O Brasil sem educação, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

Por Luciano Martins Costa

O erro constatado em um conjunto de planilhas da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), com os números de 2013, divulgados na quinta-feira (18/9) pelo IBGE, foi pouco explorado pela imprensa no fim de semana. Na verdade, os dados produziram um curioso editorial no jornal O Estado de S. Paulo, que reconheceu na segunda-feira (22/9) uma melhora gradual nas condições de vida do brasileiro nos últimos anos e contradiz as manchetes negativas publicadas na sexta-feira sobre o mesmo assunto.

A correção de informações sobre o índice de Gini, que mede a desigualdade de renda domiciliar, elimina o argumento usado pela mídia tradicional para desqualificar a política econômica e os projetos sociais do governo. Com os números corretos, a imprensa se vê obrigada a voltar atrás e afirmar, ainda que de forma dissimulada, que “vive-se melhor no Brasil”, como diz o editorial do Estado. Evidentemente, como não podia deixar de ser, a mídia observa que ainda há muito a fazer, principalmente no que se refere ao resgate das populações que ainda vivem em condições degradantes.

O erro cometido por técnicos do IBGE será apurado em cerca de trinta dias, segundo anunciam os jornais. Mais interessante do que isso, porém, é constatar como a imprensa, em peso, recebeu e digeriu gostosamente os indicadores errados, aproveitando-os para criticar a política econômica e social, sem perceber que havia ali uma contradição importante. A incongruência dos dados sobre desigualdade era evidente, como destacou este observador na sexta-feira (ver aqui).

Nas estatísticas complexas, que medem fatores diversificados, é preciso ler as relações cruzadas e analisar as tendências, ou seja, leva-se em conta a direção que os fatos tomam em determinado período, no seu conjunto e em questões específicas. Por exemplo, no caso da renda média do trabalho é importante considerar não apenas o valor dos salários formais, mas também a receita do trabalho informal e a redução da mão de obra infantil.

O que a imprensa fez, diante da pesquisa do IBGE, foi garimpar os dados negativos e publicá-los com destaque, sem considerar o emaranhado de relações entre os fatores retratados e o contexto geral de evolução do quadro social.

Ignorância e preconceito

Há um aspecto importante no qual os jornais acertaram, mesmo levando em conta a correção do erro nas planilhas do índice de Gini: o principal desafio do Brasil é melhorar a qualidade da educação. No entanto, o debate proposto pela mídia tradicional vai na direção errada: nossa tragédia não é apenas a baixa qualidade do ensino oferecido pelo sistema escolar oficial – o problema é o analfabetismo funcional de grande parte da sociedade, incluída a própria imprensa e seus leitores típicos, que compõem a elite social e econômica do país.

Assim como um aluno da escola pública da periferia tem grande dificuldade para elaborar um texto compreensível ou para compreender um texto de relativa complexidade, boa parte dos brasileiros com muitos anos de escolaridade sofre de um grave bloqueio na hora de ler a realidade nacional. Entre esses analfabetos funcionais pode-se alinhar um enorme contingente de jornalistas, muitos deles assentados em cargos de responsabilidade nas redações ou agraciados com espaços generosos nos principais meios de comunicação.

O típico estudante da periferia tem dificuldade para compreender um texto de geografia, tanto quanto um assinante de jornal tem dificuldade para fazer a leitura crítica do texto jornalístico. As duas deficiências têm origens diferentes, mas produzem um fenômeno comum de má educação: o analfabeto funcional que não sabe interpretar um texto e uma elite que se nega a conhecer a realidade. Num caso, falta vocabulário; no outro, sobram preconceitos. A mídia tradicional deseduca um e outro com sua pauta de futilidades, seu conservadorismo e seu viés reacionário.

A educação precisa ser vista como uma das funções da comunicação. Trata-se de capacitar os indivíduos para que construam um pensamento da realidade o mais próximo possível da natureza da realidade. Nesse sentido, deve-se fazer com que a tarefa de educar seja ampliada do ambiente escolar para toda a sociedade, e a imprensa deveria ter um papel fundamental nessa missão.

