O que a Carne Fraca e o projeto de terceirização ensinam à esquerda, por Reginaldo Moraes

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Escândalo na fiscalização de alimentos e a desregulamentação do mercado de trabalho deveriam desafiar os sindicalistas a propor meios para aumentar o controle dos interesses econômicos das empresas e oxigenar a representação política

do Brasil Debate

O que a Carne Fraca e o projeto de terceirização ensinam à esquerda

por Reginaldo Moraes

O escândalo da “Carne Fraca” mostrou várias coisas ao mesmo tempo. Antes de mais nada, escancarou a luta pelo protagonismo dentro da Polícia Federal – cada delegado querendo aparecer mais do que o outro. A qualquer custo. Depois, a tentativa de chantagear políticos, pela mesma instituição: primeiro, um recado ao ministro da Justiça, supostamente “chefe” da PF; quando outro ministro criticou a PF, reação parecida.

Depois veio Blairo Maggi – que Deus o tenha e o Diabo o receba. Não constava em delações, no dia seguinte a suas declarações, passou a constar. E os delegados fizeram questão de alertar: o que vazamos é apenas parte de nossa munição. O estado policial foi deslanchado com os golpistas e agora reina absoluto. Manda recados via vazamentos.

Será que alguém, fora Poliana, achava que a indústria da carne era pura e saudável? Ora, será que alguém pensa algo semelhante sobre o leite, os pães, os remédios, as frutas e legumes? Existe alguém que pelo menos não suspeite que comemos venenos e falsificações todo dia? Será que alguém imagina que alguma dessas grandes corporações paga em dia e integralmente os impostos e taxas? Será que alguém sonha que em algum dia o reino dos fiscais era imune às gracinhas dos fiscalizados? Só agora nos “escandalizamos” com essas “revelações”?

Neste episódio, argumentos sobraram de todos os lados. Sobre as maldades dos carniceiros – óbvias. Sobre as vantagens dos competidores internacionais com este choque – igualmente óbvias. Sobre a briga de bastidores para ocupar espaço, mídia e poder – algo também muito óbvio.

O que não apareceu – e, no entanto, deveria ser óbvia – é a necessidade de criar canais permanentes e ampliados de “transparência”, essa palavra tão utilizada e tão cínica. Vou sugerir um deles, que venho repetindo faz tempo.

Por que não temos, no Brasil, uma representação dos trabalhadores na gestão das empresas – como em outros países que se livraram de ditaduras fizeram? É o caso de perguntar por que não temos eleição de comitês de empresas, com trabalhadores eleitos diretamente pelos seus companheiros, com mandato e estabilidade, com direito a inspecionar e divulgar as informações sobre a empresa: de quem compra, quanto vende, quanto paga de impostos, e assim por diante. Por que delegar a exclusivos fiscais do estado – por mais honoráveis que sejam – a vigilância fiscal, sanitária, ambiental e trabalhista?

Mais uma vez – estou ficando repetitivo – sugiro que os ativistas sindicais brasileiros, aqueles que ainda restam, deem uma olhada na legislação que a social-democracia alemã traduziu e entregou aos parlamentos espanhol português, depois da queda das ditaduras. Sim, só traduziu, não precisou nem inventar. Pode ser um ponto de partida. Até porque a representação trabalhista que temos é claramente envelhecida, burocratizada e, agora, se desmancha diante da pulverização do mercado de trabalho, graças à terceirização, automação e subcontratação.

Diante de escândalos como este, da Carne Fraca, está mais do que na hora de colocar na agenda um conjunto de propostas de esquerda. Que não apenas aumentem a regulação política dos interesses econômicos. Mas, também, oxigenem esta representação política.

Sindicalistas: ou mudam ou morrem de inanição

E já que estou no tema, aproveito para pegar carona em outro evento relevante do momento. O Congresso mercenário acaba de aprovar uma lei de desregulamentação e pulverização do mercado de trabalho, a chamada terceirização do fim do mundo. É um passo importante, mas é um passo numa caminhada que vem desde muitos anos. Faz tempo que o mercado de trabalho vem sendo esquartejado por operações do capital – via legislação e também via reengenharia das empresas. O resultado foi a fragmentação das categorias e o enxugamento das bases de muitos sindicatos, que viam seus representados e filiados escorrerem pelos dedos. A legislação recém aprovada dá um novo tranco – bem mais forte – nessa direção.

