O governo, seus zumbis e seus fantasmas, por William Nozaki

O governo e seus zumbis

Como se sabe, os zumbis são figuras catatônicas que vivem a perambular agindo de forma estranha e instintiva, trata-se de mortos-vivos que, abatidos por morte cerebral e desprovidos de oxigênio, saem de suas tumbas para perseguir mecanicamente e insistentemente quem quer que esteja no seu caminho.

No Brasil de hoje tudo se passa como se, atônito, o governo fosse cúmplice e vítima da ressuscitação dessas assombrações, trazendo de volta os piores zumbis da Nova República, encarnados sob a forma do peemedebismo, do neoliberalismo e tantas outras patologias que insistem em criar uma relação promíscua entre as esferas pública e privada.

Não é nenhuma novidade o modo como o governo Dilma encerra esse primeiro semestre em estado letárgico depois de ter cambaleado enfrentando problemas relacionados a governabilidade; ao ajuste; a corrupção; a popularidade e ao avanço conservador e golpista.

Depois de escolher como representante da articulação política do governo o PMDB, Dilma ficou refém do triunvirato composto por Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, o resultado: tornou-se mais suscetível aos ensaios de ruptura apresentados pelo peemedebismo, às vinganças de Calheiros e às bravatas e sandices de um Cunha agora tão perigoso quanto desesperado. A recente explicitação da ruptura pessoal de Cunha com o Executivo sinaliza o claro enfraquecimento do presidente do Congresso, mas dificilmente ele tomba sem deixar atrás de si um rastilho de podridão e pólvora.

Mais ainda, depois de terceirizar a direção da política econômica para a ala liberal do mercado o governo conseguiu a proeza de desagradar sua base social, refreando investimentos públicos, gastos sociais e produzindo ligeiro aumento do desemprego e da inflação, ao mesmo tempo em que não angariou apoio das elites empresariais e dos endinheirados. Como era de se esperar, o desaquecimento econômico produziu redução na arrecadação e o ajuste já precisa ser reajustado. Ainda que a redução da meta de superávit primário seja positiva, sua combinação com a elevação da taxa de juros só sinaliza para um período de maus agouros.

Para temperar esse quadro já adverso, os desdobramentos da Operação Lava Jato colocam mais água no caldeirão e mais lenha na fogueira. O julgamento e a punição de políticos corruptos e empresários corruptores é mais do que bem-vinda, mas ao se estruturar em torno de vazamentos seletivos de informações, presunções de culpa e delações premiadas a Operação concorre para deixar o conflito político ainda mais tenso, na medida em que instaura o clima de “deus nos acuda” entre políticos dispostos a qualquer medida para esconder seus canais obscuros e mecanismos escusos de financiamento de campanha, e, no mesmo compasso, aquece a temperatura do “salve-se quem puder” entre os empresários que, inseguros, tendem a diminuir seus planos de investimento, contribuindo para a piora na desaceleração econômica.

O resultado não poderia ser diferente, 70,9% consideram o governo péssimo ou ruim; 79,9% desaprovam a o desempenho pessoal de Dilma e 62,8% das pessoas são favoráveis ao impeachment da presidenta. Enquanto isso o Congresso Nacional promove o avanço de uma agenda conservadora que ameaça a Constituição de 1988 e setores da oposição discutem possibilidades e calendários para impedir e/ou inviabilizar o governo Dilma.

Mas, afinal, o que deu errado nesse perturbante semestre? As análises conjunturais tendem o culpar ora inabilidade pessoal da presidenta ora a falta de coordenação política do governo. Entretanto, como lembrou Renato Janine Ribeiro em artigo recente, mesmo que Dilma fosse boa negociadora (e sabemos que ela não o é) seria desejável se articular com um parlamento tão imerso em corrupção? Mais ainda, como tem notado André Singer em suas análises, mesmo que o governo dispusesse de uma boa agenda positiva (e sabemos que ele não a tem) seria possível dar continuidade ao modelo de concertação lulista em que ganhavam tanto empresários quanto trabalhadores?