Mas imprensa não pode educar se ela não tem educação.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

26 Comentários

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  1. E nesses tempos de Big

    E nesses tempos de Big Brother; linchamento da menina que chamou o rapaz de macaco; que pessoas acreditam em palno comunista para dominar o Brasil, esse artigo do Luciano soh vem para confirmar que estamos F* com a qualidade da midia de massa no Brasil.

    Talvez, isso jah venha mudando, muito pouco, mas vem. Por exemplo, temos um crescente numero de pessoas que detestam os programas da Venus Platinada e que nao confia mais nas informacoes dadas pelos grandes jornais. Isso tudo foi culpa do PT, sujeito passivo, mas como bambu, foi apanhando, apanhando fazendo com a midiazona soltasse os cabelos e as se desvencilha-se das amarras do pudor: “somos oposicao meRmo”. Inevitavelmente, todo partido que surge contra levanta um a favor. Esse a favor nada mais eh do que a imutavel percentagem do PT no eleitorado brasileiro.

  2. matou a pau ao chamar

    matou a pau ao chamar alguns

    jornalistas e olunistas da velha grande mídia dita golpista de

    anafabetos funcionais.

    por mais que deduzíssemos isso,

    nossa opinião não tem a mesm a

    dimensão que tem a do brilhante

    analista luciano martins costa,

    que sempre leio no observatório da imprensa.

    a linguagem da mídia deveria ser ensinada

    – criticamente, senão não valeria nada –

    nas escolas,

    pelo menos na universidade,

    onde deve haver estudos sobre o tema,

    como já faz uma univesidade fluminense

    com o tal do  manchetometro,

    que dignifica a academia brasileira.

    é preferível chamar esses jornalistrs

    equivocados de

    nalfabetos funcionais,

    porque se formos mais fundo, eles seriam considerados

    lesa-pátria,

    um termo demasiadamente verdadeiro talvez que provocaria reações que sequer poderíamos imaginar.

  3. Alguém considera a
    Alguém considera a possibilidade de erro proposital para obrigar a mídia a dar uma maior cobertura aos dados corretos que são LEVEMENTE mais favoráveis?

      1. Estatísticas “levemente”….

        Se a questão fosse de levemente pra cima ou para baixo, mas não o é na proporção com que a imprensa esconde, sistematicamente, o levemente para melhor e potencializa, semióticamente, o levemente para pior, transformando tudo em uma enorme intenção de uso deliberado de cair para um dos lados do muro, dissimulando parcialidade e desonestitade intelectual.

        Tudo bem que as tiragens dos jornais estão cada vez menores, mas as consequência, sabemos, ainda não são levemente prejuízos para o outro lado do muro… 

        Ou será que a imprensa aderiu ao esquema 1,99 de vendas de mercadorias vagabundas em escala?

    1. Ou…..

      Ou sabotagem?

      É Athos, é muito estranho que o erro seja corrigido em apenas um dia….

      Será que foi conferido e reconferido?

      Ou apenas um erro  de revisão?  Coitado deste revisor…… Como se ele não estivesse subordinado a alguém….

      Vamos aguardar os próximos capítulos.

    2. Caraca, tu tah viajando

      Caraca, tu tah viajando Athos. Esse fato soh desgata ainda mais o IBGE como todas as instituicoes serias do Brasil que passaram a sofrer ataques devidos aos bons numeros do Governo. Funciona da mesma forma que o Instituto do Reeleicao. Antes, compraram ateh voto para que isso fosse introduzido, hoje, depois de derrotas consecutivas, o pessoal age como aquela crianca cafe com leite nas brincadeiras dizendo que isso “nao vale”. Sem contar que quando  eles estiveram na presidencia, a urna eletronica jamais foi objeto de duvida. Enfim, na derrota  insistente se apela para tudo.

      1. Matou a pau, Francy Lisboa!

        Matou a pau, Francy Lisboa! Ótimo! Melhor do essa, só a conclusão genial feita pelo autor do artigo comparando o analfabetismo funcional de parte da população mais carente brasileira com a de certos jornalistas  e assinantes muitíssimo bem escolarizados.

