O DNA da História, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

Por Luciano Martins Costa

Os jornais de sexta-feira (30/1) destacam, em suas primeiras páginas, o déficit das contas públicas que marca o encerramento do ano fiscal de 2014, a decisão da Petrobras de reduzir o ritmo de obras e a perspectiva de suspender o pagamento de dividendos aos seus acionistas, além de referências à disputa pela presidência da Câmara dos Deputados e, claro, novos registros sobre a crise de abastecimento de água na região Sudeste. O desemprego caiu para 4,8% no ano passado, mas apenas a Folha de S.Paulo cita esse fato na primeira página.

O conjunto do noticiário pode ser visto a olho nu, ou sob as lentes da mídia, que supostamente mostram as frações mais relevantes da realidade. Houve um tempo, no jornal O Estado de S.Paulo, que se aplicava na produção da primeira página o conceito batizado com o imodesto nome de “DNA da História”: tratava-se de uma orientação geral para que os editores indicassem para os destaques, preferencialmente, as notícias que tivessem mais potencial para representar a contemporaneidade.

Mas esse é um tempo passado. Hoje em dia, a observação da imprensa exige que se aplique sobre seus conteúdos a lente da interpretação de motivos. No caso do noticiário econômico, por exemplo, essa lente revela o efeito dissimulador sobre o significado de fatos aparentemente contraditórios convivendo numa mesma página: num texto, o Brasil afunda em uma crise grave; em outros, o desemprego continua caindo e o investimento direto de capital estrangeiro segue em alta.

Há detalhes que poderiam ajudar o leitor a entender as entrelinhas que serpenteiam abaixo dos títulos. Por exemplo, o rendimento do trabalho subiu 33,1% entre 2003 e 2014 e houve uma mudança no eixo do desenvolvimento, sob o ponto de vista dos salários: pelo quinto ano consecutivo, constata-se que os trabalhadores da região metropolitana do Rio de Janeiro ganham mais do que seus colegas da capital paulista. Paralelamente, pode-se observar que o desempenho da indústria paulista continuou em queda, no período escolhido pela imprensa para mensurar os dados econômicos.

Dois olhares

O noticiário significa pouco se o leitor não colocar os indicadores em perspectiva, ou seja, numa economia globalizada, cada aspecto da realidade local precisa ser confrontado com a realidade planetária. Por exemplo, se há um ajuste na política econômica em função do déficit das contas públicas, convém avaliar os potenciais efeitos colaterais sobre a saúde do organismo ao qual o Estado deve servir.

Não são poucos os casos em que um remédio para o coração provoca a falência múltipla de órgãos. Essa foi a constatação feita nesta semana, por exemplo, pelos eleitores gregos.

A mídia genérica que alcança a maioria do público leitor tem um viés catastrofista em relação ao Brasil, mas não consegue distorcer tudo. Por exemplo, num canto de página da edição de sexta-feira (30/1) do jornal O Estado de S.Paulo o indivíduo enxerga o título de três linhas em uma coluna: “Brasil fica em 5º como destino de investimentos”. Abre com uma visão positiva, mas em seguida desanda para o pessimismo.

Já no especialista Valor Econômico, a mesma notícia tem outra interpretação, mostrando que, num cenário internacional de retração, o Brasil subiu de 7º para 5º lugar entre os destinos de investimentos produtivos.

Quando um dos grandes diários de circulação nacional se vê obrigado a publicar uma notícia positiva, imediatamente se seguem os “poréns, contudos, todavias”. No caso do investimento estrangeiro direto, não dá para esconder o fato de que o Brasil subiu duas posições na disputa global por dinheiro aplicado em negócios – que é diferente do que vai para o mercado de ações. Também não se pode omitir, sob pena de sacrificar a credibilidade, que o Brasil superou todos os países europeus, segundo os dados da ONU.

Se colocada em destaque, a notícia abriria a possibilidade, por exemplo, de expor o modelo adotado pela Europa para combater os efeitos de longo prazo da crise financeira de 2008, em comparação com a escolha brasileira de estimular o mercado interno a partir de projetos sociais que resgataram milhões da pobreza e da política de valorização da renda do trabalho.

No texto de apenas quatro parágrafos, a notícia positiva só aparece no primeiro parágrafo e é soterrada pelos aspectos negativos. No entanto, o texto que foi distribuído pela ONU avalia o desempenho da América Latina, informando que o investimento estrangeiro caiu em praticamente todos os países da região, inclusive o México. No Brasil, aumentou 8%.

Também acontecem coisas boas. Mas a chamada grande imprensa só pensa naquilo.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Sabe o que este artigo tá

    Sabe o que este artigo tá parecendo? Aquelas reuniões de resultado de empresa, quando ao invés de analisar as causas e soluções melhorar algum ponto ruim, o funcionários se debruçam sobre o tema no sentido de como “melhor” apresentar os números. Em geral, tentam mostrar que o que está ruim, não é ruim, mas um ponto de melhoria. O que no final do dia, é a mesma coisa, um resultado ruim.

    Temos que falar mais sério nesse pais. Escrever um artigo desse para dizer que a notícia deveria ser passada assim ou assado, desvia o foco. E um dado muito importante: a análises são privativas do veículo, do jornalista, mas os números não! 

    Se um tarifa aumenta, ela aumenta. Se uma empresa tem prejuízo, ela tem prezuízo. Você pode contar essa história de mil formas diferentes, mas a notícia é amarga mesmo assim.

    Desemprego de 4,8% com ambiente institucional e economico atual não é sustentável. Então, é melhor destacar e combater as causas das turbulências e, então, torná-lo “notícia de primeira página”. Caso contrário, o veículo não está dando destaque ao que causa preocupação e é importante, mas fazendo propaganda.

    Legal falar do pontos positivos quando eles são estáveis, e não intermitentes, como o dado do investimento – que vai e vem com alta de juros, variação do dolar, e um periodo de turbulência – que faz com que, por exemplo, empresas fiquem em dificuldades, podendo ser compradas por preços inferiores. 

    É esperando um ano de fusões e aquisições, o que levará a um movimento de entrada e saida de investimentos. Mais um vez, não se trata da consolidação de uma posição, como se o Brasil fosse destino seguro de investimentos. Então, quando isso acontecer, essa notícia valerá destaque.

    Portanto, acho que falar da notícia e não como ela foi veiculada, é um tanto mais importante. Mas cada um é cada um – até a desejada regulamentação, que Deus a tenha e fique por lá.

     

     

     

  2. Fractos ( F1,F2,F3,…,Fn)
    É um tempo pós hipnótico, pós subliminar. Talvez uma época muito além dos múltiplos pesos e medidas a pretextos multidimensionais. Algo de busca por colapsos. Que vende a salvação. Que nega a negação. Seria isto o tal mundo fundamentalista? O limbo estético das reinicializações temporais ? A vida secreta das bactérias do dinheiro em mutação devido a extinção de seu meio ? – Quem saberá os efeitos catastróficos no mercado de derivativos que isso possa causar – Mas não importa, pois se o dólar está em alta, raciocine com seus bordões: até onde as limitações das cadeias proteicas podem te acompanhar ?

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