O livro O Povo do Abismo, de Jack London

Por Douglas Portari

Da Fundação Perseu Abramo

O povo do abismo atravessa o tempo

Há mais de um século – em 1903, mais precisamente –, o escritor norte-americano Jack London publicava O Povo do Abismo(lançado no Brasil pela Editora FPA). London havia atravessado o Atlântico para se embrenhar numa selva de miséria e indignidade, o coração das trevas da insuspeita capital do maior e mais rico império de então: o East End londrino.

Wikimedia Commons

No livro, o escritor narra as condições subumanas de milhares de ingleses, presos a uma situação que transbordava de geração para geração e lançava a charada: “A Civilização aumentou o poder de produção do homem (…) mas ainda assim milhões de integrantes do povo inglês não recebem comida suficiente, nem roupas, nem botas (…) se a Civilização aumentou o poder de produção do homem comum, então, por que não melhorou a condição do homem comum?”

A pergunta – e, ao que parece, a situação – atravessou o tempo e, novamente, o Atlântico. Um artigo publicado pelo professor de Direito da UCLA, Gary Blasi, no jornal inglês The Guardian (The 1% wants to ban sleeping in cars – because it hurts their ‘quality of life’ – Depriving the homeless of their last shelter is Silicon Valley at its worst – especially when rich cities aren’t doing anything to end homelessness), nesta terça-feira, 15, fala sobre o descalabro de pobreza nas ruas do mítico Vale do Silício, no norte da Califórnia, o lar da pujante indústria do futuro, a informática, no estado mais rico do país mais poderoso do mundo.

Arquitetura da exclusão
A exemplo da Inglaterra de cem anos atrás, quando era proibido dormir nas ruas, o que impedia que mendigos e trabalhadores sem-teto se amontoassem pelos cantos, várias cidades norte-americanas estão aprovando leis que proíbem sem-teto de dormir em carros estacionados. O professor Blasi apresenta, não sem ironia, dados sobre o crescimento da desigualdade social e da miséria nos Estados Unidos e questiona como nada é feito para minorar seus efeitos, tanto pelo poder público quanto pelos ricos – o tal 1%, gente que é contra a desigualdade, até que ela surja em sua rua, onde, claro, vira caso de polícia.

O ‘paliativo estético’ dessa proibição lembra a nossa brasileiríssima ‘arquitetura da exclusão’, quando a própria administração pública, ou os bancos e seus lucros pornográficos, acha mais conveniente instalar grades, lanças e pedras nos nichos que podem servir de dormitório aos sem-teto e mendigos do que investir em abrigos e ações de ressocialização. Voltamos a Jack London: “Se isso é o melhor que a Civilização pode fazer pelos humanos, então nos deem a selvageria nua e crua. Bem melhor ser um povo das vastidões e do deserto, das tocas e cavernas, do que ser um povo da máquina e do Abismo.”

Por Douglas Portari

Redação

12 Comentários

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  1. As condições de vida dos

    As condições de vida dos miseraveis eram ralmente muito ruins em Londres, no resto do mundo era uma maravilha, na Russia e na China os miseraveis tinham uma vida cheia de confortos, que coisa, é preciso mostrar que realmente o capitalismo é algo muito ruim porque assim se justifica o comunismo, que infelizmente acabou no mundo, com duas exceções em pequenos paises onde a vida é otima, Coreia do Norte e Cuba.

    1.   Cuba, Coreia do Norte,

        Cuba, Coreia do Norte, blablabla, Cuba, Coreia do Norte, blablabla…

        Vem cá, xará: o capitalismo é uma maravilha, etc e tal. Agora, O QUE JUSTIFICA essa miséria extrema, na sua opinião? Você não acha que tem ALGUMA coisa errada, não? O que Cuba tem a ver com americanos que precisam DORMIR EM CARROS para não ficar no relento? Isso é efeito do bloqueio econômico que Cuba aplica aos Estados Unidos? Esse pessoal é vagabundo, dorme em carro só pra incomodar quem tem mais dinheiro?

      1. O capitalismo NUNCA foi uma

        O capitalismo NUNCA foi uma maravilha mas desde que ele existe na era moderna trouxe mais progresso que sistemas alternativos que falharam espetaculramente. Nos EUA existem mendigos, como tambem na Suecia MAS existe uma imensa rede de filantropia nos EUA, em nenhum outro Pais do planeta os ricos doam tanto para causas coletivas como nos EUA.

         

        Mesmo assim existe miseria, resultante de familias desestruturadas, drogas, pura e simples aversão ao trabalho, sempre existirão clochards em todos os Paises, o importante é ver a proporção relativamente ao total da população.

        Quanto a Cuba nunca houve um bloqueio economico dos EUA, duas leis americanas impedem que EMPRESAS AMERICANAS comerciem com Cuba mas Cuna nunca foi impedida de comerciar com o resto do mundo e tudo que tem nos EUA tem em outros Paises se vc tiver dinheiro para comprar. Acontece que Cuba não tem divisas porque não tem economia funcionando, se tivesse poderia comprar automveis no Japão, onde não há embargo algum em relação a Cuba.

        Quanto as condições de vida em Cuba, elas são PESSIMAS, em Cuba as pessoas tem rudimentos de sobrevivencia, como quem sobrevive em um campo de concentração,  no campo tambem tem medico, ambulatorio e comida, as pessoas moram em habitações coletivas com uma familia  por quarto e um banheiro para vinte familias, a compra de mantimentos é mediante um limite mensal registrado em caderneta, se Cuba fosse boa para viver dois milhões de cubanos não teriam fgugido de lar, como não há empresas não há empreendedores e todos são dependentes do Estado, é a equalização pela miséria, só uma pessoa completamente tosca pode achar que a vida em Cuba é boa porque tem medicos rudimentares, alimentos racionados e não tem miseria, se vc considerar que sobreviver em cortiços é uma coisa boa.

        A economia de Cuba simplesmente não funciona, era o maior produtor de açucar do mundo, hoje produz quase nada e o Pais precisa ser sustentado por outro, era a URSS, agora e Venezuela e Brasil.

    2. me pergunto

      MA foi feita uma constatação não uma defesa de modelos. Se o paraiso não era na terra da invenção deste tipo de capitalismo e nem mesmo nas outras do socialismo então?

      Cabe um outro olhar, são aqueles principios manifestos pelo Francesco Papa, os da solidariedade olhar os pobres, afinal os 1% não precisam de ajuda. Me pergunto e tenho a resposta sem pedi-la, tirar milhares de pessoas da miséria é comunismo?

      Recentemente lendo um pensador procupado com o previsível esgotamentos de recusos minerais, água etc. manifesta ele o problema: os pobres e as suas demandas.

      Naqueles tempos o pensamento neoliberal foi idealizado no ócio criativo dos verdadeiros donos do dinheiro aqueles com aplomb, estes montaram com as canetas de aluguel a verdade absoluta até pouco tempo, agora com os resultados a vista questionado é pronta a substituição.

      MA a faculdade westpoint a embasar o teu olhar, bloqueou isenção e matou a solidariedade?

    3.  Gostaria de aproveitar seus

       Gostaria de aproveitar seus conhecimentos e saber porque na sua opinião a vida em Cuba é “ótima” se lá todos recebem educação de qualidade , não precisam hipotecar a casa para tratar da saúde e  nenhum cidadão  cubano passa fome ou precisa dormir na rua ou no carro, Seria porque lá não podem comprar um carro do ano ou um mc donalds ou porque é uma ditadura comunista…..onde não tem  liberdade de expressão porque uma globo da vida que como cá sabotaria Cuba em favor dos EUA, lá não é permitida.? 

    4. Esse eh o papel do AA:

      Esse eh o papel do AA: desviar o foco dos artigos que provocam o aprofundamento das reflexoes.

      Eh dificil acreditar que uma pessoa como ele pense que a unica alternativa para acabar com a desigualdade social eh o comunismo. Um pensamento maniqueista assim nao combina com ele e com algumas de suas analises apresentadas aqui no blog.

      Entao, penso que eh pura e inconsequente provocacao. Vejam que ele nao alimenta o debate. Joga a provocacao e sai fora, ao contrario do que acontece em outros posts.

      O que observo quando ele faz isso, ao inves dos comentarios aprofundarem ou enriquecerem as informacoes dos posts, terminam ficando pobres e se instala uma “briga” entre comunismo e capitalismo. A proposito, ja viram cooisa mais antiga e fora de epoca do que essa discussao?