  4. Errinho à toa

    É sério este assunto. Vários setores do governo têm cometido erros sempre contra o governo pt. Converse com alguem no setor de energia e a conversa é a seguinte: “meu primo que trabalha na chesf disse que a coisa tá feia…”, e eu replico: “não podia estar melhor”. Outro dia falei com um gerente de uma grande empresa energëtica que me disse o ruim de sempre e eu tive que provar para ele que ele dizia bobagens. O site da ons apresenta o mapa das linhas “planejadas” no país para a realidade de…2014, que já está terminando. Os sites das agências são todos lacônicos em tudo que é bom do governo. O site do PAC é um desastre, esconde e confunde tudo e nunca destaca grandes obras concluidas. Para mim são todos trairas.

    Alguem viu o destaque da palletra de Zimemrman da ons sobre o que poderia ser o setor enegético hoje se a Dilma não tivesse feito a MP 579? Escândalo positivo e escondido. Nenhum destaque nas agências do governo. Fico falando dele e os ouvintes me julgam idiota. E olhe que nem o nassif se destratou das bobagens que disse.

    Há milhares de trairas recebendo salário e escondendo e falseando o que é bom. E olhe que não estou falando de especialistas que  a interesse póprio falseiam suas informações. Há pouco li no estado de minas um artigo de um destes especilaista que já avaliava o prejuizo do apagão de 2014. Outro “informou” que o prejuizo seria muito maior do que o do fhc porque o governo Dilma mentiria sobre o apagão até a última hora, e aí…. 

    O erro do IBGE, que tem grande possibilidade de ser orquestrado, tomara que não, é recorrente em vários setores do governo. Tem muito traíra por ai. Mauricinhos. O pig domina tudo.

  5. Erros em planilhas e Educação

    O mundo e a natureza não dão saltos, já diziam nossos avós. Corrigir séculos de uma cultura de acomodação e desapego ao estudo é dificílimo, ainda mais hoje, na era do ‘copia e cola’ da Internet. Déficit de atenção em sala de aula é uma tônica, alunos e professores ainda mal preparados para a tarefa de construção e transmissão de conhecimentos também. Métodos antiquados contribuem para esse quadro. Celulares e outros aparelhos deveriam ficar desligados durante as aulas, mas isso nem sempre ocorre, ou, alternativamente, dever-se-ia usar a Internet como ferramenta de ensino, já que todos querem brincar nela, mas nesse caso teriam que controlar os sites que estariam disponíveis e que seriam utilizados. Assim mesmo há que se reconhecer alguns avanços importantes – o qual é feito por organismos como a UNESCO. Com relação a erros em planilhas do IBGE, reparo que a Globo, que ironizou o fato em manchete de primeira página, reparo que a empresa tem apresentado numerosos erros em ‘numerozinhos’ de suas últimas declarações de renda. Os processos fiscais que âs vezes somem na RF são a prova mais eloquente disso … (grande e educativo exemplo essa empresa de comunicação e entretenimento nos dá a todos, não é mesmo?). 

  6. Centésimo de Milésimo

    Qualquer centésimo de milésimo de qualquer coisa que servir para atacar o governo do PT virará manchete nesta mídia partidarista!

    Alguns órgãos do governo são escancaradamente anti-petistas entre eles está o IBGE, a Polícia Federal, etc.

  7. o exatamente
    Assim que se combate e faz o contra ponto.
    O som do bom instrumento fazendo a harmonia com a nota errada num voo solo nos faz da quebrada a musica. O sincronismo perdido ganhando novos caminho quando quebrando internamente entre criticas mal educadas e remoendo, comendo o estomago dos abustres.

  8. Um dos centros da discussão

    Um dos centros da discussão que travo com meus opositores políticos é exatamente o papel da imprensa nesse contexto que advém desde o primeiro governo do PT em 2003. 

    O que me espanta não são os analfabetos funcionais, pobres ignorantes que só piedade merecem. Também não amargo decepção, por óbvio, dos destituídos de educação formal e que se guiam fielmente pelo verberado nas mídias, principalmente nas redes sociais. 

    Causa horror mesmo são pessoas dotadas de pleno gozo intelectivo enveredarem pela desonestidade quando negam esse partidarismo explícito de parte da imprensa. Mais: ainda encampam uma  inversão de papéis quando imputam ao PT o desejo de censurá-la. De vítima, os governos e o partido passam a algozes e bandidos. 

