O masoquismo renitente de (só uma) parte dos militares, por Fernando Brito

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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O masoquismo renitente de (só uma) parte dos militares

Por Fernando Brito

Do Tijolaço

As Forças Armadas – e suas escolas – produziram algumas das melhores inteligências deste país.

O Exército, desde cedo, solidificou a ideia da unidade nacional, mesmo num tempo em que o país, politicamente, era pouco mais que um amontoado de oligarquias provincianas e  um banco de inutilidades cortesãs. Agora, vê-se reduzido a um secretário de Segurança dizer onde deve colocar seus soldados como guarda da esquina.

A Marinha, nos últimos 40 ou 50 anos, foi o núcleo de nossa ciência nuclear, com um contingente de militares-cientistas dos quais o Almirante Othon da Silva, 77 anos, agora encarcerado por 43 anos (!), era um símbolo. Agora, vai ter os laboratórios de Aramar “invadido” por inspetores tradicionais, colocando plásticos pretos sobre os equipamentos que desenvolveu, enquanto junta moedas num esforço desesperado de manter o Pro-Sub, ainda na esperança de ter um submarino de propulsão nuclear, que pode ficar sem vir à tona por longos períodos, sem o que de nada serve num planeta coberto de satélites.

A Aeronáutica, a quem se deve o sucesso mundial da empresa de mais avançada tecnologia Aeronáutica, vai assistir a entrega da “golden share” que ainda lhe dá poder de veto em aventuras desnacionalizantes e é humilhada por acusações sem pé nem cabeça nos contratos dos caças Grippen.

Não obstante, em todas as nossas Armas subsiste uma atroz incapacidade de ver que as elites políticas e econômica as querem apenas como fator mobilizável para reprimir a população, seja ela “os esquerdistas” ou os “marginais” das imensidões da pobreza, que é o lugar de onde sai o ser humano que compõe suas tropas.

Num dos episódios descritos no seu livro JK, o artista do impossível, Claudio Bojunga narra  o momento em que José maria Alckmin e o almirante Heleno Nunes, tentando resolver a crise gerada pela insubordinação do coronel Bizarria Mamede contra o Marechal Henrique Lott, um legalista, olha o carro passar pelas fachadas dos bancos na Av. Presidente Vargas diz que estão ali, esfalfados, que “estamos acordados até essa hora para assegurar a estes senhores o direito de continuarem a ganhar dinheiro”.

Vejo debates na esquerda muito próprios dos liberais, discutindo se militares são “de direita” ou se deveriam “ser de esquerda”.

Bobagem.

Militares têm compromisso com duas coisas, basicamente.

Primeiro, com suas corporações, que estão humilhadas, enforcadas financeiramente , desviadas de suas funções – fazendo papel de polícia urbana, enquanto o controle de fronteiras é esvaziado dramaticamente – e seus planos de modernização tecnológica mortalmente atingidos, pela aniquilação  das empresas com que tinha parcerias – além dos submarinos,a produção de mísseis de combate foi entregue a estrangeiros.

Segundo, com a defesa (militar e econômica) de nossas riquezas, arruinada com a entrega do pré-sal, da liberação de compra de terras a estrangeiros, a abertura da Amazônia à mineração estrangeira e muito mais.

Infelizmente, os militares não são imunes à sua “porção Brucutu”, incensada pela extrema-direita, que quer vê-los prender “esquerdistas”, sindicalistas, políticos…não, juízes e banqueiros, não…

Brizola, mesmo depois de todas as perseguições que sofreu, nunca embarcou nessa história de ser contra militares por serem militares. E dizia que muitos deles tinham percebido que, ao tomarem o poder, “amarraram a vaquinha Brasil para os outros mamarem”.

Espera-se que sejam muitos os que considerem que a “aproximação sucessiva”  que pode nos tirar  – a nós, civis, e a ele – deste desastre sejam eleições livres em 2018, sem discriminação de qualquer força política e sem a exclusão de brasileiro algum, o que a torna ilegítima.

Nada diferente do que disse o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, apenas dois meses atrás: “Saída da crise deve vir da eleição de 2018“. Acredita-se que, em tão pouco tempo, não tenha mudado de opinião.

Nem general nem juiz tem poder de veto sobre a escolha dos brasileiros.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Quando assisti àquelas cenas

    Quando assisti àquelas cenas antológicas de um operário, sem formação acadêmica e ainda por cima nordestino subindo a rampa do Planalto em 1º de janeiro de 2003, disse: “Este é o último estágio de uma luta nascida das lutas nem tão honoráveis, mas necessárias nos campos paraguaios.” Não foi! Ainda teremos muita terra pela frente até definitivamente virmos a ter um país que seja nação porque pátria de todos.

    O exército brasileiro comerça com o preto Henrique Dias aquartelado na Estância do Rio Real, hoje cidade de Estância, e com o índio potiguar Felipe Camarão a lhe fazer companhia ou a trilhar as péssimas veredas do alto sertão a se esconderem dos exércitos de Maurício de Nassau. É a expulsão dos holandeses de Sergipe, depois da demissão do grande administrador Maurício de Nassau pela gandaia do rentismo radical que dá fôlego e ânimo para atravessarem o São Francisco e ir encurralar os batavos em Guararapes, nove anos depois.

