O mercado apoia a política econômica que dá ganhos imediatos, por Nelson Barbosa

Na interessantíssima Semana de Economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, filha dileta de Luiz Carlos Bresser Pereira, uma das discussões mais candentes foi sobre o sistema de metas inflacionárias, e a maneira como permite ao rentismo de apropriar de parte relevante do orçamento público.

Em sua palestra, Nelson Barbosa analisou os julgamentos que o mercado faz sobre a política econômica – e a imprensa repete como se fosse ciência pura. Tudo se resume à taxa de juros efetiva. O mercado estima uma taxa, em geral maior do que a que se realiza. Pelas metas inflacionárias, no caso de aumento da inflação, a taxa de juros tem que aumentar mais que proporcionalmente. Quando o governante permite taxa de juros real (descontada a inflação) elevadas, o mercado saúda a política econômica como eficiente. E vice-versa.

Aqui, um e-mail que recebi de Nelson detalhando mais o tema.

O texto éárido para os não iniciados, mas é precioso para definir modelos de cálculos de diversas taxas de juros, assim como entender mais tecnicamente a maneira de calcular o peso dos juros no orçamento.

A taxa de juros e o julgamento do mercado

Caro Nassif,

Obrigado por divulgar meu texto no IBRE. Pena que o evento da GV atrasou e você não pode ficar para a sessão sobre taxa de juros. Acabei escrevendo sobre isso na Folha, na última sexta:

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelson-barbosa/2017/09/1918446-taxa-de-juro-rentabilidade-e-credibilidade.shtml

Tomo a liberdade de te importunar mais uma vez.

Os anexos são a base do que apresentei na FGV. Depois do evento, resolvi calcular também qual foi o retorno da SELIC em USD, pois isso é uma aproximação do retorno de uma arbitragem a descoberto (carry-trade) entre as taxas de curto prazo aqui e lá fora. Para obter o ganho liquido é preciso tirar a Fed Funds (a “SELIC” dos EUA), mas não fiz isso.

Envio, também, uma planilha em Excel com os dados da “SELIC em USD”, baseado nas informações públicas do IPEADATA, pois sei que você faz essa conta periodicamente.

Como o assunto parece complicado para não economistas, o resumo de minhas principais observações na GV é o seguinte:

1)    A taxa de juro real (TJR) esperada caiu para 3% aa recentemente. Essa taxa é o swap Pré-DI de 360 dias corrigida pela expectativa de inflação para os próximos 12 meses.

2) A taxa de juro real (TJR) efetiva subiu para 9% aa recentemente. Essa taxa é a SELIC acumulada nos últimos 12 meses, corrigida pela inflação no mesmo período, segundo o IPCA.

 

3) Como qualquer projeção, a TJR esperada pode ou não se verificar.

4) No BC de Ilan, as expectativas de mercado têm subestimado a TJR efetiva, pois a SELIC caiu mais lentamente do que a inflação.

5) Somente em agosto, a TJR efetiva começou a cair (antes tarde do que nunca).

6) Olhando os dados, quando a TJR efetiva ficou em linha com o que o mercado esperava 12 meses antes, em 2003-05, a política econômica foi considerada de “boa qualidade” pela maioria dos analistas financeiros.

7) Já quando a TJR efetiva ficou abaixo do que o mercado projetava um ano antes, em 2006-15, a política econômica foi considerada de “má qualidade”. Nesse período o mercado errou “para mais”, achando que a TJR efetiva seria muito maior do que acabou acontecendo.

8) E agora, quando o mercado errou de novo, só que “para menos”, a política econômica é considerada “dos sonhos”. Mais especificamente, nos últimos 12 meses a TJR efetiva (9,3%) ficou 2 pontos percentuais acima do que o mercado projetava exatamente há um ano (7,3%). 

9) Passando para o orçamento público. O pagamento de juros pelo governo está em 7% do PIB atualmente, quando excluímos o resultado dos swaps cambiais da conta.