    Entretanto, o mais desastroso seria enfrentar esse entrave, essas relações azêdas com as mídias via qualquer esforço para reduzir seu papel social, qual seja, o de informar livres de qualquer ingerências ou óbices, se não os previstos na Lei. O caminho, árduo, reconheça-se, seria  pela regulação da propriedade cruzada dos meios de comunicação, uma prerrogativa que ensejou o surgimento de matrizes de um Poder quase intócavel e que paira acima de tudo e de todos. 

     

  9. Bravo, Luciano!

    “nossa tragédia não é apenas a baixa qualidade do ensino oferecido pelo sistema escolar oficial – o problema é o analfabetismo funcional de grande parte da sociedade, incluída a própria imprensa e seus leitores típicos, que compõem a elite social e econômica do país.”

    Resumiu praticamente toda a questão nessa frase. 

  10. Já que o assunto é educação,

    Já que o assunto é educação, bem que o governo poderia pagar os professores que participam do pronatec. Ou ainda parar de divulgar cursos inexistentes.

    Lembrarei de tal fato em 5 de outubro

      1. Vou “colar” minha irmã no

        Vou “colar” minha irmã no corpo da mensagem…

         

        Trabalha há quase dois meses no pronatec, dando aulas para imigrantes haitianos. Até agora nada de pagamento. A desculpa é que o ministério não havia liberado a verba… 

         

        contratam, mas não liberam a verba.

         

        Os alunos haitianos comentaram também que foram procurar diversos cursos oferecidos pelo governo. Tais cursos simplesmente não existem.

         

        É esse o programa de excelencia do governo?

         

        Deixe tua arrogancia de lado.

         

        Trabalhar sem receber salário é trabalho escravo!

         

         

         

        1. Nooossa. Que porrada voce me

          Nooossa. Que porrada voce me deu meu caro. Com certea o exemplo de mau funcionamento do PRONATEC fornecido por você pode ser extrapolado para todo o Brasil. Provavelmente se eu pegar professores no Rio de Janeiro e em outros estados estes irão relatar os mesmo problemas. De fato, o problema com a falta de pagamentos com sua irmã é suficiente para dizer que o PRONATEC não funciona em todo o Brasil, pois como todo grande Política Pública, erros NÃO costumam acontecer, quando ocorrem, é melhor…generalizar.

          E ainda vem com papo de arrogância? Sei…

          1. Esse é amante do Sofisma
            Aqui em Salvador, minha irmã é professora substituta no Senac, ensina nos cursos do Pronatec e recebe rigorosamente em dia pelas turmas em que dá aulas.
            Digo e posso facilmente provar….
            Quanto aos sofistas… não sei…

          2. Quem paga os salários da sua

            Quem paga os salários da sua irmã? O proprio Senac??

             

            Sei que tem instituições que tem feito o seguinte, por ex. O pronatec paga 50 por aula. A instituição repassa apenas 25 para o professor. 

             

            Trabalhar de graça, ser tratada como otária, é sofisma? 

             

             Se teu empregador não pagar teu salário, pelo jeito vc vai gostar…

          3. Se o problema é generalizado

            Se o problema é generalizado não importa. É fácil falar “olha só. São apenas poucas pessoas que não têm recebido o salário”. Desde que não seja você que o lesado, né?

            Vá fazer isso numa empresa privada…

  11. “A educação precisa ser vista

    “A educação precisa ser vista como uma das funções da comunicação. Trata-se de capacitar os indivíduos para que construam um pensamento da realidade o mais próximo possível da natureza da realidade. Nesse sentido, deve-se fazer com que a tarefa de educar seja ampliada do ambiente escolar para toda a sociedade, e a imprensa deveria ter um papel fundamental nessa missão. Mas imprensa não pode educar se ela não tem educação.”

    Eis aí uma síntese preciosa de um dos maiores problemas do país.

    Segundo o pensamento de Lao Tseu, ao ser perguntado pelo Rei sobre o melhor modo de manter seu reinado, assim se expressou:

    “Enchei as barrigas e esvaziai as cabeças; Fortalecei os ossos e enfraquecei os espíritos, pois instruir o povo é arruinar seu reinado.”

     

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