 

O governo e seus fantasmas

Posta a questão nesses termos, parte das análises “progressistas” acontece com os sinais trocados. Dilma passa a ser criticada por aquilo que ela tem de positivo: sua resistência contra negociatas e articulações duvidosas que estão na origem da corrupção e do anti-republicanismo. Ao mesmo tempo, passa-se a demandar da presidenta como solução aquilo que ela tem de limitado: o retorno ao projeto lulista – hoje impraticável – em que se combine a melhora da renda dos de baixo e da riqueza dos de cima.

Sendo assim, para além de questões conjunturais, o problema enfrentado pelo governo Dilma é o esgotamento de um padrão de desenvolvimento e a ausência de uma alternativa para colocar no seu lugar. Ao invés de buscar no futuro uma alternativa para o lulismo, Dilma preferiu procurar no passado uma resposta para as questões atuais, o resultado: ao longo dos últimos anos o governo tem dialogado com atores sociais inexistentes, verdadeiros fantasmas, espíritos desencarnados que já não habitam entre nós. Vejamos dois exemplos: o fantasma do empresariado industrial desenvolvimentista e o fantasma da nova classe média.

Em seu início, o governo Dilma buscou promover um avanço da agenda industrialista adotando como diretriz o combate aos ganhos exorbitantes do sistema bancário e do mercado de capitais por meio da redução da taxa básica de juros. A perspectiva do velho desenvolvimentismo tende a tratar de maneira dicotômica o parque industrial-produtivo e o sistema bancário-financeiro, como se fossem oponentes. No entanto, depois de mais de duas décadas de câmbio valorizado e de juros elevados, não só as empresas exportadoras passaram a diversificar suas atividades tornando-se também importadoras, como o investimento produtivo passou a se imbricar de forma indissociável com a aplicação financeira. Isso significa que industriais e rentistas são rigorosamente a mesma figura.

Nesse cenário, a hipótese orientadora da política econômica mostrou-se problemática, o governo supôs que a redução dos juros – somada a outras medidas de ampliação do investimento público e de concessões e parcerias com a iniciativa privada – seria o suficiente para a retomada dos grandes investimentos empresariais produtivos, com isso subestimou o fato de que a diminuição da Selic impactaria negativamente os ganhos financeiros dessas mesmas empresas que, ao fim e ao cabo, preferiram utilizar os estímulos ao investimento concedidos pelo governo não para o avanço da produção, mas para a cobertura das perdas com as finanças promovida pela política monetária desse mesmo governo.

Noutras palavras, Dilma contava com um empresariado industrial desenvolvimentista que não existe mais, imaginou governar para um Roberto Simonsen quando tinha diante de si um Jorge Lemann.

Em equívoco análogo, ainda no começo do primeiro mandato, o governo também passou a adotar o discurso da existência de uma nova classe média. A redução da miséria e da pobreza, a ampliação do mercado formal de trabalho e a melhora na distribuição de renda provocaram um impacto positivo na estrutura social brasileira. Tratava-se de recompor o mercado de trabalho esgarçado pelos impactos do neoliberalismo da década de 1990. No entanto, ao invés de se dedicar a compreender a nova estrutura ocupacional, marcada pelo trabalho imaterial, pela importância crescente do conhecimento e da tecnologia nos processos produtivos, pelo avanço do setor de serviços, em comparação com a agricultura e a indústria, o discurso oficial enveredou pela fórmula fácil de enquadrar a maior parte da população nessa categoria amorfa e problemática chamada “classe média”.

Ao definir o Brasil como um país de classe média o governo reduziu cidadãos a consumidores e abriu brechas para a construção de identidades que priorizam o mercado em detrimento do Estado e que preferem crer muito mais no poder individual da meritocracia do que no impacto coletivo das políticas públicas. Com isso não conseguiu perceber o que acontecia diante dos seus olhos: o surgimento de uma nova experiência da classe trabalhadora. Essa nova classe trabalhadora, ocupada no comércio e nos serviços, não se concentra mais na planta produtiva das fábricas, não se tratam mais de operários alinhados ombro a ombro, essa nova classe trabalhadora se encontra dentro dos ônibus, nas filas do banco, nos corredores dos shoppings, nas salas de espera dos aeroportos, sua sociabilidade passa menos pela vida fabril e muito mais pela vida urbana, na cidade.

A propósito, não foi outra a mensagem originária das Jornadas de Junho de 2013, quando para além dos direitos trabalhistas a população passou a demandar o direito à cidade. Uma vez mais o governo cedeu à interlocução com um fantasma, Dilma imaginou dialogar apenas com os trabalhadores organizados e sindicalizados ou com os descontentes do Serasa quando tinha diante de si uma nova multidão, com novas demandas e novos desejos.

Sem enxergar com clareza o novo perfil do empresariado nacional e a nova experiência da classe trabalhadora brasileira o governo continuará fadado a viver esse clima de assombração, correndo de zumbis e buscando apoio de fantasmas.  

William Nozaki

8 Comentários

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  1. ‘A propósito, não foi outra a

    ‘A propósito, não foi outra a mensagem originária das Jornadas de Junho de 2013, quando para além dos direitos trabalhistas a população passou a demandar o direito à cidade.’

    Ia bem até o final onde demonstrou que não entendeu as manifestações ‘espontâneas’ de 2013. É muita ingenuidade achar que aquilo era o novo querendo surgir… Aquilo era o programa de ‘primaveras’ articulado pelo império que funcionou para derrubar governos no oriente Médio (e piorar a vida da população) na Ucrânia (conseguindo dividir o país), e vem tentando na Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia, Chile e Brasil.

     

     

    1. Arrego!!!

      Putz! Rios de tinta, quilômetros de papel, trilhões de neurônios de cientistas sociais foram gastos para analizar os eventos de junho de 2013, e vem agora o Orlando com a sua fórmula singela e simplória!!!…

      Não dá!!! A essas alturas do campeonato, dizer isso que o Orlando disse só pode ser sinal de que ele, como todos os da linhagem ideológica dele, permaneceram o tempo todo com a cabeça no buraco. Isso, na verdade, é sintomático. Isso é prova de que o governismo se descolou da realidade há muito tempo.

      Orlando, vou deixar uma pista pra você e pra todos os governistas que agora estão acordando pra realidade, sobre um mapa de orientação para entender os eventos de junho de 2013: https://jornalggn.com.br/blog/ricardo-cavalcanti-schiel/ainda-os-enigmas-de-junho-de-2013

      Um primeiro esboço exploratório eu mesmo apresentei em uma conferência num centro de pesquisa espanhol, logo depois daqueles acontecimentos. O texto dela está aqui: https://www.academia.edu/3851077/El_incendio_pol%C3%ADtico_en_Brasil

      Pelo menos saiba que muita gente já pensou sobre esses fatos. Não queira colocar a cabeça no buraco de novo. Isso não vai te fazer bem.

      1. Os tais movimentos foram

        Os tais movimentos foram movimentos de classe média. Não foram movimentos populares de reivindicação. A matéria-prima deles era uma insatisfação artificial de natureza existencial, que foi generalizada pelas redes sociais e pela mídia. Os vinte centavos foram apenas uma chave falsa de detonação. As angústias de uma classe média trabalhada permanentemente por uma mídia de espetáculo que acabou com a vida política e reduziu a arte a zero, onde a palavra de uma atriz idiota e iniciante vale mais que a análise de um grande mestre, estas angústias de, para um exempplo, médicos recém formados que não têm a necessária cultura geralo para o exercício da profissão e só pensam que têm o dever e o direito de ficar milionários rapidamente e que um governo de pés-rapados bloqueou este direito sagrado, de jovens que não têm parâmetros de política para despejar seu desejo incontido de mudar a sociedade injusta, e terminam escolhendo símbolos e não conhecimento que dá preguiça de adquirir, esta classe média é uma bola de estopa à procura de alguém que lhe enxarque de gasolina e lhe acenda um fósforo. Este alguém são os promotores de revoluções coloridas, sim. Atuam onde é necessário dobrar o governo ou substituí-lo por outro pró-americanos.   

