O perfil do juiz que herdou os desdobramentos da Lava Jato em São Paulo

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Por Felipe Luchete

Não cabe ao juiz combater o crime, diz responsável pela “lava jato” em SP

No Consultor Jurídico

A vara criminal que ficou conhecida por operações midiáticas, como a satiagraha e a castelo de areia, aposta agora na discrição para conduzir um desdobramento da famosa operação “lava jato”. Em setembro, após decisão do Supremo Tribunal Federal, a 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo herdou parte do famoso caso de corrupção que começou com doleiros, chegou à Petrobras e foi estendido para outros órgãos e entidades públicas.

Os quatro processos que ali chegaram envolvem supostas fraudes no Ministério do Planejamento e estão sob sigilo nas mãos do juiz federal substituto Paulo Bueno de Azevedo. Ele não informa qual a fase atual dos procedimentos nem concede entrevistas, enquanto o titular da vara, João Batista Gonçalves, já fez declarações à imprensa contra as delações premiadas.

Ao jornal Valor Econômico, Gonçalves relatou que a distribuição ao colega chegou por acaso: o costume é que processos com numeração ímpar fiquem com o substituto. “Aí consultei o Paulo. Perguntei: ‘Você se considera preparado para tocá-lo?’. Ele respondeu que sim. É um ótimo juiz”, afirmou o titular.

Opiniões de Azevedo estão registradas em artigos publicados nos últimos anos. “O juiz não pode assumir uma posição de combate ao crime, eis que, nesse caso, estaria no mínimo, se colocando como um potencial adversário do réu, papel que deve ser, quando muito, do Ministério Público ou, em alguns casos, do querelante”, escreveu em 2013 à Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao criticar o que chamou de “processo penal ideológico”.

No mesmo texto, afirma que o combate à impunidade deve ser encarado como “pretensão moral ou social, e nunca como uma obrigação jurídica do Estado-Juiz, encarnado pelo Poder Judiciário”.

“Se existe a obrigação de punir, o resultado do processo é previamente conhecido. Assim, (…) o processo penal torna-se uma farsa.” Para Azevedo, o juiz “não pode decidir temendo a crítica da mídia ou de doutrinadores autodenominados progressistas”, pois a fundamentação é a melhor defesa contra ataques à decisão judicial.

Ele também vê problemas na corrente denominada Direito Penal do Inimigo — idealizada pelo alemão Günther Jakobs, a teoria entende que quem descumpre o ordenamento jurídico perde as garantias do cidadão comum.  “Por mais atroz que tenha sido o crime, o réu sempre deve ser tratado como pessoa. O tratamento como inimigo não provocará maior temor nos criminosos habituais (…) Na prática, os inimigos irão se comportar como animais acuados. Atacarão mais.”

Direito de emergência

Enquanto uma parcela de juízes tem defendido mudanças na legislação criminal e processual, Azevedo adotou linha diferente no ano passado, quando sugeriu maior cautela em projetos de lei que tentam tipificar o terrorismo. “O terrorismo em si não será erradicado pelo Direito Penal, seja do cidadão seja do inimigo. Aliás, o Direito Penal nunca foi suficiente para eliminar crime algum”, escreveu à Revista Brasileira de Direitos Humanos (Editora Lex Magister).

Ele diz que a criação açodada de normas penais ignora impactos ao país. “É o que se chama, às vezes, de Direito Penal de emergência, (…) como o caso da chamada Lei dos Remédios, a qual modificou o artigo 273 do Código Penal, estabelecendo penas desproporcionais e classificando o crime por hediondo. Como a pressa é inimiga da perfeição, algumas situações esdrúxulas foram criadas, a exemplo da falsificação de cosméticos ser considerada crime hediondo (artigo 273, parágrafo 1º-A, do Código Penal).”

Outro “estranho delito”, exemplificou, foi fixado no artigo 26 da Lei 11.105/2005. “Realizar clonagem humana é crime. Talvez esse seja um dos poucos casos em que a norma penal antecede o próprio fato, do qual ainda não se tem notícias, ao menos confiáveis.”

Azevedo entende ainda que o juiz pode fazer perguntas livremente na inquirição de testemunhas, sem risco de agir como substituto das partes, pois seu papel é buscar todos os elementos capazes de subsidiar “a melhor decisão possível”. O julgador também pode determinar a busca de provas de ofício, sem pedido do Ministério Público, porque muitas delas podem ser favoráveis aos réus, afirma em outro artigo publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em 2012.

Perfil

Paulo Bueno de Azevedo tem 37 anos e ingressou na magistratura em 2009, depois de atuar seis anos como procurador federal na Advocacia-Geral da União. Entrou em dezembro de 2014 na 6ª Vara Criminal Federal, um dos três juízos de São Paulo especializados em lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional. Outrora liderada pelo juiz Fausto de Sanctis, a vara concentra hoje cerca de 450 processos.  Até dezembro, Azevedo vai acumular ainda atividade na 3ª Vara Criminal Federal.

Ele disse estar sem tempo para entrevista solicitada pela revista Consultor Jurídico, por conta da quantidade de trabalho. Por e-mail, respondeu que costuma atender advogados em seu gabinete independentemente de agendamento.

Formado em Direito no ano 2000, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem especialização em Direito Tributário e abordou a culpabilidade no crime de evasão fiscal no seu mestrado, também pela Mackenzie. Hoje faz doutorado na USP e é orientado pela professora Janaina Conceição Paschoal, que o classifica como um estudante “aplicado, muito sério, comprometido, atento a questões técnicas e sensível a perspectivas literárias”.

Foi o juiz quem abriu uma das ações penais contra o empresário Eike Batista, por venda de 10 milhões de ações da empresa de construção naval OSX antes que dificuldades de caixa fossem comunicadas ao mercado. A competência, porém, acabou redirecionada à Justiça Federal no Rio de Janeiro.

Neste ano, Azevedo condenou à prisão o ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos por ter recebido valores sem origem justificada e enviado ilegalmente quantias para uma conta bancária na Suíça. Também considerou ilícitas fotografias obtidas pela polícia no celular de um homem preso em flagrante.

Fatiamento

Os casos da “lava jato” que chegaram à 6ª Vara envolvem a suspeita de que um advogado e ex-vereador pelo PT tenha intermediado contratos milionários da Consist Software com o Ministério do Planejamento, para um sistema informatizado de gestão de empréstimos consignados a servidores federais. Em troca, segundo a Polícia Federal, a empresa ficou obrigada a lhe pagar uma “taxa”, distribuída por meio de diferentes canais para chegar depois ao PT “e outros agentes públicos ainda não identificados”.

O caso, a princípio, ficou nas mãos do juiz federal Sergio Fernando Moro, em Curitiba, até o STF considerar que desdobramentos da “lava jato” não devem necessariamente ficar sempre na mesma vara. A maioria do Plenário entendeu que o primeiro critério para fixar competência é o local onde ocorreu o delito com pena mais grave ou onde se praticou o maior número de infrações.

Na mesma linha, o ministro Teori Zavascki determinou em outubro que os inquéritos sobre um suposto esquema de corrupção na estatal Eletronuclear passem a ser competência da Justiça Federal no Rio de Janeiro, onde fica a sede da empresa.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Sei que é pré julgameto e

    Sei que é pré julgameto e posso queimar a língua.

    Mas, na boa, esse juiz tem cara de coxinha.

    Vai ser uma briga de foice para ver quem prende o Lula primeiro.

    1. Caramba!!! Você é Ninja também?

      Você sacou isto só vendo a foto do cabra?

      Eu também sou Ninja, se a foto fosse da mão dele eu poderia antecipar todas as decisões que ele dará no caso.

       

  2. Sua orientanda de doutorado é

    Sua orientanda de doutorado é a Janaina Conceição Paschoal, ela assinou o parecer do impechemant de Dilma junto com o Helio Bicudo. Coincidência não ?

    1. Retificação

      Onde se lê: Sua orientanda de doutorado

      Leia-se: “Orientadora”.