      Alem disso, nao acredito que o advogado, autor do artigo original, seja comunista de carteirinha…

       

       

    5. A questão André, é que não

      A questão André, é que não existe só os dois extremos – capitalismo ultra liberal e comunismo – o capitalismo é a estrutura dominante, mas muito elástica, e deve-se discutir os limites para uma sociedade dentro dele. Na verdade este “espantalho” de comunismo é sempre utilizado, muitas vezes pelos dois lados do debate para querer fazer valer suas teses.

      1. Exatamente
         
        Não existem só

        Exatamente

         

        Não existem só Capitalismo e Comunismo. Corretíssimo, Sr. Daniel. Existem países com características mescladas de porcentagem de um e de outro. O difícil é saber mesclar na medida certa. China seria classificada como ? Uma ditadura comunista com economia capitalista? E a Venezuela? Um regime de esquerda, Capitalista que tenta estatizar, ou seja rumar para o comunismo?

        Tem fome em países Comunistas sim, e a Coréia do Norte é um exemplo; Assim como países Comunistas que tem crescimento elevado no PIB, e a China é um exemplo.]

        Tem países Capitalistas com um bom nível de vida e os países do Norte da Europa são um exemplo, e países Capitalistas em péssimas condições, a África que o diga.

        Mais importante do que ser de direita ou de esquerda é o bom senso do Governante, e o nível de ganância (ou da ausência dela) que domina as grandes empresas e corporações de um país.

        Exemplos não faltam, na antiga URSS houve um desastre ecológico no mar de Aral totalmente projetado pelas autoridades soviéticas comunistas da época, pura ganância. É o erro de achar que a mudança de regime mude também os vícios dos homens.

    6. Tente outra vez…

      Quando Jack London escreveu o livro (1903), a Rússia era governada pelos Romanov e A China pela dinastia Qing, ou seja, comunismo zero. E diferença zero entre a vida dos pobres também.

      É imperativo mostrar que ou existe capitalismo ou comunismo, sem possíveis alternativas, e que não é válido nem permitido pensar em alternativas, nem discutir as mazelas ou aperfeiçoamentos em qualquer uma das opções…

      É EUA/Europa ou Cuba/Coréia do Norte… ou Marte!

  2. eu li outro dele

    li o Andarilho das Estrelas dele, muito interessante..a história de um presidiário que desenvolveu uma técnica para suportar as torturas e à camisa de força impostas pelos carcereiros naquela penitenciária..segundo o autor é uma obra sobre uma história verídica que ele recolheu pelo diário do preso que chegou ás suas mãos..

  3. trollada diversionista…

    A trollada simplória de se falar em comunismo e capitalismo, como polos de bondade e maldade, serve apenas como diversionismo, foge-se ao ponto central do texto: como podem impérios e países tão poderosos criar tanta miséria?

    Seja em 1900, seja agora. É disso que se trata. Ainda que militante socialista famoso, Jack London fala em ‘civilização’ o tempo todo. A Inglaterra de ontem e os Estados Unidos de hoje alijam populações inteiras da riqueza produzida.

    ÓBVIO que não só eles. Ou só o capitalismo.

    Mas cabe dizer: os Estados Unidos sempre foram o ponto fora da curva nos países desenvolvidos, desigualdade sempre foi alta ali, se comparada com países ricos da Europa e com renda per capita até menor. 

    Hoje, o Gini norte-americano é de 0,44 (o Brasil gira em torno de 0,54, quanto mais perto de 1, mais desigual o país). Dados conhecidos, mas segue o link da insuspeita Exame, da Editora Abril, pra não me chamarem de comuna mistificador:

    http://exame.abril.com.br/economia/album-de-fotos/os-grandes-numeros-da-desigualdade-renda-e-pobreza-nos-eua

    E o ponto central: leiam o artigo do professor da UCLA lá no texto – GARANTO QUE ELE NÃO É PETISTA: ele fala é disso, do escandaloso crescimento da miséria e da desigualdade, fato que choca a todos nos EUA.

    Portanto, é disso que se trata: como pode o país mais poderoso e rico do mundo ter bolsões cada vez maiores de terceiro mundo dentro de suas fronteiras? A gente avança ou não como civilização?

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