        1. Claro, Severino!

          O sol só pode girar em torno do PT.

          Cara, vocês vão cair do cavalo… e vão tomar um tombo tão feio, tão feio, mas tão feio…! Vocês ainda não têm nem ideia disso!

          1. Não aponte o dedo às pessoas,

            Não aponte o dedo às pessoas, é deselegante e sempre passa um ar de presunção que qualquer um interpreta como insegurança e ignorância sobre o que está falando.

            E ninguém falou em PT, só você.

          2. Argumento de autoridade

            Pronto o sabichão sacou a carteira e despeja o argumento de autoridade ‘sabe quem eu sou’, doutor, antropólogo, palestrei na Espanha… afe! que baixaria. Então trouxe um artigo da Defesa Aérea e Naval que talvez você não conheça já que deixou de usar farda:

             

            Nas cercanias do Palácio

            Luiz Padilha

            clippingDocumentos do governo brasileiro indicam que os Estados Unidos ainda mantêm ao menos seis bases de espionagem em Brasília

            Desde a terça-feira 6 um grupo de assessores brasileiros liderados pelo Ministério das Comunicações está em Washington para ouvir as explicações do Departamento de Estado americano sobre as denúncias de espionagem contra o País. E um lance para a plateia. Nas principais instâncias de inteligência do governo federal e, portanto, no Palácio do Planalto, desde sempre se sabe, ou se deveria saber, da movimentação de espiões dos Estados Unidos no território nacional sob proteção da Embaixada em Brasília.

            Manter agentes de inteligência em representações diplomáticas não chega a ser uma novidade. Quase todos os países possuem alguma estrutura desse gênero. O problema é que os norte-americanos vão além, operam com uma liberdade incomum e extrapolam os limites da soberania. Segundo os documentos vazados pelo ex-funcionário da CIA Edward Snowden, até 2002Tio Sam valia-se de 16 instalações em território nacional para atividades de “inteligência”. CartaCapital apurou que ao menos parte dessa rede ainda continua ativa. E pior: está instalada em Brasília, no coração do poder político do País.

             edward-snowden

            A série de documentos secretos e reservados do governo federal obtidos pela revista, vários deles encaminhados a assessores diretos da presidenta Dilma Rousseff, relata o funcionamento de ao menos seis endereços em Brasília utilizados pela Embaixada dos EUA como centros de operação e análise de inteligência. São quatro imóveis no Lago Sul, área tradicionalmente residencial da cidade, um no Setor de Indústria e Abastecimento e outro no Setor de Autarquias Sul, região central da capital, a pouco mais de 1 quilômetro do prédio dessa embaixada. Os imóveis, casas e salas comerciais, cobrem com frequências de rádio toda a extensão do Plano Piloto de Brasília, a partir de antenas de radiocomunicação e telefonia exclusivas autorizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que tem um representante na missão enviada pelo governo aos Estados Unidos. A outorga para o uso “limitado-privado” foi concedida à Embaixada dos EUA no fim do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, e tem validade até 20 de julho de 2019. Ao todo, abrange 841 licenças de frequências de rádio para uso exclusivo dos americanos em solo brasileiro.

            Na sala comercial número 209 do Bloco H da QI9, no Lago Sul, funcionava a principal divisão de segurança das embaixadas e consulados dos Estados Unidos, responsável pela movimentação de diversos equipamentos de comunicação. Lá, o Regional Security Office (RSO) funcionou por oito anos até se mudar, no fim do ano passado, para a sala 411 de um movimentado edifício de lojas e escritórios no Setor de Autarquias Sul. No local, tanto os funcionários da portaria como a vizinhança do corredor estranham a movimentação constante de servidores da Embaixada, quase sempre no turno da manhã. Muitos costumam passar a noite no escritório.

            DEAA Embaixada dos EUA mantém ainda um conjugado de salas comerciais de números 311 e 312 no Conjunto 12-A do Setor de Mansões Dom Bosco, também no Lago Sul. Na sala 311, segundo os relatórios encaminhados ao Palácio do Planalto, funciona o escritório da Drug Enforcement Administration, a DEA, órgão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e controle de drogas. Como se verá mais adiante, a DEA tem uma longa história no Brasil. Nos anos FHC, financiava atividades da Polícia Federal e, em troca, tinha carta branca para atuar em território nacional, conforme denunciou uma série de reportagens de CartaCapital entre 1999 e 2004.

