“Não é possível que o julgador seja o investigador”, diz advogado sobre Sergio Moro

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – “[Sergio Moro] se deixou levar por um lado ainda no domínio das investigações de natureza inquisitorial. O processo penal se inicia depois de oferecida e recebida a denúncia. Não pode ser instrumento de opressão judicial – é a diferença entre ditaduras e democracias”, afirmou o criminalista Nabor Bulhões, advogado de Marcelo Odebrecht na Lava Jato.
 
Para o advogado, os instrumentos utilizados pelo juiz da Vara Federal de Curitiba não resguardam “direitos e garantias constitucionais”, além de atuar como um investigador e não julgador. “Isso me lembra o Alan Dershowitz, professor de Harvard, que costuma dizer: ‘Se você quer escapar da prisão nos EUA, incrimine alguém mais importante que você'”, exemplificou, em entrevista à Folha.
 
Quando o repórter do jornal questionou a Nabor se a sociedade estaria errada em aplaudir “de maneira frenética a lei”, o advogado respondeu que não devemos “nos pautar pela manifestação da opinião pública”. “Se fosse assim, teríamos instituído a pena de morte, linchamento, a turba”, completou.
 
Leia a entrevista completa:
 

Folha – Por que o sr. assinou carta de advogados acusando a Lava Jato semana passada?
Nabor Bulhões – A carta não é contra as instituições judiciárias brasileiras, mas contra abusos ocorridos no âmbito da operação. As instâncias superiores brasileiras ainda não se debruçaram por inteiro sobre esses vícios e abusos. Eles ocorrem predominantemente na origem, na condução da ação penal em primeira instância, tendo à frente os procuradores que integram a chamada força-tarefa. É uma manifestação de advogados, professores e juristas preocupados em garantir a higidez do sistema.

A força-tarefa diz que dos mais de 300 recursos impetrados pela defesa, pouco mais de uma dezena teve sucesso, o que mostraria que suas decisões são corretas.
A contabilidade é mistificadora. Diz respeito a elementos meramente incidentais das ações penais. As questões cruciais sobre competência do juiz, a isenção dele, também não passaram pelo crivo das instâncias superiores. Há questionamentos relevantes quanto ao fato de o juiz Moro se atribuir jurisdição nacional, quanto à parcialidade objetiva dele. Isso não é uma ofensa pessoal ao eminente magistrado. É um dado objetivo. Um dos princípios magnos do nosso sistema é que acusação e julgamento estão em esferas diferentes. Não é possível que o julgador seja o investigador.

Ele deveria ser substituído?
Ele se deixou levar por um lado ainda no domínio das investigações de natureza inquisitorial. O processo penal se inicia depois de oferecida e recebida a denúncia.

Não pode ser instrumento de opressão judicial. É a diferença entre ditaduras e democracias.

Mas deve ser afastado?
Já arguimos isso, temos arguições formais sobre isso.

Qual sua avaliação da delação premiada?
Temos advogados e alguns juristas que defendem e outros que se contrapõem, se insurgem. Estou entre os últimos. Entendo que a delação premiada é um instituto pragmático, porque busca supostamente combater a impunidade. Mas, num contexto democrático, isso só seria possível com o resguardo, a obediência a direitos e garantias constitucionais.

Isso me lembra o Alan Dershowitz, professor de Harvard, que costuma dizer: “Se você quer escapar da prisão nos EUA, incrimine alguém mais importante que você”.

A impressão é que a sociedade aplaude de maneira frenética a lei. A sociedade está errada?
Não devemos nos pautar pela manifestação da opinião pública. Se fosse assim, teríamos instituído a pena de morte, linchamento, a turba… Não passou ainda pelo STF essa matéria com o plexo de objeções constitucionais que pode exigir. Essa questão de dizer que a lei é antiga e vem sendo aplicada nunca me impressionou. Dou o exemplo da Lei de Imprensa, que se aplicava desde 1967, e quando chegou ao Supremo, a conclusão foi de que é incompatível com nosso sistema constitucional.

O que a força-tarefa e Moro dizem é que a partir da delação crimes foram desvendados e dinheiro foi devolvido.
Se devêssemos tomar critérios pragmáticos para avaliar valores magnos, teríamos de revogar a Constituição. A prova obtida por meio ilícito pode ser a mais valiosa, ainda assim é constitucionalmente inadmissível. Muitas vezes é através de uma interceptação absolutamente ilegal, ou tortura, que se pode elucidar um crime gravíssimo. Mas aí vamos fechar os olhos e permitir que a barbárie prevaleça.

O juiz diz que as anotações encontradas no celular de seu clientenão foram explicadas e sugerem uma tentativa de interferir no processo.
O juiz e a força-tarefa cometem um grande equívoco: confundem a Odebrecht, uma pessoa jurídica, com a pessoa física do Marcelo. Na impossibilidade de imputar a Marcelo qualquer conduta concreta enquanto pessoa física, ele fala na empresa.

No caso o juiz fala do Marcelo.
Não é verdade que Marcelo não se explicou. A manifestação do juiz Moro ao Supremo [na qual ele diz que o executivo não se explicou] é mais um dado objetivo da sua parcialidade. Isso foi objeto de um interrogatório. Marcelo respondeu todas as imputações da acusação. Ele [Moro] supervalorizou anotações que não têm o significado que ele disse que poderiam ter. Isso é grave porque você não pode partir de presunções para a decretação de uma prisão. Dos quatro núcleos da Lava Jato, delatores e testemunhas ou não conhecem Marcelo ou afirmam que ele jamais se envolveu com os delitos da Lava Jato. Nem preciso discutir isso em relação a Marcelo porque a nossa tese é de negativa de autoria.

Uma das acusações é que Marcelo, como presidente da holding, saberia das ilicitudes.
No direito penal tem de ter participação pessoal [do suspeito no crime]. Não existe presunção. O grupo Odebrecht tem mais de 300 empresas, opera em 21 países. A cultura do grupo é a da descentralização. Marcelo é presidente de uma holding de investimentos. Ele não é presidente da construtora que foi referida como vinculada aos contratos da Petrobras. Há uma norma constitucional que diz: a responsabilidade penal é pessoal e intranscendente. Por ser diretor de uma empresa, você não pode responder pelo que ocorre na empresa. É uso inadequado da teoria do domínio do fato [criada nos anos 50 para punir dirigentes nazistas que não participaram dos crimes, mas deram as ordens].

O Supremo tem o entendimento de que a teoria é válida.
A teoria do domínio do fato não se aplica a empresas. Quem diz isso é Claus Roxim, que desenvolveu a teoria na Alemanha. Não existe analogia em direito penal. Você sabe o que representam para o grupo Odebrecht os contratos da Petrobras? 4% do faturamento. Marcelo como presidente da holding não tinha controle sobre a atividade dos executivos da empresa. Não se pode criminalizar a conduta de alguém com base na conduta da empresa.

Marcelo escreveu “trabalhar para parar/anular investigações. Isso não é tentativa de interferir nas apurações?
Como é que se anula a investigação? Quando se argue a sua nulidade por violação de direitos e garantias. Havia notícias de manipulação de provas no âmbito da Lava Jato. Que crime é este?

A Suíça diz ter identificado o pagamento de US$ 17,6 milhões em propina pela Odebrecht. Esse volume de dinheiro não precisaria da aprovação do Marcelo?
Isso é uma especulação desvairada. Não serve para condenar alguém na esfera penal. Porque Marcelo há mais de 15 anos não deu nenhum comando financeiro. Ele não assina um cheque do grupo há mais de 15 anos.

As autoridades suíças dizem que o suborno passou por uma série de empresas controladas pela Odebrecht.
Marcelo desconhece todas. Ele não fez isso. Se alguém tiver feito isso, terá de responder. Jamais chegou um pedaço de papel dizendo que Marcelo ordenou a abertura [de empresa] ou a movimentação de contas. A prisão de Marcelo é um enorme equívoco que nós esperamos que o Supremo corrija.

 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

20 Comentários

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  1. Tudo cineminha

    A Lava-Jato foi feita para limpar a barra das empreiteras e seus empresários, a briga dos advogados com o juíz é tudo cineminha. Vão culpar apenas os políticos e a imprensa ingênua de direita, centro e esquerda fica apenas no blá-blá-blá.O balcão de negócios está a mil.