10) O resultado dos swaps deve ser retirado da conta, pois trata-se de uma operação de derivativos, feita pelo BC, com o objetivo de diminuir a volatilidade cambial. É uma despesa financeira do governo, mas não é propriamente um pagamento de juros sobre um título público emitido para cobrir um déficit fiscal.

11) Os juros propriamente ditos podem ser divididos em três componentes: custo de carteira, correção monetária e juros reais.

12) O custo de carteira é o custo de o governo adquirir ativos (reservas cambiais, empréstimos ao BNDES, etc) e emitir passivos (NTN-B, Global bonds, etc) com uma taxa de juro diferente da SELIC.

13) O custo de carteira aumentou nos últimos anos, devido à acumulação de reservas (a partir de 2006) e empréstimos ao BNDES (a partir de 2009). Porém, a partir do final de 2015, a elevação da TJLP e o pré-pagamento do BNDES à União contribuíram para diminuir esse custo. A redução da SELIC a partir do final de 2016 também ajudou nessa queda.

14) Devido à redução da SELIC e aumento da inflação, o pagamento de juros pelo governo caiu para aproximadamente 1% do PIB durante o governo Dilma (2011-15). Após a mudança de governo, a queda da inflação e a lentidão do BC em cortar a SELIC elevaram esses pagamentos para 3,7% do PIB, nos 12 meses acumulados até julho/17.

15) Até agora a melhora no ambiente macro (queda da inflação e estabilização do nível de atividade) foi acompanhada de uma elevação significativa do pagamento dos juros reais pelo governo: mais 3 pp do PIB em juro real, ou R$ 192 bi, em relação ao final de 2015. Isso é um fato. Obviamente há divergências se esse preço foi alto ou baixo. Alguma elevação era inevitável, meu ponto é apontar o tamanho do gasto adicional com juros reais, justamente para possibilitar a análise da questão, mas isso é tabu para algumas pessoas.

16) Hoje o mercado projeta uma SELIC de 8% no médio prazo (2019 em diante). Isso significa reduzir o pagamento de juros reais para 2% do PIB. Será que o mercado ficará satisfeito com a queda de rentabilidade que ele mesmo projeta? Espero que sim, mas isso ainda é uma questão em aberto.

17) Se o passado serve de guia, o mercado considera crível o que é rentável no curto prazo, mesmo que isso não seja sustentável. Em outras palavras, há uma grande correlação entre rentabilidade real dos títulos públicos e credibilidade. Pode ser que isso seja apenas um reflexo da redução da inflação, não da manutenção da SELIC elevada. Saberemos nos próximos meses, quando espera-se que a SELIC fique em um dígito por um longo tempo enquanto a inflação sobe para 4%.

18) Depois do evento da GV, para checar a rentabilidade dos juros internos em USD, também calculei o ganho de uma aplicação em SELIC, por doze meses, ajustada pela variação cambial. Essa taxa de retorno é aproximadamente igual à SELIC acumulada em doze meses menos a variação da taxa de câmbio no mesmo período.

19) Os dados da SELIC ajustada pelo câmbio ajudam a entender parte de nossa história econômica recente, isto é: a festa (1993-98) e crise (1999-01) do Plano Real e governo FHC, a trégua entre governo e mercado durante os anos Lula (2002-10), a insatisfação crescente do mercado durante os anos Dilma (2011-15), e a recente satisfação do mercado com o governo Temer. 

20) Depois que comentei os dados de juros reais efetivos, vários analistas do mercado financeiro se incomodaram. O argumento usual é que o que importa é TJR esperada, por que é isso que importa para as decisões hoje. Isso é correto e eu mesmo mencionei esse ponto em meu artigo na Folha, mas a TJR efetiva é a variável mais importante para distribuição de renda, que também precisa ser analisada.