      Note-se que são pessoas distintas, e que a escolha ideológica da primeira não condiciona aquela do segundo.

  3. Qual a razão para ficarem

    Qual a razão para ficarem repetindo o mantra do ex-vereador do PT se, sabem as ostras, o cara deixou o PT há mais de 20 anos e, ultimamente, reside no PSDB?

    1. Ah, vá, você não conhece o

      Ah, vá, você não conhece o PIG e seus fiéis?

      Pelo andar da carruagem – ou eu é que hoje estou fragilizado – tenho a impressão de que posso abandonar a perspectiva de um Brasil mais justo, em que todos tenham oportunidade para prosperar, em que haja educação e saúde para todos, dignidade… Nosso país continuará sendo uma das maiores economias do mundo, mas também o mesmo campeão de sempre em pobreza, desigualdades e muita, muita violência. Entretanto haverá um lustroso governo composto por gente “fina, elegante” porém não tão sincera assim, mas que fala francês e que a-do-ra os Estados Unidos…

      Francamente acho muita generosidade de quem se dispõe a exercer cargo público eletivo sem ser para levar uns “por fora”, como a Dilma, a Jandira Feghali e muitos outros vêm fazendo, apenas por, literalmente, amor à pátria.

       

      Eita que o negativismo do PIG está batendo… Eu, hein?

       

      P.S.: E haverá o dia que ensinarão nas escolas que os árabes, assim como os fenícios, os maias e os astecas, foram uma cultura e civilização que houve, uma vez no nosso planeta. “Parece que contribuiram, sim, só não sei muito bem com o que…”

  4. Juízes independentes do Poder Midiático

    Na minha régua pessoal de valores, acredito em juízes que sejam independentes do Poder Midiático, que não devam favores, privilégios ou “prestígio” a órgãos da mídia, sobretudo aqueles ligados ao Poder Econômico, e nesse âmbito principalmente em sua esfera financeira e multinacional, com interesses geopolíticos no Brasil.

    Considero a independência essencial a todas as profissões de Estado. Essa independência é que traz legitimidade social e confiança no Estado.

    Esse juiz aí dessa matéria parece que atende aos meus requisitos de integridade para o cargo.

     

     

  5. Já estão fustigando para ver

    Já estão fustigando para ver qual justiça ele pratica…

    A do “Igual para todos” ou a do “Chico e a do Francisco”?

    As hienas vão cair matando…

  6. A Lei de médios

    Não precisaria nem de Lei de Médios. Bastaria uma Lei que obrigasse a todos os processos correrem em segredo de Justiça, que as asas da midia seriam completamente cortadas.

    Aliás isto é assim em alguns países desenvolvidos. O processo só viria a público após finalizado, impedindo que a midia saiba do que se passa e impedindo que faça pressão sobre o juiz. Seria muito mais justo, preservaria de destruir reputações de inocentes, e impediria a midia de julgar, pois quem deve julgar é o Juiz.

    Mas quem seria o corajoso a propor tal lei?

  7. Ex-petista

    Não sei se é coincidência ou porque a corrupção está enorme, mas toda vez que vou ler um texto encontro alguém sendo acusado de corrupção que alega ter recebido favores do Lula. No caso em questão, Eike Batista, citado acima, que disse ontem que recorreu ao Lula para evitar falência. Esse Lula é bonzinho mesmo. Dá bolsa miséria para o povo compra arroz, feijão e ovo, e dá milhões de reais para os amigos (comparsas no crime). Viva Lula. Viva o PT. Quero me filiar ao PT para ver se eu fico rico, já que não tive a sorte de nascer filho do Lula.

  8.  
    Uma aula ao

     

    Uma aula ao Lewandoviski

    Uma crítica direta e aberta contra o Lewandoviski que disse “Temos de ter a paciência de aguentar mais três anos sem nenhum golpe institucional” , assim colocando-se claramente num lado, quando o juiz deve-se manter imparcial e julgar.

    Muito chato um ministro do supremo ter a orelha puxada por um juiz substituto….

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador