O justiceiro Moro e a condenação do Lula, por Jeferson Miola

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O justiceiro Moro e a condenação do Lula

por Jeferson Miola

Obs: este artigo é a versão em português do artigo publicado pelo principal jornal do Uruguai, Ladiaria – https://findesemana.ladiaria.com.uy/articulo/2017/7/el-justiciero-moro-y-la-condena-de-lula/. Nele, busco ampliar a análise feita no artigo “Moro confirmou seu papel no golpe”, publicado no calor do dia 12 de julho de 2017..

A condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro não surpreende. Assim como não surpreende que, na sentença condenatória, Moro tenha se pronunciado não como um juiz justo e imparcial, mas como um justiceiro; ou seja, como alguém que se outorga o direito de fazer justiça pelas próprias mãos, em desobediência às normas do Estado de Direito e do devido processo legal.

A denúncia oferecida pelo Ministério Público contra o ex-presidente carece do embasamento probatório e da comprovação material de que Lula tinha conhecimento dos ilícitos praticados pela empreiteira OAS na Petrobrás e, ainda, de que o ex-presidente teria de fato recebido o direito de propriedade de um apartamento, como resultado de sua suposta participação em tais ilícitos praticados pela empreiteira em conluio com diretores da estatal petroleira.

A apresentação da denúncia contra Lula pela equipe do procurador Deltan Dallagnol em 15/9/2016 foi um show midiático em que procuradores dominados por um comportamento messiânico e com conduta panfletária, se ocuparam unicamente em apresentar ao Brasil, em transmissão ao vivo pela TV, a esdrúxula teoria de que o Partido dos Trabalhadores [PT] seria uma organização criminosa e Lula, conseqüentemente, seria o “chefe maior”, o “comandante supremo” desta organização.

Durante o processo judicial, quase uma centena de testemunhas, várias perícias técnicas, laudos de investigação e documentos demonstraram a fragilidade das acusações do ministério público.

Além disso, a defesa do ex-presidente não só provou a inocência em relação às falsas imputações, como também comprovou a ausência de culpa, demonstrando que o citado apartamento, que é atribuído a ele como prova do pagamento de propina pela empreiteira OAS, na realidade pertence à Caixa Econômica Federal. O imóvel não pode pertencer, por isso, ao mesmo tempo ao banco estatal e ao próprio Lula, como acusaram os procuradores.

Caso optasse por um trabalho técnico e jurídico, Sérgio Moro se veria obrigado a arquivar a denúncia, dada a insubsistência da mesma. Apesar disso, entretanto, Sérgio Moro decidiu condenar Lula a 9 anos e 6 meses e proibi-lo de exercer cargo ou função pública por 19 anos, até 2036.

A leitura da extensa manifestação de Sérgio Moro, de 218 páginas, autoriza concluir que o juiz não proferiu uma sentença judicial, mas sim escreveu uma peça de acusação. A sentença divulgada em 12/7/2017 evidencia que Moro não atuou como juiz imparcial e justo, porque assumiu o papel de promotor da acusação.

A Lava Jato é uma Operação jurídica e policial desencadeada em março de 2014 com o alegado propósito de investigar esquemas de corrupção instalados há décadas na Petrobrás. O combate à corrupção se revelou, na realidade, um pretexto para o plano estratégico de liquidar o PT e atingir mortalmente a imagem do ex-presidente Lula.

À medida que avançava o calendário eleitoral de 2014, foi ficando evidente que a força-tarefa da Lava Jato estava sendo dirigida por procuradores, policiais federais e juízes que tinham posição partidária e manifestavam nas redes sociais sua simpatia a um dos candidatos, o oposicionista Aécio Neves, do PSDB.

Durante aquela eleição, com sutileza foram feitas denúncias e autorizados procedimentos policiais seletivos com o objetivo de desestabilizar a candidatura à reeleição da Presidente Dilma Rousseff, do PT, e auxiliar a vitória de Aécio Neves, do PSDB. Já na eleição municipal de 2016 o ativismo da Operação contra lideranças do PT para influenciar o resultado eleitoral foi acintoso e descarado, inclusive com a ordem abusiva de prisão de dois ex-ministros do governo Lula [uma delas foi finalmente suspensa] duas semanas antes do pleito.

Com o passar do tempo, ficou claro que o ativismo dos procuradores, policiais federais e juízes integrantes da força-tarefa estava mais relacionado a um projeto de poder do que ao efetivo combate à corrupção.

O pensador e filósofo italiano Norberto Bobbio ensinava que

o fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta, agride como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso, um sociopata que persegue carreira política. No poder, não hesita em torturar, estuprar, roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos. Mais que corrupção, o fascista pratica a maldade”.

Setores reacionários da classe dominante brasileira nunca esconderam a intolerância histórica com as políticas de distribuição de renda, de inclusão social e de desenvolvimento nacional soberano e independente concretizadas pelos governos progressistas e de esquerda.

Esta é a essência da elite nacional, sempre pronta a destruir o Estado de Direito, atacar a Constituição e a democracia, se necessário para interromper governos progressistas e populares, como se observa na história recente do país: em 1954, levaram Getúlio Vargas ao suicídio; em 1964 derrubaram João Goulart e instalaram a ditadura que durou 21 anos, até 1985; e em 2016 desfecharam o golpe através do impeachment fraudulento da Presidente Dilma.

A elite brasileira promove uma guerra ideológica permanente. Em 2005, Jorge Bornhausen, o oligarca que apoiou a ditadura e depois habitou todas as coalizões conservadoras que se sucederam no Brasil desde 1985 a 2002 [governos de José Sarney, Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso], disse ser “preciso dar fim à raça dos petistas”.

A condenação do ex-presidente Lula em primeira instância se enquadra nesta moldura histórica; mas, além disso, é um procedimento necessário para a continuação do golpe e do regime de exceção vigente no Brasil.

A decisão do justiceiro Sérgio Moro revela seu engajamento como o militante partidário que se disfarça na toga de juiz para combater inimigos ideológicos.

Moro é um ator-chave na estratégia golpista. Assim como em 4 de março de 2016, quando sequestrou Lula para um depoimento forçado; e em 16 de março de 2016, quando interceptou e divulgou criminosamente conversas telefônicas da Presidente Dilma para tumultuar a nomeação de Lula para a Casa Civil, neste 12 de julho de 2017 ele deu nova mostra do sincronismo da sua atuação no judiciário com o empreendimento golpista.

Sérgio Moro está fazendo sua parte no golpe. Na guerra contra o ex-presidente, tenta enterrar a possibilidade de retorno das políticas de igualdade social, distribuição de renda, desenvolvimento nacional e de inserção soberana, altiva e independente do Brasil no mundo que a eleição do Lula representa.

A prioridade da oligarquia brasileira é impedir, por todos os meios, a presença do ex-presidente Lula na próxima eleição, para garantir a continuidade e a longevidade do golpe sem o risco do retorno do maior líder popular do Brasil ao governo. A decisão de Sérgio Moro é coerente com este objetivo.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. ““o fascista fala o tempo

    ““o fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta, agride como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso, um sociopata que persegue carreira política. No poder, não hesita em torturar, estuprar, roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos. Mais que corrupção, o fascista pratica a maldade”.

     

    Será que ele está se referindo ao prefake de são paulo, o intragável joão dória?

  2. Vem pra Caixa você também…

    Alguém pode me esclarecer uma coisa? Se o apartamento é do Lula, recebido como propina, deve ser desapropriado pela justiça, correto? Li um comentário que moro condenou Lula a pagar multa equivalente ao valor do apartamento. Se isso for verdade, é o ato mais canalha da própria condenação, pois sabendo que não pode provar que o apartamento é do Lula, sabendo que ele está sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal, ele não pode tomar o apartamento da Caixa, porque a contabilidade não fecha, então inventou essa farsa de multa?????????????? Alguém pode me dar os detalhes se isso é verdade?

    1. não é por aí

      como bom empregado do golpe, que precisa mostrar nível profissional, Moro tratou de não criar uma burrada.

      Ele mandou sequestrar o apartamento, ou seja, tirar de Lula e devolver ao erário. Da tal multa de 16 milhões, que ele não tem nenhuma outra evidência do aplicar um 3% chutado sobre apenas o primeiro dos 3 contratos denunciados, ele mandou descontar os valores relativos ao apto e às reformas.

  3. Escuma sobrenadante.
    Não obstante à alta relevância e concisão das questões postas no conteúdo desse post, é oportuno pedir vênia para destacar uma questão de forma.   Em dois momentos há referência do autor a uma suposta “elite” que não existe, em dois parágrafos consecutivos, nessas expressões: Elite nacional e elite brasileira. Vamos combinar que chamar as quadrilhas dominantes de uma sociedade de elite não ajuda ninguém a entender a questão em debate. Qual seja, o GOLPE e o golpismo reincidente, instalado no DNA dessa patuleia abastada. O ilustre mestre Luiz Gonzaga Belluzzo já nos esclareceu que no Brasil não há elites. As suas excelentes formações intelectual e moral e a sua polidez o constrangeram, a ponto de não nos dizer o que é que existe no lugar onde deveria estar a elite da nossa singela sociedade brasileira, que mora no Brasil mas sonha em viver em Miami. http://www.tijolaco.com.br/blog/belluzzo/ Então vamos colaboras com os nossos cientistas para ajudar a definir uma denominação adequada para essa especial parcela da população tão diferenciada.  Exemplos: escórea sobrenadante, quadrilhas dominantes, detrito de baixa densidade, matéria sólida flutuante, e etc. Vamos colaborar, pessoal!! 

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