21) Parece que coloquei o dedo na ferida, pois até o governo, via um Secretário do MF no twitter, se manifestou dizendo que o que importa é a TJR esperada, que está em 3%. Espero que a realidade confirme tal número, mas não vejo por que não devemos analisar também a taxa efetiva, uma vez que essa é a taxa que o governo pagou nos últimos 12 meses.

22) Obviamente, política econômica é muito, muito mais do que taxa de juros, mas não é possível entender nossa história recente sem analisar a trajetória da SELIC.

Abs,

Nelson

Luis Nassif

10 Comentários

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    1. Selic é a taxa de juros

      Selic é a taxa de juros interna. A variação cambial é a diferença entre o preço do dólar no início e no fim do contrato. Basicamente, você pega o dinheiro investido em real no início e no fim do contrato, converte ambos para dólar do dia respectivo ao início e fim do contrato e descobre quanto em dólar você ganhou (ou perdeu). O que o último gráfico mostra é que no chamado “período de ouro” haviam ganhos em dólar enquanto haviam perdas em dólar quando o mercado financeiro não compactuava com a política.

      1. Obrigado.Então, o resultado

        Obrigado.

        Então, o resultado da política econômica, para o mercado financeiro, é avaliado usando como parâmetro o dólar, independentemente do resultado em real.

        Essa é a diferença entre: Taxa de Juro Real x Taxa de Juro Efetiva? A primeira tem como parâmetro a moeda nacional e a segunda o dólar? É isso?

        E o “mercado se incomodou” porque o analista identificou o “segredo do negócio”?

        1. Acho que você se confundiu.
          Acho que você se confundiu. Vamos lá, toda vez que o adjetivo real aparecer se referindo à taxa de juros, quer dizer que ela está sendo tomada de forma a se descontar a inflação no período. Da mesma forma, toda vez que o adjetivo esperada aparecer se referindo à taxa de juros real quer dizer que o cálculo da taxa de juros real é feito antes de se saber a inflação no período, tendo por base uma projeção de inflação, que ele chama de expectativa. Se o cálculo é feito depois de se medir a inflação que realmente ocorreu no período, ele chama esta taxa de juros real de efetiva.

          A taxa de juros real esperada diz a expectativa de ganho que a financeira tinha quando iniciou a aplicação. A taxa de juros real efetiva diz o quanto ela realmente ganhou depois de passado o período. A comparação da rentabilidade feita em dólar serve como parâmetro para saber o quanto houve de ganho nas aplicações financeiras tendo por base moeda forte. Isso é importante porque é um indicador do quão rentável é para o capital internacional ou a quem tem acesso ao financiamento externo de investir no mercado financeiro brasileiro, tendo como partida dinehiro de moedas internacionais como o dólar.

          O que ele diz é que toda vez que o ganho previsto na taxa de juros esperada foi maior que no da efetiva, o mercado financeiro chiou porque ele previu ganhar mais do que efetivamente ganhou e vice-versa. A grande conclusão dele está no parágrafo 17.

    2. O mercado apoia a política econômica que dá ganhos imediatos

      -> Está faltando a tradução do artigo. 

      tradução:

      – nunca os banqueiros e empresários, e o grandes especuladores, ganharam tanto dinheiro quanto no Governo Lula, como o próprio sempre foi o primeiro a admitir. aliás, os dados mostram que ganharam mais dinheiro do que com FHC;

      – Nélson Barbosa poderia ter pautado sua atuação, nos diversos cargos que ocupou durante os 13 anos de Lulismo, pelos dados que agora apresenta;

      – além de ganharem com a diferença entre a SELIC e a taxa de juros externa, os grandes especuladores se beneficiam da variação cambial, provocada pela entrada de Dólar no país, desvalorizando o Real.

      – não há outra solução que não seja a estatização do sistema financeiro, e disto já sabíamos todos nós que participamos da Campanha de Lula em 1989.

      .