            Na sala 312 fica um contingente do Information Program Center (IPC), responsável pela comunicação de rádio e telefonia da Embaixada norte-americana, principalmente na área de inteligência. As duas salas são fortemente gradeadas e permanentemente refrigeradas. Aparentemente, funciona como uma estação de rádio que opera em diversas frequências, a partir das licenças concedidas pela Anatel.

            O maior imóvel alugado pela Embaixada americana é uma chácara na QI 5 do Lago Sul. No terreno vigiado por câmeras e guaritas foram construídos alojamentos para fuzileiros navais e é um dos endereços com licença de funcionamento de radiofrequência da Anatel. Em outro terreno menor, ocupado por uma casa no Conjunto 2 da QL16 do Lago Sul, os americanos montaram aparentemente um bunker rodeado de câmeras de segurança e com uma guarita de vidros espelhados. No galpão do SIA, em uma zona afastada do Plano Piloto, a antiga movimentação de funcionários e furgões da Embaixada americana foi interrompida no início do ano. O imóvel foi esvaziado e, atualmente, há apenas uma placa de “aluga-se” na entrada.

            cia-simbolo

            Segundo documentos publicados pelo jornal O Globo, outra unidade de espionagem funcionou em Brasília, até 2002, controlada pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, em inglês), em conjunto com a CIA. Era parte da rede de 16 bases das agências de inteligência dos EUA que coletavam informações em todo o País, a partir de satélites de outros países. Embora o Brasil não tenha satélites próprios (o único foi repassado à Embratel na privatização de 1997), o governo mantém alugados oito desses. Os satélites estão estacionados sobre a Linha do Equador e, por isso, colhem muitas e importantes informações sobre a Amazônia, região de grande interesse estratégico e alvo de cobiça internacional. Outros documentos, datados de 2010, dão conta da possibilidade de os EUA terem grampeado escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York. Outros papéis vazados à mídia nacional revelam que o então presidente Lula foi monitorado durante a tentativa de fechar um acordo com o Irã em 2009.

            CartaCapital entrou em contato com a Embaixada dos Estados Unidos na sexta-feira 2 para saber qual a utilidade dos seis imóveis apontados como bases de espionagem em relatórios internos do governo federal. Todas as informações, inclusive os endereços das casas e salas comerciais, foram encaminhadas à assessoria de comunicação da Embaixada via e-mail, mas nenhuma resposta foi enviada até o fechamento desta edição.

            As informações sobre o mega esquema de espionagem dos Estados Unidos começaram a se tornar públicas a partir de 6 de junho, quando o jornal britânico The Guardian iniciou a publicação de uma sequência de reportagens do jornalista GlennGreenwald baseadas nos documentos vazados por Snowden. Soube- se assim que a NSA não cuidava apenas da segurança interna, mas estendia seus tentáculos a países aliados, inclusive o Brasil. A partir de bases espalhadas planeta afora e de uma rede de satélites, os Estados Unidos montaram um sistema monstruoso de monitoramento de e-mails e ligações telefônicas com a cooperação de empresas de telecomunicações e de gigantes da internet, entre eles o Google e o Facebook. Os espiões americanos desenvolveram um programa chamado PRISM, dedicado ao monitoramento em tempo real da circulação de informações na rede mundial de computadores, em tese para prevenir ataques terroristas.

            NSA

            Snowden trabalhava para a CIA e para a NSA em cargos ligados ao manejo e acompanhamento de dados em sistemas secretos de informação. Antes de iniciar os primeiros vazamentos em Hong Kong e fugir para a Rússia, ocupava o posto de analista de infraestrutura na Booz Allen & Hamilton, contratada pela NSA supostamente para prestar serviços de consultoria estratégica. Sob essa fachada, a Booz Allen conseguiu contratos com setores públicos de vários países, entre eles o Brasil, durante o mandato de FHC. Aqui, a consultoria participou oficialmente da formulação dos programas Brasil em Ação e Avança Brasil, que nunca saíram do papel, além de ter auxiliado nas privatizações promovidas pelos tucanos na década de 1990 e na reestruturação do sistema financeiro nacional.

