Na pós-verdade, a economia também oscila entre o fato e a versão, por Marcio Pochmann

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Da Rede Brasil Atual

Na era da pós-verdade, a economia também oscila entre o fato e a versão
 
por Marcio Pochmann
 
Estaria em curso um novo espaço de retomada, segundo o ministro Meirelles. Mas isso não significa superação da recessão. Apesar dos discursos alinhados a ele, a realidade caminha para a estagnação
 
A discussão a respeito da situação econômica atual no Brasil tem sido no mínimo excêntrica, pois parece resultar de certa confusão que se generaliza, muitas vezes, da inadequada interpelação do fato (a realidade econômica) por versões (narrativas) produzidas nas distintas análises sobre a realidade. Sobre a recessão econômica (o fato), por exemplo, não tem havido, em geral, maiores discordâncias entre analistas.
 
Entretanto, quando se trata de narrativas sobre a recessão, bem como sua possível superação, tende a predominar intensa controvérsia. De certa forma, a manifestação ideológica de um discurso que tende a expressar diferenças significativas entre análises de personagens distintos, como no caso do político e do técnico, conforme ensinou Max Weber. Enquanto o primeiro estaria mais comprometido com o convencimento de outros (independente de sua versão ser a verdadeira), o segundo preocupar-se-ia mais com a verdade (independente do convencimento de outros).
 
Isso tem sido bem presente desde 2015, quando a recessão econômica se tornou inegável. Nas palavras do ministro Joaquim Levy, na Fazenda – condutor da inflexão econômica mais acentuada desde a última recessão do governo Collor (1990-1992) –, a recuperação econômica, por exemplo, não deixaria de se tornar rapidamente realidade a partir do final do primeiro semestre de 2015.
 
Após 11 meses no cargo de ministro da Fazenda, a queda no nível da produção no país havia se aproximado de 4%. Com a ascensão de Nelson Barbosa na condição de sucessor de Levy no ministério da Fazenda do segundo mandato da presidente Dilma, idêntica retórica da recuperação do nível de atividade foi estabelecida enquanto promessa para o final do primeiro semestre de 2016.
 
Na arbitrariedade e virulência golpista que impediu o mandato da presidente Dilma, o ministro Barbosa deixou o cargo quase cinco meses após assumir sem constatar no horizonte próximo do ano de 2016, todavia, sinais da almejada recuperação econômica. Com a instalação de Temer no governo federal, Henrique Meirelles assumiu a condição de ministro da Fazenda repisando idêntico compromisso de rapidamente fazer com que a economia brasileira voltasse a crescer ainda em 2016.
 
Desde o final do segundo ano de extensão recessiva, que possivelmente cravou em 2016 uma queda ainda mais acentuada do que em 2015 no nível de produção, o debate sobre a recuperação econômica voltou novamente à tona. Os economistas alinhados com a política econômica do governo Temer têm sido incisivos na difusão de análises que negariam um terceiro ano de recessão na economia brasileira.
 
Isso porque neste primeiro trimestre de 2017, a recessão não apenas estaria estancada, como estaria em curso um novo espaço de expansão para a economia nacional, segundo ministro Meirelles. Não se pode dispensar, evidentemente, a possibilidade de este ano haver alguma variação ligeiramente positiva do PIB.
 
Mas isso não significa necessariamente a simples superação da recessão atual. Conforme experimentado nas duas grandes recessões ocorridas no início dos anos de 1980 e de 1990, o registro de variação positiva no PIB em um determinado ano não afasta a possibilidade de se concretizar uma nova queda no nível de atividade, como se verificou em 1982 e 1991.
 
Ademais, sem registrar sinais consistentes de sustentação de uma recuperação pelo setor externo, gasto público e investimento interno e estrangeiro, o mais provável seria a condição de estagnação da economia brasileira. Isso seria a evolução da realidade, embora o discurso dos alinhados com o neoliberalismo busque firmar o contrário, formulando retoricamente um cenário positivo.
 
Márcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

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Redação

9 Comentários

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  1. Falta economista com coragem neste país.

    Os economistas deste país não possuem coragem para levar o Brasil ao capitalismo.

    E não adianta falar que não participa do governo pois todos estão nos mesmos círculos de poder.

  2. Vocês perdem tempo demais

    Vocês perdem tempo demais analisando o que não precisa ser analisado: Meirelles não está no cargo para “recuperar” a economia brasileira, ele está no cargo para desviar todos os recursos do país para o mercado financeiro (juros) e dane-se as aparências.

  3. até delírio esquizofrenico cedo ou tarde bate na realidade

    Professor,

    Sou admistrador, portanto meus conhecimentos de economia são limitados e aplicados à tentativa de entender cenários para tomada de decisão. Tenho argumentado, em vão, com meus pares, sobre as reformas em curso e sobre os efeitos deletérios inerentes ao modelo econômico em curso.