      1. Pequena diferença

        Caro arkx

        Há uma pequena diferença, a diferença é que se você toma dinheiro do aplicador no Brasil você tem que pagar de forma a dar lucro a este investidor, vamos chamar assim, 14% da selic menos, digamos 10%, lucro do investidor de 4% . Se você pega dinheiro em dolar, a taxas de juros negativas, voce paga em dolar 2% ao ano com selic a 12-14 % ao ano, lucro de 10% para o ‘investidor’. A importância do bc é a manutenção do câmbio e das taxas de 14% ao ano. Para ter uma idéia disto pense em bilhões.

        Horacio

        1. O mercado apoia a política econômica que dá ganhos imediatos

          -> Para ter uma idéia disto pense em bilhões

          – além de ganharem com a diferença entre a SELIC e a taxa de juros externa, os grandes especuladores se beneficiam da variação cambial, provocada pela entrada de Dólar no país, desvalorizando o Real.

          ou seja: os especuladores, eufemisticamente denominados de “mercado”, ganham nas duas pontas, para isto o Brasil perde nas duas – se alguém ganha, alguém tem que perder.

          Luís Nassif: O “espetáculo do desenvolvimento”

          .

  1. Há um equívoco no parágrafo

    Há um equívoco no parágrafo 21. Conta aí a seguinte frase: “Parece que coloquei o dedo na ferida, pois até o governo, via um Secretário do MF no twitter, se manifestou dizendo que o que importa é a TJR efetiva, que está em 3%.”. Na verdade, a taxa que está em 3% aa é a esperada, e não a efetiva, segundo o parágrafo 1 do próprio texto. A efetiva está em 9%, segundo o parágrafo 2 do mesmo texto. Cabe uma correção.

  2. 1. Em 25 de março de 2016, em

    1. Em 25 de março de 2016, em meio à forte ação da direita golpista, impedindo Lula de tomar posse na Casa Civil e sendo quase sequestrado e preso, Nelson Barbosa, ministro da fazenda de Dilma, apresenta o PLS-256, que propunha a renegociação das dívidas dos estados e, para isso, permitia a demissão de trabalhadores do serviço público federal, o corte de recursos para educação e saúde, dentre outras medidas que, posteriormente, foram postas em ação por Temer, em especial no Rio de Janeiro.
    2. Este senhor teve a oportunidade de alterar essa situação, como ministro da fazenda, mas também como secretário executivo do ministério. O decreto presidencial que dá guarida à política de metas inflacionárias é de 1999, estabelecendo a composição do copom e os objetivos dessa política. Nada disso foi alterado nos anos lula e dilma. 
    3. Nelson Barbosa falar agora que isso está errado, depois de tantos anos de poder e de ter a possibilidade de alterar isso!

    É essa a autocrítica que se espera do lulismo. Não ocorrerá. 

  3. Ué? E porque ele não fala do

    Ué? E porque ele não fala do acumulado anual… De quanto está custando anualmente aos cofres do estado este serviço aos bancos? Estes enriquecimento das elites financeiras… Impressionante! Existe em mais algum país deste mundo tamanho rombo? CHegando ao ponto de cortar os investimentos no povo para pagar estes caras senão eles reabaixam a nota de investimento do país? Se for para ter este desinvestimento é melhor que tenhamos a pior nota do mundo… COmo supostamente os outros países do mundo também devem ter… Afinal… Apenas 10 países do mundo tem mais de 1% de juros reais… Será que isto não é apenas pressão psicológica para assaltar nossos impostos? Nosso estado? Esta mais que na cara que sim! Nenhum outro lugar tem esta política desinvestimentista… COmo se isto fosse gerar algum desenvolvimento… Corta-se tudo e deixa-se o maior juros do mundo… Que acaba tanto com as empresas locais com um crédito tão caro… Como com o povo… Sem educação.. Saúde… Torna-se escravos de multinacionais da saúde… Educação… Qualquer coisa… É privatização de tudo! Do dinheiro… Da vida… Está cada vez mais escancarado o crime… A injustiça! E ainda tem gente que apoia isto! Não dá para entender!

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