O Bolsa Família na visão das crianças

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – O Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) divulgou nesta terça (23) o lançamento de uma série de cinco livros intitulada “Avaliação de Políticas Públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome”, que será disponibilizada na internet. O primeiro volume está on-line e aborda o Programa Bolsa Família (PBF) “a partir do olhar de gênero e da diversidade de povos e comunidades tradicionais em todo o país”. O trabalho realizado por um grande leque de pesquisadores e estudiosos do tema inclui um artigo com um recorte diferente a respeito do PBF: a avaliação das crianças beneficiadas sobre o maior programa de transferência condicionada de renda instituído pelo governo federal.

“Do Ponto de Vista das Crianças: uma avaliação do Programa Bolsa Família” é assinado por Flávia Ferreira Pires, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especializada em Antropologia Social e Ciências Sociais. O artigo, de 2011, é uma exposição dos resultados do projeto de pesquisa “Do ponto de vista das crianças: o acesso, a implementação e os efeitos do Programa Bolsa Família no semiárido nordestino”, desenvolvido no município paraibano de Catingueira por uma equipe de seis pesquisadores da UFPB, orientados por Flávia, que acompanharam a rotina familiar de beneficiários por cinco dias. A cidade registrava, na época, 4,8 mil habitantes, sendo que 2,9 mil pessoas (813 famílias) recebiam o Bolsa Família – ou seja, 62% da população.

A conclusão da pesquisa aponta que é comum, como se pôde constatar em falas e desenhos, existir repasse de alguma parcela do Bolsa Família diretamente para a criança. As mães transferiam valores entre R$ 0,25 e R$ 20 como incentivo à escolarização.

O artigo aponta, em consonância com outros estudos desenvolvidos sobre o PBF, que o dinheiro é empregado majoritariamente em alimentação. As crianças afirmam que mesmo quando têm acesso ao recurso – ou melhor, quando podem decidir o que vão comprar –escolhem “brebotes e burigangas”, para usar dois termos nativos que caracterizam coisas que crianças adoram, como balas e salgadinhos.

No caso de famílias extremamente pobres, o gasto é quase que exclusivamente na alimentação familiar. Quando a margem não é de pobreza extrema, registram-se casos de poupança para aquisição de artigos diversos, como material escolar e peças de vestuário.

Em última análise, a autora aponta que as “famílias priorizam o consumo infantil e realizam o repasse financeiro direto para a criança na medida em que entendem que a condicionalidade escolar é a que, de fato, conta para o recebimento do benefício, enquanto as condicionalidades ligadas à saúde são entendidas como direito, na medida em que não resultam em punição (suspensões ou cortes de benefício)”.

Na cidade pesquisada, afirma Flávia, a associação do dinheiro à escola pela criança é tão forte que algumas delas chegam a acreditar que o recurso sai da União para as mãos da professora, que, depois, transfere à mãe. Para as crianças, inclusive, o PBF não está condicionado à renda mínima, mas apenas à escolaridade. Tanto faz se a criança é pobre ou rica. Desde que ela estude, tem direito a receber o auxílio.

A legitimidade do caráter punitivo

Chegando à conclusão da pesquisa, Flávia Ferreira aponta uma constatação: como a punição prevista para o PBF [suspensão em caso de queda da frequência em sala de aula] se restringe a famílias com crianças em idade escolar, muitos grupos familiares cadastrados no programa não estão sujeitos à suspensão ou corte do benefício. Isso atiça, na avaliação da autora, um debate acerca da legitimidade do caráter punitivo.

Sobre o programa

Antes de mergulhar na experiência, Flávia apresenta dados sobre o PBF. O programa surgiu em 2003, início da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a partir da unificação de uma série de políticas sociais criadas ainda na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na época em o estudo com foco nas crianças foi desenvolvido, as famílias beneficiárias ganhavam entre R$ 32 e R$ 306, sendo que, para isso, precisavam comprovar renda per capita de, no máximo, R$ 140. 

“Com menos de uma década de implantação, o PBF é responsável, junto com outros programas de transferência de renda, por 21% da queda da desigualdade no Brasil (1995-2004).” A autora ainda destaca a entrada “massiva das classes D e E no mercado consumidor e a queda da pobreza extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008”, segundo dados de 2010 do IPEA. “O custo do programa era de cerca de 0,4% do PIB nacional (R$ 1,4 bilhão em março de 2011).” Em 2013, o PBF custou R$ 24 bilhões aos cofres públicos. 

Para receber o repasse governamental, a família precisa atender a algumas condicionalidades. A principal delas, cujo descumprimento é passível de punição, é manter a criança na escola. A frequência mínima para alunos na faixa de 6 a 15 anos é de 85% da carga horária; adolescentes de 16 e 17 devem manter a frequência de 75%. Há também outras condicionalidades ligadas a acompanhamento junto à rede pública de saúde e assistência social.

Flávia destaca que, só após quase 10 anos de programa, a preocupação da academia migrou da discussão em torno das condicionaldiades para o aperfeiçoamento das estratégias para lidar com o último objetivo do PDB, que é quebrar o circulo intergeracional da pobreza – fazer, portanto, com que as crianças do Bolsa Família não repitam a trajetória de seus pais, que, sem estudos, lançaram mão dessa ajuda do governo para manter a família, economicamente. 

“Do Ponto de Vista das Crianças: uma avaliação do Programa Bolsa Família” está disponível aqui.
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Os bem-postos e os não tão

    Os bem-postos e os não tão bem-postos, tipo classe media tradicional e esse pessoal conservador e catolico devem estar lamentando a quantidade de anjinhos que deixaram de ir para o ceu. Como ‘vão se criar’ e não morrer na primeira infancia não haverá garantia de que irão para o ceu depois de tanto pecar quando adultos.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador