O aumento das incertezas sobre a economia no segundo trimestre, por Delfim Netto

Do Valor

Novo surto de incertezas
 
Por Antonio Delfim Netto
 
Na semana passada houve um aumento considerável das incertezas que cercam a economia brasileira neste segundo trimestre de 2014. À medida que o governo tenta convencer os agentes privados de que fará tudo para produzir um superávit primário mínimo de 1,9% do PIB, que até o FMI achou “apropriado nas circunstâncias atuais”, isso deveria, normalmente, aumentar a sua credibilidade. Fatos supervenientes, entretanto, anulam esse efeito.
 
De um lado, um fenômeno meteorológico inusitado. A seca que nos castiga pode prejudicar a produção agrícola, perturbar o abastecimento de água de grandes cidades e criar dúvidas sobre a oferta de energia, o que angustia nossa população. A ele temos somada a confusão na escolha de para quem se quer “empurrar” os custos adicionais do uso da energia térmica, o que assusta o mercado. Tudo aponta para a possibilidade de aumento da taxa de inflação (até 2015!).
 
De outro lado, a desconfiança recíproca entre o setor privado empresarial e o poder incumbente (por falta de uma comunicação inteligente) gestou um pessimismo exagerado, que tem produzido um crescimento do PIB da ordem de 2% ao ano no último triênio e que, provavelmente vai repetir-se em 2014. Mesmo quem acredita que o pessimismo e a desconfiança não encontram respaldo nas condições objetivas deve reconhecer que, infelizmente, o crescimento de 2014 parece dado. O FMI o estima, agora, em 1,8%, e o Banco Mundial, em 2%.

Com relação à taxa de inflação estamos diante de fatos que podem levar a um choque de “oferta”, que se somará à inflação reprimida pelo controle dos preços e aos estímulos fiscais que a fizeram namorar o limite superior de tolerância da “meta” (6,5%). Essa existe exatamente para acomodar os efeitos secundários de tais choques quando eles ocorrem.

Não estamos, entretanto, sob a ameaça de uma perda de controle da taxa de inflação. Estamos numa situação desconfortável: tendo abusado no uso do limite de tolerância para acomodar aumentos de preços, ao mesmo tempo em que acumulávamos alguma inflação reprimida, não há espaço livre para enfrentar um novo choque.

O sistema de metas inflacionárias exige, para seu bom funcionamento, que a sociedade tenha uma expectativa de inflação bem ancorada e um Banco Central autônomo que, com manobras modestas e cuidadosas da taxa de juro real de longo prazo, controle rapidamente um excesso de demanda global, ou compense as pressões secundárias de um choque de oferta.

Uma expectativa de inflação estável e reconhecida pelos agentes econômicos tem vantagens políticas consideráveis. Elimina as incertezas sobre a taxa de inflação futura na disputa do excedente entre o lucro real e o salário real que, institucionalizada, é instrumento fundamental do processo civilizatório.

É fato conhecido que o Brasil nunca estabilizou a expectativa de inflação nos 4,5% da meta. De 2000 a 2013, a taxa média registrada de inflação foi de 6,5%. Há muitas explicações para essa persistência. Recentemente, o FMI publicou um artigo (Roache, S.X., “Inflation Persistence in Brazil – A Cross Country Comparison”, WP/14/55, April 2014) com uma engenhosa modelagem e uma econometria que não pode distinguir claramente correlação de regressão e de causalidade. Ele sugere uma forte assimetria sobre as “expectativas” dos movimentos de alta e baixa da inflação realizada. Vale a pena lê-lo.

Como aperitivo, vai aqui sua conclusão. “A alta persistente da expectativa inflacionária entre 2002 e 2013 pode ter duas explicações: ou ela é produto de um laxismo do Banco Central em enfrentar as ondas secundárias dos choques de oferta ou, alternativamente, ela pode ser produto do sistema de indexação ainda não eliminado. Infelizmente, os resultados não permitem uma opinião conclusiva, o que é comum na econometria.”

Hoje, de acordo com levantamentos críveis, 2/3 dos brasileiros pensam que a taxa de inflação vai subir, a despeito de estar rodando perto do limite de tolerância em torno da meta fixada pelo próprio governo (4,5%). Deveria ser evidente que ela não voltará à meta apenas com o Banco Central manipulando a taxa de juros real, porque isso implicaria um custo social inaceitável: reduzir ainda mais o já magro crescimento e criar um nível de desemprego suficiente para corrigir os excessos salariais.

Isso não significa aceitar um laxismo monetário. Significa que mesmo a melhor política econômica, em benefício de seus resultados, tem de submeter-se à razoabilidade política. Nas restrições institucionais que construímos, a política monetária é necessária, mas não pode ser suficiente.

É preciso pensar séria e rapidamente em ações estruturais que possam ser aprovadas pelo Congresso (pelo menos declarar os projetos para que sejam discutidos no processo eleitoral) acompanhadas de medidas conjunturais como a maior coordenação entre as políticas monetária, fiscal e cambial, a garantia da integridade da sempre ameaçada Lei de Responsabilidade Fiscal e a promoção de um esforço definitivo para eliminar o que resta da indexação generalizada que vimos cultivando com carinho há meio século…

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

 

Redação

5 Comentários

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  1. A inflação só se acomodará em

    A inflação só se acomodará em níveis mais baixos  qdo a logistica desse país for saciada  com os meios de transporte barato ( trem)

    Política agricola é transportar tudo de trem….abacate produzido em Belém do Pará tem que chegar no Rio Grande do

    sul em dois dias  e com custo de transporte a 1 centavo cada ….( infraestrutura que nunca o congresso deixou

    acontecer)….vamos lá Dilma passa um trator nessa moçada que só aprovou agora a MP dos portos …Faça uma MP dos

    trens  agora ….

  2. Incertezas, desconfiança e

    Incertezas, desconfiança e pessimismo são a tônica desta atualidade.

    Seja na economia ou no dia a dia do cidadão comum.

    Ano passado já havia este pessimismo, incerteza e desconfiança e fomos o quarto país que mais cresceu.

    Mas são as “certezas” dos jovens que fazem pipocar as manifestações pelo mundo.

    Certezas que os governos se submeteram ao mercadismo.

    No mercadismo tanto faz crescer, ou não, os seus altos lucros estão sendo sempre garantidos.

    Quem está nas ruas sabe disso.

     

  3. El niño X La niña

    O Pacífico, aquele oceano, parece que está conspirando contra o Brasil também, falam em fortes secas no nordeste o ano que vêm.

    Dilma, acelera a transposição de águas do São Francisco e o sistema de açudes.

  4. Vamos dialogar membros do PIG?

    Sinceramente, se esse infeliz forjador de incertezas, para bajular o mercado, vier a dialógar comigo esse desserviço ao país diante de um público, ele sairá envergonhado.

    Delfim se vc estiver lendo isto, eu o desafio a provar essa espécie de econometria (falsificada) sem história de resultados ou método realístico.

    Como economistas não têm sabedoria nem base confiável de ações, senão para conseguir sua subsistência com teorias do PIG, não vou considerar que este desafio frutifique como a parte das incertezas.

    Ps: O desafio é válido para todos os esqueletos dessa encarnação especulativa.

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