, na segunda parte, volta suas reflexões para os efeitos destas mudanças sobre o mercado de trabalho. Basicamente as conclusões que podemos chegar de sua leitura são duas:

– essa nova geração de robôs vai intensificar a substituição da mão de obra de baixa qualificação ao mudar as fronteiras entre o trabalhador qualificado e o sem as qualificações necessárias para entrar no novo mercado de trabalho;

– por isto, as condições de salário e emprego no segmento dos trabalhadores sem qualificação vão se deteriorar, com salários reais mais baixos e taxas de desemprego mais elevadas. Esse movimento será mais grave nos países emergentes, que usavam a disponibilidade de mão de obra barata para entrar nos mercados dos países mais ricos.

Um dos antídotos contra esse movimento secular de piores condições do mercado de trabalho, será a criação de novos postos de trabalhos em setores que não exijam esta nova super-qualificação profissional. Um exemplo deste movimento eu vivenciei na China, ao ler em um diário de Pequim um anúncio da “Starbucks”, que inaugurava naquele dia 100 lojas no país.

O outro movimento secular que atinge hoje o mundo desenvolvido e alguns dos países emergentes – a redução no crescimento populacional – agirá também no sentido de minorar os efeitos destas mudanças. Com menor crescimento da população haverá uma redução na oferta de mão de obra não qualificada, o que deve facilitar o reequilíbrio do mercado de trabalho.

Volto agora ao domínio das finanças, depois desta visita ao futuro do mercado de trabalho. A maioria dos analistas de conjuntura não incorporam mudanças estruturais como esta, que ocorrem no domínio da economia, às suas leituras. E estão certos em agir assim, pois trabalham com um horizonte de tempo curto demais para levar em conta o longo prazo. Por isto, quando o longo prazo chega e passa a afetar o mundo financeiro, os erros de previsão podem ser grandes.

Como agora, com a aposta de 90% do mercado – cifra de uma pesquisa recentíssima do “Financial Times” – de que com os juros baixos nos Estados Unidos a inflação de salários iria voltar e o Fed teria que mudar sua política de juros mais cedo do que suas previsões. Nada disto ocorreu, pois mesmo com a economia americana voltando a crescer perto do potencial, os salários médios continuam bem comportados. Talvez os Estados Unidos estejam vivendo já a nova dinâmica que foi citada na matéria da “The Economist”. Mas, certamente, enquanto isto não é provado o Fed não vai ter pressa para aumentar o rigor de sua política monetária. Prefere errar, no sentido de que este novo mercado de trabalho não existe ainda, e correr atrás do prejuízo de uma inflação de salários revivida.

Finalmente, gostaria de ligar a matéria da “Economist” à questão do chamado bônus populacional e seus efeitos no futuro, quando a população brasileira terá envelhecido. Alguns economistas já gastaram muita tinta prevendo o fim dos tempos em 2025 quando o bônus populacional de hoje tiver acabado. Talvez devam repensar suas previsões de muitas dificuldades e ver isto como um mecanismo compensatório do nível de emprego menor no futuro.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Aliás, em muitos segmentos,

    Aliás, em muitos segmentos, ditos de prestação de serviços, os robôs já tomaram conta: telemarquetingue, por exemplo.

  2. Universalização trabalho e renda.

    A medida que se intensifica o papel dos robôs na geração de bens e serviços, com certeza novos paradigmas deverão dominar a cena socioeconômica. Interessante nos pareceu uma possibilidade expressa no texto que segue:

    O Poder dos Programas de Renda Educacional  Incondicionados e Condicionados Usados Concatenados para Universalizar Trabalho e Renda.