  2. o advogado pegou na

    o advogado pegou na veia…

    juiz não investiga, julga…

    senão vira torquemada….

    e o juiz   moro já deu tantas evidencias de que é parcial,

    que a gente acaba achando isso natural…

     a gente acaba  criticando-o como investigador….

    é evidente que a atuação de moro está imbricada com

    a dos agentes investigadores…

    parece que decidem juntos.

    daí a expressão que se transformou em expressão

    comumente usada para se referir a esse esquema de ligação entre essas partes.

    é comumusar, sempre usei, a expressão, “conluio tucano-grande mídia et caterna”.

    é a colusão  de interesses, concerto entre as partes.

    os vazamentos tb comprovam essa colusão…

    a máscara do moro está derretendo. mesmo na frieza sepulcral curitibana… 

    o silencio da justiça por aquii é tão avassalador que tem

    gente que jura que já ouve o som do capim crescendo

     

  3. Juiz ou promotor de acusação?

    “Não é possivel que o jugador seja o investigador.” Eh isso que temos alertado desde o principio da Lava Jato. O que causa espécie é o STF ter avalizado o comportamento inquisitorial de um juiz. No caso, do juiz Moro. E claro todo esse desvirtuamento juridico devidamente embalado pelo Procurador Geral da Republica, Rodrigo Janot.

    1. Maria Luiza e o Joaquim

      Maria Luiza e o Joaquim Barbosa??

      Não podemos esquercer que o mesmo ocorreu no caso da ação penal 470, onde o Joaquim assumiu as duas funções. E isto dentro do STF, se eles aceitaram, apesar de inúmeros questionamentos , infelizmente não podemos esperar que os supremos se posicionem contra o moro.

      sds

      Genaro

       

    2. Caso de Dona Marice cunhada

      Caso de Dona Marice cunhada do Vacari: Prendeu, acusou e depois investigou para constatar que tinha sido um erro.   

  4. Fascismo ou Democracia

    Esse grupo fascista do Paraná atua com toda desenvoltura, cometendo crimes de vários tipos, porque os Ministros do Supremo e o Ministro da Justiça o permitem. Portanto, os Ministros são cúmplices desse grupo fascista, por omissão ou temor.

  5. desespero atroz bate à porta

    desespero atroz bate à porta madeira de lei da notável honorável banca criminal porta de cadeia dos bacanas donos do poder de mando da República Faz de Conta do Lulopetismo…

    Dom Emilio cobra (coberto de razões e zelo pater familia potestas) as caríssimas garantias jurisprudenciais melzinho na chupeta, dadas como liquida e certa! na conhecida deixa que nós resolvemos tudo dom Emilio… advogada pelos órfãos de doutor MTB, as contumazes garantias cartoriais-coloniais das filigranas formais ad aeternum de que nos finalmente no fim do túnel faz-se luz! e então tudo vai dar certo e que se ainda não estão livre leve e solto das barras da justiça cega é porque lava jato ainda não chegou no fim… não atingiu o nirvana fim dos tempos… fim da história do brasil contada pelos donos de plantão do poder místico: o lulopetismo e seus áulicos devotos pregadores do evangelho segundo seu nassif.

    1. Perdoe-me, mas advogado de

      Perdoe-me, mas advogado de bicheiros e traficantes e também de Daniel Dantas, que usava a mídia para lançar dúvidas sobre as investigações e assim proteger seus clientes, inclusive atacando o proprietário deste blog e outros jornalistas que ousassem investigar o banqueiro, não vale. Tenta outra. Pergunta pro juiz De Sanctis quem é Nélio Machado, depois volta aqui e apaga esse post antes que alguém veja.

      1. Caro Josiel, quando você

        Caro Josiel, quando você utiliza a expressão “pergunte ao juiz de sanctis quem é Nelio Machado” fiquei na dúvida se a sua intenção foi enaltecer o advogado ou criticá-lo, pois, ao que parece, você começou o seu comentário critiando e, com a frase acima mencionada, pareceu querer enaltecê-lo, uma vez que qualquer um que conheça minimamente a história do caso daniel dantas sabe muito bem que este, defendido por Machado, acabou inocentado, o hoje desembargador De Sanctis foi duramente censurado no STF por suas arbitrariedades na condução da causa e o delegado responsável pela investigação, Protógenes, acabou sendo condenado criminalmente.

