O Brasil e a integração da América do Sul, por Roberto Amaral

Sugerido por Wsobrinho

Da Carta Capital

O Brasil, a América do Sul e a integração regional
 
Para o bem e para o mal, somos, isoladamente, a única expectativa de potência regional
 
por Roberto Amaral 

Uma das poucas coisas que estão se transformando em política de Estado no Brasil é a atual política externa, cujos fundamentos remontam à presidência Jânio Quadros e à atuação de Afonso Arinos de Melo Franco no Ministério das Relações Exteriores. Trata-se de uma política externa independente e progressista que prosseguiria com San Tiago Dantas, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Araújo Castro, até o interregno da primeira fase do regime civil-militar – Castello Branco e seu ministro Juracy Magalhães (“O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”).

Ainda na última ditadura, o que havia sido grafado como ‘Política Externa Independente’ (PEI) volta a aproximar-se de seus contornos originais nas gestões Magalhães Pinto, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro à frente do MRE. A atual PEI, portanto, é herdeira de longa história, que começa a ser gestada no quinquênio JK e formulada no Instituto Superior de Estudos Brasileiros,  onde se destacam os textos de  Hélio Jaguaribe. Após o mormaço dos anos 90, e a preeminência do neoliberalismo (ressalvem-se os bons momentos de Celso Amorim no governo Itamar Franco), temos, em todo o período Lula, e liderada pelo presidente, seu ator mais ostensivo, a política traçada e executada pela tríade Amorim-Samuel P. Guimarães-Marco Aurélio Garcia, que chega aos nossos dias com alguns pontos de inflexão. Com todos os méritos, é um desdobramento da história encontrada.

 Assim, foi-nos dado viver, no período 2003-2011, um dos melhores momentos de nossa política externa, ativa e altiva, animada por um encontro de fatores favoráveis, como a conjuntura internacional e o crescimento da economia nacional, de que inteligentemente se soube valer  o presidente Lula. Desse período destacam-se nosso  papel de ator e o movimento com vistas aos mercados africano e asiático (aproximação que amenizou entre nós as repercussões da crise econômica de 2008 ) e ao Hemisfério Sul, neste merecendo destaque nossa política e, dela derivada, nossa liderança na América do Sul. É exatamente neste ponto que as administrações Lula e Dilma se distinguem, conservando porém sua essência. Com a atual  presidente o Brasil passa a ter uma atuação internacional mais comedida (para o que terá favorecido o retraimento do ministro Patriota), com, por exemplo,  o inexplicado recuo da política para   o Irã  e o  amortecimento do esforço integracionista sul-americano. Registre-se, porém, nossa importantíssima vitória na OMC, com a eleição do embaixador Roberto Azevêdo para sua diretoria-geral, o alinhamento com  Alemanha, Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU relativamente à intervenção na Líbia e a atuação pronta e firme de nosso governo quando do golpe de Estado parlamentar que depôs o presidente Lugo, e o esforço, em conjunto com nossos co-irmãos sul-americanos, para sustar a desestabilização em marcha da Venezuela, gestada, como sempre, a partir de  Washington.

Este período, todavia, não ensejou nem os debates nem as formulações doutrinárias dos anos 60. Saudades do ISEB. Contou, porém, e conta ainda, com a resistência conservadora, a resistência de sempre da grande imprensa, mobilizando ‘cientistas’ políticos mediáticos e diplomatas de pijama, uns saudosistas da ideologia neoliberal, outros simplesmente uma meia dúzia de ressentidos.

Neste artigo nossas atenções se voltam para um só aspecto dessa política externa: a opção pela integração sul-americana, pois, lamentavelmente, ainda é necessário defendê-la.

Para estimar a importância dessa política para o presente e o futuro do Brasil,  basta considerar que o Hemisfério Sul – nele com destaque nosso subcontinente – é, nada mais, nada menos – do que o espaço privilegiado de expansão do  capitalismo brasileiro, espaço no qual as grandes empresas nacionais poderão atuar, e onde já atuam, com sucesso e proveito. O instrumento exemplar da integração sul-americana e de nossa liderança é o Mercosul: desde sua criação (1991), as exportações brasileiras cresceram nada menos que 12 vezes, sendo que cerca de 90% dessas exportações são de produtos manufaturados. Para os países do bloco, exportamos nossos bens industriais, e não apenas soja e laranja. Essa evidência, todavia, é ignorada pelos diplomatas da FIESP, logo ela que supostamente deveria ser a maior interessada na recuperação de nossa indústria manufatureira, presentemente às voltas com uma  de suas crises mais sérias.

