O atentado em Paris visto quatorze anos atrás, por J. Carlos de Assis

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por J. Carlos de Assis

Escrevi em outubro de 2001, um mês depois dos atentados de 11 de setembro em Nova Iorque, no Prólogo do meu livro “O Atentado da Nova Era”: “Os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, num desafio escatológico à maior potência militar e econômica do planeta, assinalam, sobre o sangue dos mortos e os escombros da riqueza, um ponto de mutação milenar da civilização humana, posto simbólica e objetivamente ante a alternativa da própria extinção ou da busca da prosperidade, da justiça e da paz universal.

Foi uma demonstração dramática do que Raymond Aron, décadas atrás, conceituando a realidade do mundo nuclearizado, identificou como `aumento de poder com diminuição do controle´. Aron tratava de relações entre estados. Vimos agora que o poder incontrolável está concentrado também nas pessoas, inclusive nas mãos dos oprimidos da terra.

Escrevo antes da materialização da reação bélica norte-americana em toda a sua extensão. Por tudo que se informou e se disse na semana posterior aos atentados, de Washington a Brasília, de Londres a Moscou, há poucas esperanças de que seja uma reação sábia. O povo comovido quer vingança, e a liderança pusilânime quer alimentá-la com sangue. Uma reação sábia seria a imediata convocação de uma Conferência Mundial contra o Terrorismo e contra a Injustiça Social. Um Plano Marshall universal contra a miséria da África, na Ásia e na América Latina. A eliminação do desemprego. O fim das discriminações. O respeito ao direito dos povos de ter cada um a sua pátria e a sua forma de autogoverno. O resgate dos oprimidos. A proteção estatal da infância, dos doentes e dos idosos. Um New Deal em escala planetária.

A reação, porém, promete ser uma reação feroz, segundo o presidente George W. Bush. Ele quer espalhar ferro e fogo sobre países islâmicos selecionados, pagará genocídio com um genocídio cem mil vezes maior, e tudo na expectativa, segundo seu discurso patético do dia 20, de que, `nos próximos meses e anos, a vida na América volte quase ao normal´. Acaso alguém duvidará de que, depois da reação feroz, não haverá mais centenas, milhares, dezenas de milhares de árabes, muçulmanos, bascos, tamis, filipinos, irlandeses ou outras minorias dispostas a se glorificar na morte ante a tevê, matando simultaneamente mais norte-americanos ou seus aliados? Mais do que isso, acaso eram imprevisíveis  os atentados que ocorreram?

Dirão, sob a comoção do espetáculo dantesco de televisão, que o terrorismo tem que ser punido. Mas haverá maior punição que a morte? Duas décadas de extremismo liberal e de globalização financeira espalharam, pelas mãos das próprias elites internas catequizadas, desemprego, fome e miséria em todo o mundo subdesenvolvido, e inclusive no mundo desenvolvido, caracterizado nossa época como a de mais brutal discriminação social na História, pelo espetáculo sem paralelo da prosperidade dos países ricos e dos ricos nos países pobres, incluindo a década de crescimento econômico contínuo dos Estados Unidos, em confronto com a acentuação do subdesenvolvimento da América Latina, da África e de grande parte da Ásia. Nem todos, mas muitos dos que foram deixados para trás estão atraídos para a glorificação da morte em lugar do que consideram uma vida de opressão.

Não há punição para o terror suicida. O que seria a suprema punição, que é a morte, constitui um passe espiritual para a glória: em lugar de uma vida miserável e sem sentido num campo de refugiados palestinos ou num deserto afegão, sem perspectiva e sem outra fonte de dignidade que a fé fundamentalista, oferece-se ao mártir o panteão da verdadeira imortalidade. O terrorismo político é um dado da realidade do mundo contemporâneo. O terrorismo suicida é seu epifenômeno. Não há como eliminá-lo pela força militar. Ele não é um estado, uma nação, um povo. Sua fonte é uma condição social, que está no Brasil ou em Delhi, em Buenos Aires ou na Cidade do México, e está também nos bairros populares de Londres e de Nova Iorque.” (…)

Remeto-me a esse texto de 14 anos atrás para acentuar sua conclusão óbvia: o terrorismo político suicida subsistirá enquanto houver extrema desigualdade social na terra. E ainda não estamos considerando o recurso das armas químicas e biológicas de destruição em massa, eventualmente em mãos de terroristas. E mesmo que o terrorismo não mate gente, matará as caras liberdades civis do mundo ocidental as quais, na França de Hollande, por exemplo, conforme o excelente artigo de Jânio de Freitas na Folha do último domingo, já estão sucumbindo ao toque da “guerra contra o terror”. No Atentado da Nova Era, examinei as consequências políticas, estratégicas, econômicas, religiosas e morais do ataque em Nova Iorque. Os dirigentes mundiais, contudo, preferiram acreditar que tudo voltariam ao “quase” normal, como disse Bush. E o que dirão agora do futuro?

J. Carlos de Assis é economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira e do recente “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, ed. Textonovo, SP.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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