            Ao longo dos oito anos da era fernandina, portanto, a principal prestadora de serviço da CIA no esquema de espionagem mundial não só foi contratada pelo governo brasileiro como teve acesso a dados privilegiados das ações administrativas do País e a informações completas de toda a movimentação financeira nacional. Isso incluía livre trânsito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um dos projetos em conjunto entre Brasília e a Bozz Allen, pago com dinheiro nacional, foi batizado de Brasiliana e traçou os “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”.

            Apesar dessas relações carnais, como diria o argentino Carlos Menem, FHC veio a público, logo após os vazamentos, negar qualquer conhecimento a respeito da espionagem dos EUA A respeito, o ex-presidente construiu uma daquelas frases consideradas brilhantes por seus admiradores: “Nunca soube de espionagem da CIA em meu governo, mesmo porque só poderia saber se ela fosse feita com o conhecimento do próprio governo, o que não foi o caso”. Em seguida, sugeriu à presidenta Dilma Rousseff tomar uma atitude. “Cabe ao governo brasileiro, apurada a denúncia, protestar formalmente pela invasão de soberania e impedir que a violação de direitos ocorra.”

            FHC talvez tenha sofrido um lapso de memória. Ele mal iniciava seu segundo mandato quando CartaCapital publicou reportagens sobre a influência dos serviços de inteligência dos Estados Unidos na Polícia Federal.

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            Ex presidente Fernando Henrique Cardoso foto Magdalena-Gutierrez

            A DEA e a CIA financiavam atividades da PF: pagavam agentes, davam treinamento, pagavam hotéis, aluguéis de carros e até de imóveis utilizados pela força federal. Em troca, circulavam livremente pelo Brasil. Em uma reportagem de maio de1999, Bob Fernandes, então redator-chefe desta revista, menciona os imóveis utilizados pela CIA de Norte a Sul do País. Eram 15, número bem próximo dos 16 revelados pelos documentos vazados por Snowden. No mesmo mês e ano, Fernandes registrou a seguinte declaração de James Derham, chefe da missão diplomática dos EUA, a respeito do teor da atuação norte-americana em território nacional. Derham não deixa margem para dúvidas: “O dinheiro é nosso, as regras são nossas”. A partir do governo Lula, o acordo deixou de funcionar, Tio Sam diminuiu a abrangência de suas atividades, mas, como denunciou Snowden e como comprovam os documentos oficiais do governo brasileiro, as atividades de espionagem não cessaram.

            O envio de representantes do Brasil a Washington foi decidido durante uma reunião em 27 de julho entre Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o chanceler Antonio Patriota. A ideia inicial era convidar autoridades americanas para virem ao Brasil, mas Patriota convenceu a presidenta de que o melhor era enviar um grupo à capital dos EUA. Segundo o chanceler, uma missão brasileira provocará mais impacto na comunidade internacional, principalmente entre os aliados europeus atingidos pela bisbilhotagem do império. E pouco provável, no entanto, que a visita a Washington renda mais do que uma explicação formal sobre o expediente denunciado por Snowden.

            Há um mês, em um telefonema para Dilma, o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deu poucas e mal formuladas explicações sobre o monitoramento e a espionagem de cidadãos e instituições brasileiras pela NSA. Lamentou a repercussão negativa do caso e fez o convite para a missão de Brasília visitar seu país.

            Publicamente, o presidente Barack Obama argumentou tratar-se apenas de um programa de defesa da segurança interna, sem riscos à privacidade alheia. “Ninguém está ouvindo suas conversas”, declarou. Segundo o general Keith Alexander, chefe da NSA, o programa PRISM tem evitado dezenas de ataques terroristas aos EUA e criticou Snowden por danificar de modo “significante” e “irreversível” a segurança da nação.