O Mercosul, ademais, sepultou de vez a artificial rivalidade e competição mutuamente destrutiva entre Brasil e Argentina, fomentada desde o Império pelas grandes potências.  Nossa rica vizinha, que nos anos 90 tinha uma pequena participação nas exportações brasileiras, tornou-se o terceiro destino de nossos produtos, após  China e logo atrás dos EUA, mas com uma diferença radical: enquanto para aqueles países exportamos commodities (grãos, frango, carne, minérios etc.), para  a Argentina, como para os demais países do bloco, nossas exportações são de manufaturados.  É ilusório contar com o mercado dos EUA ou da UE para  nossos produtos industriais, motivo pelo qual aliança de livre-comércio com qualquer um desses blocos será sempre a aliança da panela de barro com a panela de ferro,  como se deu com o México ao aderir ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) em 1992. Que seu fracasso evite o nosso.

A partir de 1994 (quando as regras do NAFTA entraram em vigor) a renda per capita do México cresceu apenas cerca de 1,2% ao ano, ou seja, bem abaixo dos índices médios alcançados por Brasil, Chile, Colômbia, Uruguai e Peru, e abaixo da média dos emergentes.  De outra parte, ao invés de ser contida, como prometido, a imigração cresceu de 6,2 milhões, em 1994, para 12 milhões, em 2013. Não por acaso, o governo Obama bate recorde de deportação de imigrantes, e dentre estes destacam-se trabalhadores pobres do outro lado da fronteira, e assim, ironia da história, expulsos como estrangeiros indesejáveis das terras que foram suas… O México, que aspirava a exportar mercadorias, continuou exportando sua gente para o sub-emprego nos EUA. Apesar do NAFTA, o México não logrou, tampouco, atrair o capital estrangeiro. Ainda hoje, recebe menos investimentos do que Brasil, Chile, Colômbia e Peru. Por outro lado, o crescimento econômico dos países latino-americanos que não celebraram acordos de livre comércio com os EUA foi, no período de vigência do acordo até aqui,  maior do que o crescimento mexicano.

O fortalecimento do Mercosul corresponde, ainda,  à necessidade de nossos países, juntos, exercerem maior influência nas negociações internacionais, em defesa de seus interesses, além de contrabalancear o poder das potências extra-regionais que sempre ditaram nossas políticas (internas e externas) – diretamente, ou por intermédio de agências e organismos internacionais como FMI, BIRD, Banco Mundial e quejandos.

O Brasil não pode exercer, na região, o papel de sócio menor dos EUA, como lhe cobra a grande imprensa. Queria ela, por exemplo, que derrubássemos Morales a pretexto de defender a Petrobras, que defendêssemos os golpes que derrubaram Lugo e Zelaya. Surpreendida pelas denúncias acerca da espionagem da Agência Americana de Segurança-NSA, violando as comunicações do Palácio do Planalto e da Petrobras, o que levou a presidente Dilma a cancelar a viagem que faria aos EUA, tentaram amenizar a gravidade do episódio.  

De outro lado, até porque isso atende aos nossos interesses – mais precisamente, na realidade, aos interesses dos capitalistas brasileiros – precisamos dar os braços aos países mais pobres e chamar Argentina e Venezuela (crises à parte) para um trabalho comum visando à redução das assimetrias. Política externa custa caro. Ela implica a diplomacia stricto sensu, mas não apenas isso. Tanto ou mais importante é a presença objetiva, material, e nesse sentido é preciosa a atuação do BNDES no financiamento de obras de infraestrutura, as quais, melhorando as condições logísticas de nossos parceiros (isto é, de mercados nossos), ainda ajudam à indústria brasileira, pois as obras são conduzidas por empresas nacionais e as encomendas de bens e equipamentos são ditadas no mercado brasileiro. Assim, foi de alto alcance a cooperação visando à construção do porto de Mariel (Cuba), nossa ponte para os mercados da costa Leste dos EUA,  da América Central e Caribe. Como será de largo alcance ajudarmos o Uruguai na construção de um grande porto de águas profundas que logo se transformará em escoadouro da produção brasileira e rota para o mercado do Pacífico, sem as limitações do Canal do Panamá. Esse porto, que pode atrair investimentos chineses, é importante para todos os países do Cone Sul, e por isso é duplamente importante para a economia e a política brasileiras. E foi política correta a decisão de financiarmos, com recursos do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (FOCEM), a linha de alta voltagem que já leva energia de Itaipu para Assunção. O Paraguai é nosso sócio na grande hidrelétrica, e sua eletrificação já atrai empresas brasileiras, as quais lá se beneficiam de custos mais baixos, desta forma aumentando suas condições de competitividade.

É imoral pensar pequeno. E estrategicamente desastroso.

Somos a sexta economia do mundo, quarto território do planeta (lembremos, 8.500 mil km2), 200 milhões de habitantes, um litoral de quase 8 mil km de extensão, uma fronteira terrestre com cerca de 17 mil km, limítrofe com dez países, 50% do território e da produção da América do Sul.

Para o bem e para o mal, somos, isoladamente, a única expectativa de potência regional. Negar esta evidência significa manter-nos reféns de interesses que obstaculizam nosso desenvolvimento, e, por conseqüência, o bem-estar de nosso povo.