     

    Uma Renda Básica Universal (RBU) é uma renda incondicional paga a todos, individualmente, independente de situação econômica ou exigência de contraprestação de trabalho. Sítios da BIEN (Basic Income Earth Network) e da USBIG (United States Basic Income Guarantee) discutem o tema amplamente. Na WIKIPEDIA o tema e correlatos também são expostos. Esse importante Programa, usado conjuntamente e concatenado com  um Renda Básica Universal Educacional (RBUE),condicionada à autoeducação continuada, poderá nos oportunizar implementar uma adequada distribuição de renda, talvez a nível mundial, aliviando muitos problemas sociais crônicos relacionados à pobreza e desemprego, entre outros. Um programa tipo (RBUE)  que exige como contrapartida que os recipientes elevem o seu status educacional, envolvendo-se no duro trabalho de autoeducação continuada, onde os participantes do programa trabalham como produtores de um bem valioso que é o Capital Humano. Assim, até  21 anos de idade todos teriam acesso a uma Renda Básica Universal(RBU), de natureza incondicionada e após essa idade , usualmente dedicada à aquisição de nossas bases educacionais, se disponibilizaria, como opção, àqueles não envolvidos no mercado de trabalho usual, um programa de Renda Básica Universal Educacional(RBUE). Esses sistemas de Renda Educacionais(RE), podem vir a ser também importantes ferramentas para abordar problemas socioeconômicos como movimentos migratórios, talvez financiando esses sistemas nas regiões de origem dos migrantes, para universalizar  trabalho e renda em prisões e a seus egressos  e zerar o desemprego, ou falta de trabalho e renda de uma forma abrangente. Isto poderia ser conseguido a baixo custo, se comparado com os investimentos necessários para a criação dos empregos usuais, utilizando-se para tanto a miríade de cursos disponíveis e administrados via tecnologia da informação.

    Pontos cruciais desses programas são 1) Pagamento individualizado, mesmo para crianças, em dinheiro( cartão magnético), pois isso assegura cidadania econômica desde o nascimento. Por certo, para crianças a administração dos recursos será exercida pelos pais ou responsáveis legais. 2)Cursos e disciplinas devem ser em nível do mais elementar até avançado, de natureza geral , técnicos e de cunho prático. Assim interessados  com as mais diferentes bases culturais e intelectuais poderão participar.3)A verificação de um rendimento mínimo adequado deve ser sempre feita,  pelo desenvolvimento de cabines indevassáveis, para os testes. Essas cabines à prova de fraude são tecnicamente factíveis e poderiam ser úteis, também ao sistema escolar e acadêmico usuais, pois retirariam do professor o ônus do estresse ligado à aplicação de provas e também avaliaria a qualidade do serviço educacional prestado de forma isenta.4)Pagas diferenciadas para níveis do programa com graus de dificuldade maior ou menor , como estímulo ao progresso cultural e intelectual dos participantes.

     

    Mais  detalhes e possibilidades  para programas de Renda Básica Universal Educacional, vide  outros  tópicos relacionados nesse  blog (poutpoury.com).

     

  3. Ludd e Marx

    Espero que não venham os luddistas. rs

    Lembrando Marx e a formação do capital: “Quando as condições técnicas do processo de trabalho evoluem e demandam menos meios de produção e força de trabalho, altera-se apenas a proporção em que o capital total se decompõe em componentes constantes e variáveis, mas não altera a diferença entre os dois.”

    http://marxistaufc.blogspot.com.br/2011/06/cap-iv-capital-constante-e-capital.html

     

  4. Nada de tão novo assim. É só

    Nada de tão novo assim. É só mais uma vaga de concenntração brutal de renda e riqueza  tal qual Piketty demonstrou que está por trás da tal mudança “estrutural” no mercado de trabalho. Com isso alguns grupos intermediários de gerentes e diretores do capital amealham algumas migalhas maiores. Emprendedorismo e qualificação sao meros discursos legitimadores.

    A proletarização do trabalho atinge hoje limites jamais vistos; em escala mundial. Paralelamente as tecnologias que dispensam mão de obra também: jamais houve tanta oferta da “mercadoria” força de trabalho mal alocada, portanto.

    O que se vê na Europa hoje é o que já vimos aqui na década de 90: psicólogo trabalhando em tele marketing; administrador em loja de shopping; engenheiro dirigindo taxi, etc., etc… E olhe lá!

    Enquanto isso a ideologia da moda propaga que eles não “souberam” “inventar” novos empregos….

  5. o óciocriativo de domenico

    o óciocriativo de domenico damasié interesssate.

    ele até elogiou  o brasil como um dos que podem

    exercer uma nova cultura para incluir mais gente no mundo.

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