    Origem popular, pois. Até ameaças sérias D. João IV faz ao senhorio de escravos pernambucano por suas ideias de reescravizar o preto Henrique Dias e seu bravo exército de guerrilheiros, pretos, obviamente. Fruto desse reconhecimento do monarca português surgiu o “Terço de Henrique Dias”, força especial, composta de afrodescentdentes, pretos, depois surgindo também o terço dos Homens Pardos, presente na maioria das sedes municipais – vilas ou cidades – de população maior. Não foram poucas as admoestações ao senhor João Fernandes Vieira neste sentido, ele que se manteve de 1637 até 1645 em Salvador de onde mandava ordens pra Estância.

    Em 1831, movido pelo modismo estrangeiro cria-se a triste Guarda Nacional, hipoteticamente uma imitação francesa que só serviu para consolidar o velho coronelismo já presente, mas ainda não tão arraigado; e é aqui que entra o nascimento a fórceps de uma pátria sem patriotas: quando D. Pedro II precisou dos engalanados oficiais e seus soldados pra comandar a carnificina contra Solano Lopez… quem apareceu? Novamente pretos e pardos. O Brasil profundo, real. O Brasil brasileiro. No meu pequeno Sergipe, por exemplo, não adiantaram nem mesmo ameaças: todo mundo mandou seus pretos e pardos de bucha de canhão e ficou nas assembleias a tecer discursos efusivos, ou nem isso. Foi lá, nos campor paraguaios que finalmente se formatou o que são hoje, com todos os defeitos, inclusive o de puxar saco da pior elite do planeta, por parte de boa parte, as nossas Forças Armadas, de fato.

    Exceto os “carregadores de piano” (Eita tarefa difícil!) de sempre, só nas Forças Armadas se têm algum massa homogênea e patriota em nosso país.

    Excelente artigo esse do Fernando Brito!

  2. Só um detalhe: defender as

    Só um detalhe: defender as eleições de 2018, sem nada dizer sobre o que fazer com o usurpador, Miguel Temer, é aceitar os fins do golpe do impeachment, já que está quase definido o afastamento de Lula do pleito. Ninguém, em sã consciência fala das Forças Armadas como instituição. Há serviços prestados, principalmente em ações governamentais de caráter estratégico, onde  cerraram fileiras com as forças nacionalistas para implantação de empresas decisivas para nosso vertiginoso crescimento econônico desde a década de 1950, com destaque a Petrobras, a empresa de maior importância, e que deu e vem dando suporte ao desenvilvimento do país, que desmente a falaciosa tese dos mercadistas, da ineficiência do Estado,  como também a Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, e mais recentemente a citada Embraer e a Embrapa, entre outras de menor importância, mas não menos eficientes, que mostram ao longo dos anos a capacidade gerencial das empresas estatais, por isso combatidas ferozmente pelo grande capital, principalmente estrangeiro,  desejando os espaços que ocupam  com eficiência. Em muitas ocasiões botam um preposto do mercado para geri-las, como agora acontece no governo do usurpador e entreguista, Michel Temer, com ações desmoralizantes, de seu preposto, o Presidente da Petrobras, que vende ativos, pratica esdrúxula política de preços dos derivados, que variam com os voláteis preços das commodities, e o pior a entrega do pré-sal à sanha dos capitais multinacionais, desgastando a estatal, com óbvios objetivos. Agora, não dá para defender as ações golpistas dos comandos das Forças Armadas ao longo dos anos, e que se repetiu agora em 2016, quando apoiaram, veladamente, o golpe. Basta dizer que os comandos de nossas Forças Armadas, desde 2014, desandaram a distribuir comendas a muitas figuras proeminentes do golpe, inclusive Michel Temer, e que agora ensaiam assumir o papel sujo do “prende e arrebenta”, sem nenhum respaldo legal, como fizeram em outras ocasiões, em que, em conluio e comando dos civis, onde se encontra o poder de fato, quebraram a legalidade, apoiando e viabilizando golpes de estado, manchando o nome das instituições que dirigem. O Discurso é sempre nacionalista e em prol da Democracia, mas os resultados infelizmente favorecem o capital multinacional e deprimem o mundo do trabalho, num regime ditatorial.

  3. Que artigo lamentável!

    Quanta ilusão a do jornalista! Quanta ilusão! Se os militares, insubordinados ou não, tivessem somente os dois compromissos a que ele se refere, eles, ou seu representante porta-voz, seriam explícitos em seus pronunciamentos. Principalmente quanto ao segundo ponto, o da defesa das nossas matérias primas e do controle e propriedade do território. Mas não é o que se vê. São discursos generalistas, apontando o dedo aos políticos e ao ambiente político. Mais uma vez, vê-se, aqui, por parte do jornalista, a defesa covarde de um ataque ao poder civil. Espero que ele aponte as tais “melhores inteligências deste país” no meio militar e saia do discurso genérico. “Só uma” parte a que se refere o desorientado jornalista é, evidentemente, toda a oficialidade. Uma pequena parte, como se vê, quase insignificante. Assistiram ao golpe judiciário-midiático-parlamentar, de cadeira, e se calaram. Assistem ao sucateamento da insípida indústria nacional e ficam mudos. Assistem a entrega da Petrobras e da Eletrobrás e nada falam. Veem o corte de verbas públicas, que afetará o desempenho das FFAA, e não se mostram afetados. O desastre econômico liberal desfila aos seus olhos e nada. E o jornalista ainda acredita que a tal “parte” se importa realmente com os que formam este País, as pessoas. Têm lá seus próprios valores, muitos dos quais nada dizem respeito àqueles que lhes pagam os salários. Agora ameaçam uma tomada do poder pela força e encontram apoio de um iludido jornalista. Que artigo lamentável!

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