Leia mais em www.ramaral.org

 

Redação

3 Comentários

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  1. Artigo insonso

    Quer o Mercosul ou não?

    Quer o Brasil potência regional ou não?

    Falta clareza nos pontos de vista e paixão para defender o que acha certo.

    1. Idéias perigosas, que o Roberto flerta no artigo

      The Two Most Dangerous Ideas

      Posted by 

      idea-3

      There are two ideas that have been responsible for killing more people than anything in history and they both came from the French elite. The first was the idea that land was wealth. This was propagated by the Physiocrats who argued agriculture was the wealth of a nation. Adam Smith’s Wealth of Nations was a direct response to that idea showing that the true wealth of a nation was its people and its total productivity.

      This old world concept remains the greatest problem that plagues Russia to this day with the concept that landmass means power. Those that cheer Russia is getting bigger do not bother to look at the economic facts. Under this theory that landmass is power, then why did Japan reach the second largest economy  with only 145,925 square miles with a GDP of about $4.866 trillion and Algeria with 919,595 square miles reached only $325 billion GDP?  Russia does not need more land. It has 6,592,800 square miles. However, its economy is half that of Japan even on a bad day – just $2.383 trillion with all its oil, gas, gold and platinum reserves of which Japan had none.

      If Russia focused on building its economy as did China, it could be a major economic power. Landmass does not make a country great. It is the total productivity of its people who constitutes its National Wealth.

       

      French-Elite

      The second idea to come from the French Elite has been Communism and this notion of “social justice.” Europe thought that what made American economically powerful was a single currency. They failed to see that its taxes were half of that in Europe and the regulations promoted small business formation rather than suppress it. The European who cheered the Euro was more valuable than the dollar missed the entire point of economics just as Russian who only see Russia getting bigger and that is most important.

      Europe failed to understand that it is the people who are a nation’s greatest asset and their total productivity. This is why Communism failed for it suppressed the very element that makes a country rich – the total productivity of its people.  Communism was a French idea they sold to Marx. The French elite like Christine Lagarde and Thomas Piketty are at it again determined to impose their brain-dead idea of “social justice” upon the world that made Russia so hated. No other idea has been responsible for more wars and the death of millions than this French idea of “social justice”.

      To survive the future, it is time to realize “social justice” suppresses economic growth and lowers the living standards for everyone. Not every country can have a trade surplus. Someone has to have a trade deficit. This theory is simply insane. It is indistinguishable from handing out the same grades in school regardless if the students show up at all for we have to be fair to everyone. This is about as stupid as thinking that landmass equals power. Both of these ideas threaten our future like nothing ever before. If we are not careful, we will once again see half the population of the world killed by these two terrible ideas,

       

      1. Péssimos exemplos

        Utilizar o Japão como exemplo de país de território pequeno para exemplificar que tamanho não faz diferença é pura ignorância. Certo, o Japão não é um país baleia como Brasil e Rússia. Porém, não é um país pequeno. O Japão é maior do que a Alemanhã em tamanho, ou a Alemanhã também é um país pequeno?

        Mais importante que tamanho. O Japão tem uma população quase igual a da Rússia (algo como 20 milhões de pessoas à menos). Dessa forma, por favor, não cite o Japão como um país pequeno que deu certo. O Japão é um país grande que deu certo, foi o maior propagador de políticas de assitência social desde sua reconstrução. Boa porte de seu sucesso é consequência da assistência e presença governamental forte por lá. Isso mudou recentemente, e agora o Japão é um país grande rico e em uma crise eterna. Crise causada por falta de consumo. Não se preocupe, se os intelectuais franceses não conseguirem mudar a cabeça dos conservadores Alemães e Britanicos, a Europa também entrará na mesma crise causada pela deflação (muito pior e mais difícil do que a inflação).

        Os impostos são sim uma maneira de justiça social, e essa ao longo do tempo se mostrou extremamente eficaz (ao contrário do que muitos conservadores pensam). Olhe o mapa da Europa e veja o quanto cada país arrecada e gasta em impostos. É fácil ver que os nórdicos arrecadam e gastam muito mais do que os outros (a Alemanhã vem logo atrás). Países como Dinamarca, Bélgica e Suécia arrecadam em impostos 49%, 47% e 46% (em porcentagem do PIB) , respectivamente. O Brasil, segue com 34% (valor mais alto de arrecadação que já chegamos, ainda muito baixo).

        [dados da Heritage Foundation (Até os conservadores assumem isso)]

        Os EUA não são o exemplo contrário, apesar das pessoas acharem isso. Se juntarmos os gastos Municipal, Estadual, e Federal (são bem separados e normalmente só encontramos o dado federal) chegamos a 40% do PIB. Isso não é pouco, ainda mais para um país que não oferece saúde pública e outros serviços sociais básicos.

        A conclusão é que a boboseira que o Japão é um pequeno que deu certo é besteira, e que pouco imposto significa boa vida é mais besteira ainda.

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