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            A crise pegou o Palácio do Planalto de surpresa, em parte por culpa da estrutura herdada, primeiro por Lula, depois por Dilma, do Sistema Brasileiro de Inteligência, o Sisbin. O órgão central desse sistema, a Agência Brasileira de Inteligência, deveria cuidar de informar diretamente a Presidência da República sobre a movimentação de espiões estrangeiros no País. A Abin não tem, porém, acesso direto ao Planalto desde o governo FHC, quando foi criado o Gabinete de Segurança Institucional, estrutura militarizada comandada desde sua instalação, em 1999, por oficiais do Exército. O atual chefe do GSI é o general José Elito, ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti.

            A crise tem origem justamente na relação entre a Abin e o GSI, órgão que se transformou numa barreira para as relações entre a agência e a Presidência da República, e fez da agência uma instituição secundária, impedida de cumprir sua missão legal, a de assessorar o Planalto. Mais do que um filtro das informações produzidas pelos agentes secretos brasileiros, o GSI criou um problema de interação da Abin com a sociedade. Uma das primeiras medidas do general Elito ao assumir a função de ministro-chefe foi acabar com a área de comunicação social da agência, seção prevista no estatuto interno do órgão. Na prática, isso criou uma espécie de censura interna e impediu o atual diretor-geral da agência, Wilson Trezza, de estabelecer qualquer tipo de ligação com a mídia. Até notas oficiais são barradas. Por esse motivo, Trezza não atendeu aos pedidos de entrevista de CartaCapital. Sugeriu que a demanda fosse encaminhada ao GSI.

            A revista enviou perguntas ao GSI. Obteve a seguinte resposta: até a conclusão dos trabalhos da missão brasileira enviada a Washington, o gabinete considera “não ser oportuna a realização da entrevista”.

             

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            style=”text-align: justify;”>A missão brasileira precede a visita de Dilma aos Estados Unidos em outubro. Em setores ligados ao governo cresce a sensação de que os americanos agem para fazer valer seus interesses, especialmente na ainda indefinida licitação dos Caças. As Forças Armadas anunciaram poucos dias atrás a intenção de aposentar os Mirage a partir do fim deste ano. A compra de novos aviões de defesa foi adiada inúmeras vezes durante a administração de Lula, apesar de um acordo prévio fechado com os franceses.

            FA-18F Super Hornets assigned to the Red Rippers of Strike Fighter Squadron (VFA) 11

            Os Caças F-18 são superiores às aeronaves concorrentes, mas os EUA têm restrições para a transferência de tecnologia, item até agora considerado fundamental pelo governo brasileiro no processo de compra. Não se sabe se Dilma manterá as diretrizes do antecessor ou mudará os critérios de escolha. Washington nutre esperanças de alterar a perspectiva de Brasília. Resta saber se as recentes revelações da espionagem de Tio Sam vão atrapalhar o lobby americano.

            FONTE: Carta Capital

             

      2. “a única forma da ‘esquerda’

        “a única forma da ‘esquerda’ governista “entender” junho de 2013 é recusá-lo de forma às vezes menos às vezes mais peremptória, já que reconhecê-lo em toda sua extensão como fenômeno significaria reconhecer a derrota do PT no campo da legitimação social.”

        Frase perfeita.

  2. E Os VENTOs de junho de 2013, que a rede globo não LEVOU…

    Repórter da Globo resolve ser sincera: “A ordem é ouvir só o Paulinho da Força.”

    http://limpinhoecheiroso.com/2014/04/14/reporter-da-globo-resolve-ser-sincera-a-ordem-e-ouvir-so-o-paulinho-da-forca/ 

    Forca_Sindical_Paulinho02_Globo

    Quem tem, tem medo: Jornalista da Globo se esconde em agência bancária e, depois, entrevista apenas Paulinho da Força.

    Rodrigo Vianna em seu blog

    A informação apareceu primeiro no Facebook de Marize Muniz, assessora de imprensa da CUT. Ela contou o que aconteceu na quarta-feira, dia 9, quando uma repórter da Globo, destacada para cobrir a manifestação das centrais sindicais no centro de São Paulo, teve um infeliz ataque de sinceridade. Observem:

    Por Marize Muniz, via Facebook

    Deu dó. Sempre tenho pena de pessoas inocentes.