        Desconhecia este espaço, vim parar aqui pelo google, mas, lendo comentários anteriores, inclusive com acusações fantasiosas e sensacionalistas, acho, sinceramente, que isso justifica o porquê de estarem escrevendo neste blog em vez de em jornais de grande circulação.

  6. Eu fico imaginando…

    Se esse doutor advogasse para o Marcola, o que ele diria.

    -È um absurdo que um cidadão preso seja condenado por homicidios atribuidos a ele pelo Estado enquanto preso. Apenas porque os executores desse homicídios disseram, muitos provavelmente sob tortura, que foi Marcelo quem decidiu quem seriam as vítimas.Isso é uma afronta ao estado de direito.

    Ah, esqueci. Ninguém aqui está preocupado com os direitos do Marcola. Heheheheh

  7. Quer nos fazer de burros quem

    Quer nos fazer de burros quem tenta forçar analogias entre esses processos da Lava a Jato e os milhares que transitaram ou transitam nas diversas varas penais nas duas jurisdições(estadual e federal). Há remissões chorosas aos milhares de injustiçados Brasil afora que, só por não serem ricos e poderosos, não merecem a mesma atenção e acuidade. Um comentarista inclusive evoca o chefe do PCC Marcola para exemplificar os “dois pesos e duas medidas”.

    Falácias, falácias, só falácias. Os processos derivados da Lava a Jato são diferenciados não pela situação econômica e/ou política dos indiciados/processados/condenados, mas pela natureza inegavelmente política que os revestem. O que não significa que sejam “crimes políticos”, mas que se originam de ações delituosas, sim, mas só explicadas, entendidas e justificadas se inseridas numa esfera bem mais abrangente, qual seja, a que engloba as interações entre os agentes do Estado e a dita Iniciativa Privada num regime de favores e ilicitudes que vem desde priscas eras. 

    Comunicados de apoios recíprocos e exaltações de façanhas(“quebra de paradigmas”) emitidos pelo sistema repressivo não terão o condão de falsear essa realidade. Mesmo porque ele no seu mister também se revestiu de um papel também político, não só policial-persecutório-judicial. Intenções ou direcionamentos que obviamente não estarão explícitos nos inquéritos, despachos ou sentenças, mas que emergem nas ações(procedimentos), declarações, omissões, distinções, e principalmente, na parceria, quando não cumplicidade, com órgãos de comunicação na qual se trocam e barganham lisonjas interesseiras, informações privilegiadas e se entrelaçam visões reformistas por ânimo ideológico. 

     

    1. Eu nego

      … natureza inegavelmente política que os revestem. 

      De natureza inagavelmente política foi a interferência do poder executivo no Caso Banestado e na Operação Satihagraha.

      Na Lava Jato a única natureza política é que não ficará pedra sobre pedra.

      Querer travestir crimes comuns de perseguição política sempre foi retórica de todos os políticos brasileiros e seus fanáticos seguidores.  

      Ainda bem que Dona Dilma é mais justa que política.

      Para além disso, apenas me espanta um monte de pseudo-esquerdistas instruídos que fazem de conta que não sabem que a nossa legislação, com viés pretensamente humanitário e garantista, nada mais é que um arcabouço legal criado apenas e unicamente para proteger as elites da rigidez da lei e que não se aplica aos despossuídos. Os internos de Pedrinhas que o digam.

       

  8. “Não é possível que o

    “Não é possível que o julgador seja o investigador”, diz advogado sobre Sergio Moro

    Existe um segundo julgador que não faz parte do judiciario e muito menos consta dos autos que é o grupo Globo de comunicações, aliado do juiz Moro na operação lava jato. Uma parte do judiciario e políticos temem ações desse grupo midiático com medo de serem expostos na mídia por suspeição e até mesmo por simples ilações.

    Lembram-se caso do confronto Globo x Abi-Ackel? Segue o link http://www.viomundo.com.br/denuncias/rodrigo-lopes-biografia-de-ex-minis

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