    Por outro lado, acredito que apesar da desfaçatez das autoridades econômicas, cedo ou tarde a realidade da economia e dos negócios irá forçar uma revisão. Então, acredito que veremos duas situações onde, a par de comprovados nossos argumentos, o mal estará feito. Vitória de Pirro. Levará anos para repor o que foi e será perdido até lá e haverá perdas que nunca serão recuperadas.

    Eu não consigo entender como pessoas com formação humanística, como suponho serem os economistas, possam dissociar suas ações dos efeitos que fazem nas pessoas. Desemprego mata, como mata uma arma. Isso não é retórica, é fato.

    Não acredito que tal circunstância seja ignorada pelos economistas, qualquer acadêmico de Economia sabe. Reduzir emprego e renda em meio a uma população mata. Famílias se desfazem, pessoas perdem oportunidades e vidas são afetadas em seu potencial ou simplesmente destruídas. O aumento da miséria está conectado com o aumento da inseguranca, da queda na produtividade da economia, do consumo e da falência de empresas e postos de trabalho. Os recursos que poderiam ser conduzidos a poupança e ao investimento produtivo, em infraestrutura, saneamento, efucação e saúde são drenados para cobrir os custos do desequilibrio, aprofundando a crise e matando mais gente.

    Esse modelo é uma arma de destruição em massa e é manejada não somente com desenvoltura e prepotência, mas os economistas a manejam com orgulho, sem o menor traço de consciência.

     

       

    Há pessoas que morrem de doenças causadas ou agravadas pel

     

  4. Recuperação? Nem no discurso!

    Recuperação?

    Como se os gatos publicos incluindo os primarios podem aumentar em 2017 antes de serem cortados pela PEC 55 em 2018?

    Como se o corte de gastos primarios impostos pela PEC 55 em si irão diminuir a demanda agregada e proibir novos investimentos?

    Como se a taxa de juros real esta aumentando de 5,5 para 7,5%?

    Como se o BNDS foi descapitalizado em R$ 100bi e a PEC55 ira impedir novos gastos em investimentos pois o novo orçamento devera realocar recursos para todas as demais rubricas? 

    Como se o governo propoe a troca da TJLP que remunera os investimentos do BNDS para SELIC decretando assim o fim do BNDS como bando de fomento?

    Como sem a possibilidade de politica anti-ciclica durnte 20 anos?

    Como se o desmantelamento das cadeia de oleo e gas aliado a extinsão da politica de conteudo nacional exporta milhares de empregos para as petroleiras no exterior?

    Como se a venda (leia-se pilhagem)  dos ativos nacionais a preços baixos trará dolares em quantidade suficiente para que as cotações da moeda despenquem apreciando o cambio e destruindo a competividade da industria nacional?

    Como se as empresas nacionais nao são chamadas a participarem dos leiloes da Petrobras em beneficio das extrangeiras muitas delas envolvidas em corrupção da mesma forma que as nacionais?

    Como se a procuradoria agora avança sobre as grandes enpresas atraves de acordos internacionaos de colaboração sem nenhum plano de manter os empregos dessas empresas?

     

  5. Senhores, senhores

    Senhores, senhores debatedores, não percamos tempo para falar sobre “economistas”.

    Esses são “profissionais”, ou melhor, serviçais de outrem.

    Ressalvas apenas para alguns que , conquanto obtiveram o “título” , são  mais filósofos, pensadores  que economistas;  como é o caso do r. Pochmann, ou de , por exemplo, mudando o que precisa ser mudado,  um Gianetti da vida( para não dizer que estou defendendo apenas uma corrente “ideológica”).

    Todavia, a grande maioria não passa de serviçal.

    A propósito, é bom lembrar que a Economia “é” política e não política econômica.

    De qualquer forma,  o melhor a fazer, na minha opinião, é ouvir o sujeito que se diz “economista”, analisar com cuidado e critério seus argumentos, sopesá-los com o  nosso ESTADO DEMOCRÁTICO E DE DIREITO para  só então emitir algum juizo de valor.

    Agindo-se assim você perceberá o quão sofistas são a grande maioria destes serviçais: “economistas de escol e de meia tigela”!

    Mas isso não me parece ser o caso do texto acima.. 

    Isso porque, Márcio Pochmann é um cara ponderado, criterioso e estudioso. Sabe o que fala. Embasa seus argumentos de forma clara. 

    Fortalece suas premissas para ao depois chegar a uma conclusão bastande razoável.

    Portando, merece nossos aplausos.

    Saudações 

     

     

     

  6. Marcio Pochmann, quando

    Marcio Pochmann, quando presidente do IPEA, classificava como de classe media famílias com renda de 18 mil reais por ano.

     

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