    Foquinha da TV Globo gravou sonora com os caras da Força Sindical (do Aécio Neves), na Praça da Sé, durante manifestação de seis centrais sindicais.

    Aí, um militante cutista foi lá e perguntou: e a CUT, você não vai ouvir ninguém da maior central da América Latina?

    A pobrezinha respondeu: Tenho ordens da redação para só ouvir os caras da Força.

    Foi um quiproquó danado e a bichinha teve de ir embora do local.

    Resolvi checar a informação com outros manifestantes. E aí vieram mais detalhes. A jovem repórter da Globo – movida por ingenuidade, como sugere Marize (ou, quem sabe, por arrogância) – teria dito, com todas as letras, que estava ali só para entrevistar o “Paulinho da Força”. Essa teria sido a instrução recebida, ao sair da redação.

    Como se sabe, Paulinho é o presidente de central sindical mais crítica ao governo Dilma. Rompeu com o governo, e declarou que vai apoiar Aécio (PSDB) a presidente.

    Não há problema nenhum em entrevistar o Paulinho. Afinal ele é o presidente legítimo de uma central sindical importante. O problema é a repórter de uma tevê que é concessão pública revelar que tinha instruções claras para entrevistar apenas Paulinho da Força.

    Um militante da CUT teria insistido, apresentando: “Olha, essa aqui é nossa vice-presidenta, a Carmen, você não quer ouvir a CUT?”

    A jovem repórter teria respondido: “Não, a orientação é ouvir só o Paulinho da Força”. A jornalista foi então vaiada e hostilizada pelos manifestantes, que passaram a gritar o tradicional “o povo não é bobo, fora a Rede Globo”.

    “Ela não fez a entrevista. Ficou com medo e correu para uma agência do Bradesco do outro lado da rua”, contou-me um manifestante com quem conversei há pouco.

    Os manifestantes registraram a cena da jornalista escondida na agência, como mostram as fotos que o Escrevinhador publica com exclusividade. Poucos minutos depois, Paulinho chegou e foi dar a entrevista, dentro da agência bancária. Manifestantes ligados à CUT seguiram vaiando e fotografando. Um segurança (da Globo? da Força Sindical?) teria se aproximado de uma manifestante que fazia as fotos, e tentado tomar o celular das mãos dela. Não conseguiu. Aparentemente, a jornalista também não conseguiu gravar com Paulinho da Força…

    O caso revela algumas coisas:

    ● a Globo (sob comando de Ali Kamel – aquele que adora processar blogueiros) segue pretendendo controlar a realidade; se é inevitável cobrir a manifestação, que se dê voz só aos amigos da casa e aos inimigos do governo petista;

    ● os jornalistas da Globo já foram mais espertos; por que a jovem repórter teve aquele ataque de sinceridade? Podia ter feito a entrevista com a dirigente da CUT, e a redação depois se encarregaria de cortar.

    Mas jornalistas criados no ar-condicionado, sem vivência de rua, talvez acreditem que ao carregar o microfone da Globo podem qualquer coisa; vão-se distanciando do mundo real, e acabam surpreendidos quando enfrentam uma situação dessa.

    A Marize (que foi chefe da pauta da Globo, tem experiência de sobra) ficou com pena da moça. Eu também fiquei.

    Por outro lado, fiquei feliz porque agora uma história dessa não passa em branco. A Globo mente sem parar no JN, JG etc. Mas, pelo menos nesse caso, as fotos e o relato completo estão na internet. A mídia velhaca já não fala sozinha…

    Em tempo: o ato das centrais foi um sucesso em São Paulo; reuniu 10 mil pessoas segundo a PM, ou 40 mil segundo os manifestantes.

    Entre as reivindicações, estão: redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, manutenção da política de valorização do salário mínimo, fim do fator previdenciário, redução da taxa básica de juros e correção e progressividade da tabela do Imposto de Renda.

     

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