Os ativistas sindicais – aqueles que ainda existem – devem pensar rapidamente em criar ferramentas e formas de organização que respondam a esse desafio. Fenômenos semelhantes em outros países – como os Estados Unidos – podem servir de alerta ou inspiração.

No cenário americano, ao lado desses vetores que apontamos – automação, terceirização, subcontratação, migração de plantas – ainda se somou a massiva imigração latina, a terceira onda de migração daquele país. A selvageria do mercado de trabalho exigiu que ativistas de esquerda e sindicalistas (as frações menos burocratizadas da central AFL-CIO) inventassem novas ferramentas para organizar e mobilizar os trabalhadores formais e informais. Surgiram experimentos como os como os worker centers, as “paróquias” do Working America (movimento comunitário animado pela AFL-CIO) e as várias experiências de “sindicato-movimento social” que se espalham principalmente em regiões de forte presença de imigrantes.

Está mais do que na hora de a esquerda entrar na disputa com sua própria cara – e talvez coisas pequenas mas ousadas como estas sejam uma pista.

Reginaldo Moraes – É professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo. É colunista do Brasil Debate

Assine

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O velho chanceler

    Enquanto algum interesse não expõe a realidade todos acreditam no bom, belo e justo. Seja pela mais profunda ignorância ou por sobrevivência. Todos sempre estamos apartados da realidade. Seja a fidelidade do cônjuge, as virtudes da prole, a pureza da água, a salubridade da casa ou a honestidade cívica. Portanto, nunca é supérflua a pergunta: cui prodest…

    Ainda pior, toda reunião humana tem a sua inteligência total estabelecida pela média geométrica, não… errei… considerando o QI dos coxinhas midiotizados é impossível este cálculo.

     

     

  2. Brasil: Delegado e Juiz vira Político e Políticos viram lobbista

    Descartaram por completo o respeito a cidadania.

    É o caos.

    O que espanta é como essa gente:Grande parte dos Políticos, alguns Delegados, Juizes e Ministros dos tres poderes  perderam a vergonha e são tão descarados.

    Tenho certeza que a coisa piorou muito porque nas eleiçoes de 2016 fizeram a Kgada de votar avassaladoramente só nos aliados da Gang do Planalto. Aí , com esse aval, eles resolveram meter o ferro com areia e tudo

  3. EM PLENA CRISE MICRO EMPRESAS PAGANDO O PÃO QUE O DIABO AMASSOU.

    A questão sindical tem que ser olhada sim, mesmo sendo de esquerda temos que falar a verdade tem que modificar isso sim, vou lhe contar um acontecimento. tenho uma micro empresa e com essa crise já estou falimentar, para não deixar de pagar os 4 funcionários e também segurar o máximo para que a crise passasse então deixei de pagar alguns penduricalhos por falta de condição e saúde financeira da empresa, pois vejam, o sindicato dos trabalhadores avisou a sindicato  patronal que eu não tinha um tal REPIS que me dá direito de pagar os meus funcionários o salário do comerciário, então me enviaram uma intimação e mandaram um advogado na minha empresa, ou seja em  uma micro empresa para aplicar uma multa de R$ 5.0000 reais, ai eu disse para a senhora que me visitou: Dona eu não estou pagando porque não tenho mais de onde tirar dinheiro para conselhos federações etc., a Senhora pode ficar aqui comigo e veja quantas pessoas entram aqui na loja, como eu vou pagar isso, não tem como, estou pagando o essencial e não tenho mais como ficar com os funcionários, a questão é simples a empresa está falindo de tanto imposto, taxa, contribuição e etc. infelizmente eu não sei mais como lidar com isso, porque não estamos mais vendendo como a um ano atrás e ela foi embora e a cada dia chega uma carta registrada falando que como eu não paguei o sindicato patronal é lei eu serei penalizado, moral da história, o sindicado patronal os funcionários são todos parentes. Realmente não tem como sustentar certas coisas e a gente não deveria ser obrigado a pagar Sindicato Patronal.  Eu não posso ser obrigado a sindicalizar onde não me dão nada de volta.

  4. Eu gostaria de saber onde

    Eu gostaria de saber onde esconderam o delegado com dois insetos no nome?

    Deve estar em sindrome de abstinência de holofotes.

    Tomara que morra disso.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador