No MS, 50 famílias Guarani-Kaiowá poderão ser despejadas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

do Cimi – Conselho Indigenista Missionário

Polícia dá ultimato para expulsão de 50 famílias Guarani-Kaiowá de Kurusu Ambá (MS)

Fonte da notícia: Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Frente à notícia de despejo iminente, mais de 50 famílias Guarani-Kaiowá passaram a clamar desesperadas por justiça no estado do Mato Grosso do Sul (MS). Um pedido da suspensão da liminar de despejo, peticionada pela procuradoria da Funai, encontra-se nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora está com o presidente da Corte Suprema o poder de  evitar mais uma tragédia anunciada contra os indígenas de Kurusu Ambá, tekoha – lugar onde se é – localizado nas imediações do município de Coronel Sapucaia, no sul do estado do MS, já na fronteira com o Paraguai.

Lembranças de sofrimento, dor, mortes, expulsões forçadas e vidas despedaçadas nas beiras das rodovias pesaram novamente na memória e no coração de cada um dos indígenas de Kurusu Ambá. Segundo o depoimento dos Guarani-Kaiowá, na última sexta-feira, dia 06 de março, sem consultar a Funai, órgão indigenista oficial, delegados da Polícia Federal acompanhados de um grupo de policiais se dirigiram até a terra indígena e anunciaram que o despejo da comunidade estaria marcado para o dia 16 de março, próxima segunda-feira. Os indígenas anunciaram ainda que segundo os próprios policiais, os delegados regressarão à comunidade no dia 12 de março, quinta-feira, com o intuito de convencer os Guarani-Kaiowá a se retirarem por “vontade própria” da terra que ocupam.

Frente a esta situação, o rezador da comunidade, Yvyra’ijá, de 65 anos, declarou: “Eles já sabem qual a nossa posição. Todos sabem. Nós não podemos sair, esta é nossa terra, estamos aqui porque lá onde estávamos morrendo de fome enquanto usavam de nossa terra. Só queremos nosso espaço para plantar mandioca e ter direito a uma vida digna. Não nos moveremos porque não podemos, buscamos apenas o que é nosso, retomamos aqui porque sabemos que aqui é nosso, está lá nos estudos, a Funai já estudou, é só olhar. Retomamos este lugar em especial porque esta é nossa terra mãe, nossa terra tradicional. Respeitamos a Constituição, e só entramos onde é nosso de verdade. É muito duro para mim que sou velho ver as leis de um país que tanto amamos, nos tratando tão mal. Eles vão expulsar de novo nós que somos velhos e nossas crianças?  Resistiremos. Resistiremos aqui porque não temos opção. Só sairemos daqui mortos, porque a estrada para nós significará morte também”. Acompanhe matéria detalhada sobre o caso dos Guarani-Kaiowá de Kurusu Ambá aqui (http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7739).   

A decisão de despejo foi concedida no final do ano passado e é baseada essencialmente na interpretação referente ao marco temporal. Esta interpretação tendenciosa da Constituição tem sido utilizada pelos ruralistas para tentar restringir a demarcação à luz do que se refere o trecho da própria decisão do julgador: “E, não bastasse, é de se constar também que o reconhecimento do direito dos indígenas a terras que tradicionalmente ocupassem estaria condicionada à sua habitação ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988, marco temporal condicionante estabelecido pelo STF, por ocasião do julgamento da PET nº 3388 (caso Raposa Serra do Sol), e reafirmado pela 2ª Turma do Pretório Excelso, quando do julgamento do RMS nº 29087/DF, em 16.09.2014.”

O detalhe é que no julgamento da área em questão, a Raposa Serra do Sol, o próprio relator do caso, o ex-ministro do STF, Ayres Britto, definiu que as condicionantes estabelecidas não tinham o caráter vinculante com demais decisões tomadas em relação a outras terras indígenas. Na verdade, enquanto os procedimentos de demarcação das terras indígenas encontram-se paralisados em âmbito nacional desde 2013, os  ruralistas têm se movimentado a todo momento para reduzir territórios, em benefício do agronegócio, e alterar os procedimentos demarcatórios por meio de inúmeras proposições legislativas e/ou administrativas, como a PEC 215/2000, a Portaria 303/2012 da Advocacia Geral da União (AGU), o PLP 227/2012 e, mais recentemente, através da incidência em instâncias judiciais às quais têm acesso.

A procuradoria da Funai ingressou com o pedido de suspensão da liminar de despejo no STF e espera-se que justiça seja feita, garantindo aos indígenas um julgamento justo, baseado nos preceitos constitucionais ao invés de ter como base teorias impulsionadas pelo ímpeto do ruralismo.

Hoje, sobre a terra de Kurusu Ambá, existe vida, pintada e simbolizada através do plantio, da casa de reza, da escola, do sorriso das dezenas de crianças que lá vivem falando sua língua e vivendo sua cultura, das práticas tradicionais, dos costumes deste povo que vive na esperança de ter o procedimento demarcatório de sua terra tradicional finalizado.

Somente a demarcação deste território ancestral poderá trazer um fim definitivo ao sofrimento que os acompanha há muitas décadas. É preciso lembrar que nos últimos sete anos, o povo de Kurusu Ambá assistiu a mais de dez de suas lideranças serem assassinadas na luta pela retomada de sua própria terra, e que, em consequência direta da paralisação dos estudos demarcatórios, a mesma comunidade assistiu também há muitas outras mortes, sobretudo de crianças, vitimadas pela fome e pela desnutrição. Este número poderá aumentar caso esta decisão temerária de despejo não seja revertida, uma vez que a comunidade indígena já anunciou que prefere morrer a ter de deixar seu território novamente. Na última ordem de despejo contra uma terra indígena, executada pela Polícia Federal no MS, houve resistência e Oziel Gabriel, jovem Terena, acabou assassinado. 

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em solidariedade ao sofrimento das famílias Kaiowá faz coro ao pedido por um julgamento justo, baseado nos preceitos constitucionais ao invés de interpretações equivocadas. Esta nas mãos do STF garantir que a justiça vigore sobre a força e a vida vigore sobre a morte. Só a Corte Suprema pode impedir que a violência siga sendo a lei mais forte no estado do Mato Grosso do Sul. 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O velho oeste

    KENNETH MAXWELL  – da FOLHA

    Agradeço a Márcio Polidoro, coordenador do Comitê Cultural Odebrecht, por me enviar a edição em inglês do livro de Janaína Amado e Leny Caselli Anzai, “Luís de Albuquerque: Travels and Administration of Mato Grosso (1771-1791)”. Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, nascido em 1739 em Beira Alta, Portugal, serviu na fronteira entre Portugal e Espanha. Era um oficial competente e bem relacionado e teve excelente treinamento em engenharia militar; em 1771, foi apontado como governador do Mato Grosso pelo marquês de Pombal.

    Era uma posição crítica, na fronteira oeste do Brasil. Havia sido descoberto ouro no vale do rio Guaporé, e os dois grandes sistemas fluviais da América do Sul convergem lá. As difíceis comunicações ribeirinhas entre o extremo oeste do Brasil e Belém haviam sido estabelecidas pouco tempo antes. A tarefa do governador era fortificar o Mato Grosso contra os espanhóis, incentivar a colonização e conduzir trabalhos de agrimensura na região, que tinha grande importância geoestratégica para Portugal.

    O livro é uma maravilhosa combinação de pesquisa, cartografia, ilustrações e fotografia contemporânea e reflete bem o escopo e o contexto das atividades de Albuquerque. As coleções de animais, minerais, mapas, plantas, aquarelas e armas são bastante extraordinárias.

    Mas o livro tem interesse mais que passageiro para mim. Seus principais documentos são as meticulosas transcrições de Luis Carlos Figueiredo para os diários que Albuquerque manteve em sua viagem do Rio de Janeiro a Vila Bella, então capital de Mato Grosso, via Minas Gerais e Goiás. Além do diário de sua viagem fluvial de volta à Belém, então capital do Grão-Pará e Maranhão, pelos rios Guaporé, Madeira e Amazonas.

    Esses diários estão no acervo da biblioteca Newberry, em Chicago. Foram adquiridos para a coleção Greenlee da biblioteca por Richard Ramer, comerciante norte-americano de livros e manuscritos raros. Eu o conhecia muito bem. Ele me pediu para avaliar os diários, encadernados em couro e escritos a lápis, em 1994, o que eu fiz, e atribuí sua autoria a Luís de Albuquerque. Não sabia que eles iriam para a Newberry, e é uma alegria vê-los hoje, inseridos de maneira tão magnífica em seu contexto histórico pleno.

    Também conheço bem a Newberry. Passei um ano produtivo lá como aluno de pós-graduação, de 1968 a 1969, instalado nos porões da velha biblioteca, onde podia trabalhar sem perturbações, cercado pelos manuscritos e livros raros da Greenlee. O curador da coleção na época era Fred Hall, que havia vivido no Brasil, conhecia muitos brasileiros e era um guardião paternal de tudo relacionado ao país. Desfrutei muitos almoços memoráveis com ele. Hall com certeza ficaria feliz por ver os diários de Albuquerque publicados de maneira tão condigna.

     

  2. CLAMEMOS POR JUSTIÇA

    Urge clamarmos por Justiça, e esta só será feita na medida em que prevaleça o cogente respeito aos direitos indígenas. O prosseguimento e a agilização das demarcações constitui um dever do Estado, e amparar a garantia da posse e uso das terras ancestrais por indígenas e quilombolas é uma obrigação moral de todos que possuem consciência social e amor à cultura e à dignidade do ser humano. Chega de perpetuar a espoliação dos vulneráveis, chega de impunidade nos crimes contra a humanidade.

  3. Salvem os nossos indios

    Espero – a despeito de qualquer lei – que Ricardo Lewandowski aja com compaixão por esse povo tão sofrido. Eh um verdadeiro genocidio que tem sido praticado em Mato Grosso do Sul, terra de ricos fazendeiros (muitos invadiram terras e assim foram aumentando seus hectares), preconceituosos com as causas indigenas. 

    Se confirmada a expulsão, tudo isso pode terminar muito mal e acabara sendo mais um peso a carregar o governo Dilma.

  4. Indigenista Especializado

    Eu acho que se não nos movermos rapidamente para agirmos firmemente contra todos os retrocessos propostos por nossos governantes, estaremos decretando o fim de nosso povo. 

    Esses governantes não entendem nada do que fazem e legislam em causa própria, estamos vendo nosso povo cada vez mais fragilizado.
    Estou na luta para ser muito mais que um Indigenista Especializado, mas um representante do meu povo na luta por políticas indigenistas que verdadeiramente nos favoreçam. Precisamos nos unir!

    Raoni Acauan

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador