O relato de Dilma sobre as torturas sofridas na ditadura

Jornal GGN – Em dezembro de 2014, foi divulgado o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que detalha como a tortura era praticada por agetes do Estado durante o regime militar. Na época, a presidente Dilma Rousseff era uma das líderes da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, e foi presa em janeiro de 1970. Em relato para a Comissão Estadual de indenização às Vítimas de Torturas de Minas Gerais, em 2001, Dilma relatou as torturas que sofre e como teve um dente arrancado a socos.

“A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar”, relatou, contando que sofreu choques elétricos e foi amarrada em um pau de arara. “Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz completou o serviço com um soco arrancando o dente”, disse Dilma. Leia mais abaixo:

Do Terra

Dilma conta como teve dente arrancado a socos por torturador
 
“Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém sabe que você está aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber”, era uma das ameaças ouvidas de um agente público no período em que esteve presa
 
por Daniel Favero – publicado em 11/12/2014

 

O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado na quarta-feira, detalhou como a tortura era praticada por agentes públicos durante o período militar. As informações contidas nos depoimentos dão uma noção mais clara dos requintes de crueldade sem poupar nem mesmo mulheres, adolescentes ou inocentes presos de forma clandestina e sem qualquer direito básico a defesa, algo injustificável mesmo por aqueles que pregam a volta dos militares como se vê em algumas manifestações ou se ouve de alguns parlamentares.

Naquela época, a presidente Dilma Rousseff era uma das líderes de uma organização chamada Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Ela foi presa em janeiro de 1970, pela Operação Bandeirante. Assim como outros opositores do regime militar, Dilma foi torturada e até hoje alega sofrer com sequelas físicas e psicológicas.

No relato que fez à Comissão Estadual de indenização às Vítimas de Tortura de Minas Gerais, em 2001, Dilma conta como teve um dente arrancado a socos, sobre as sessões de tortura (algo que parecia ser uma praxe entre os presos interrogados), sobre ser amarrada em um pau de arara e sobre os choques.

“Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém sabe que você está aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber”, era uma das ameaças ouvidas de um agente público no período em que esteve presa. “Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças (…) Você fica aqui pensando ‘daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura’”, contou Dilma.

Dilma foi levada para a Operação Bandeirante no começo de 1970, em Minas Gerais. “Era aquele negócio meio terreno baldio, não tinha nem muro direito. Eu entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar: ‘Mata!’, ‘Tira a roupa’, ‘Terrorista’,’Filha da puta’, ‘Deve ter matado gente’. E lembro também perfeitamente que me botaram numa cela. Muito estranho. Uma porção de mulheres. Tinha uma menina grávida que perguntou meu nome. Eu dei meu nome verdadeiro. Ela disse: ‘Xi, você está ferrada’. Foi o meu primeiro contato com o ‘esperar’. A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi. Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro”, relata.

Oficialmente, a tortura sempre foi negada pelos militares. De acordo com o relatório da CNV, era uma prática instituída dentro do regime militar, inclusive com premiação de torturadores com a Medalha do Pacificador.

No caso de Dilma, o principal responsável pela tortura era o capitão Benoni de Arruda Albernaz. “Quem mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O Albernaz batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te interrogar, se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da palmatória, eu fui pro pau de arara”, conta. Albernaz era o chefe da equipe A de interrogatório preliminar da Oban quando Dilma foi presa, em janeiro de 1970.

Dente arrancado a socos 

Um dos pontos mais gráficos nos trechos do depoimento de Dilma contidos no relatório fala sobre o episódio no qual teve um dente arrancado a socos, que lhe acarretou sequelas até os dias atuais. “Uma das coisas que me aconteceu naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban. Minha arcada girou para outro lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz completou o serviço com um soco arrancando o dente”, conta Dilma.

Mas para estas pessoas, a principal memória dos dias em que foram submetidos a práticas desumanas e quase medievais de tortura, em pleno século 20, são as sequelas que perpetuam até hoje em suas vidas.

“Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos, agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, mas a médio prazo, o efeito na gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato.

Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente o resto da vida.

Quando eu tinha hemorragia – na primeira vez foi na Oban – pegaram um cara que disseram ser do Corpo de Bombeiros. Foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não me bater naquele dia. Em Minas Gerais, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registros disso até o final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital de Clínicas.

As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim”, relatou Dilma.

Lendo relatos como esse, seja da presidente ou de qualquer outra pessoa que esteve custodiada pelos militares naquela época, fica claro que, independente da orientação política ou do que cada um acredita, uma sociedade civilizada não deveria compactuar ou esquecer da selvageria que foi praticada naquela época e que se perpetua até hoje, de forma arbitrária, entre as camadas mais pobres, talvez como resquícios daqueles tempos.

Leia a íntegra do relatório da Comissão Nacional da Verdade

Redação

16 Comentários

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  1. torturantes

    Em 13 anos de lulopetismo, o que restou de prático dos depoimentos da Comissão Nacional da Verdade?

    Fala sério: alguém acha que Lula, em algum momento, se preocupou com o destino dos torturadores?

    Tenho pra mim que nem a própria Dilma.

    1. “alguém acha que Lula, em

      “alguém acha que Lula, em algum momento, se preocupou com o destino dos torturadores?

      Tenho pra mim que nem a própria Dilma.”

      O que você quer dizer com isso? Em sua opinião Lula ou Dilma deveriam perseguir os velhinhos torturadores e aplicar-lhes as mesmas torturas que Dima sofreu?

      Dilma deveria voltar a pegar em armas e assassinar os velhinhos torturadores?

      Putz…

      Não há o que fazer a não ser manter bem vivo na memória coletiva o que aconteceu para que não volte a acontecer, apenas isso!

      1. Memória coletiva?

        “os velhinhos torturadores”

        Jus, o que não falta agora é herdeiro dos velhinhos; e muitos são inda bem mais jovens que Jair Messias Bolsonaro.

        “manter bem vivo na memória coletiva”

        Jus, vivo em um meio social no qual se encontra a população supostamente mais beneficiada pelo lulopetismo (não me refiro aos banqueiros), mas, no entanto, canso de ouvir loas aos tempos da ditadura.

        Cadê essa memória coletiva?

    2. O que tem a ver uma coisa com a outra.

      O que tem a ver apuração da história com o que vc chama de lulopetismo?

      E o que o Lula tem a ver com a CV?

       

      Vai estudar, vagabundo, e não fique falando sobre o que não entende.

      1. zoológicas

        Na conta dos conchavos do lulopetismo de coalizão também coube a leniência quanto às sequelas da ditadura. A Comissão Nacional da Verdade, em rigor, tem sido apenas um empurrar com a barriga.

        Sempre é bom lembrar que o fascista Bolsonaro integrou, tranquilamente, partidos(PTB e PP) da suposta base de sustentação dos governos Lula e Dilma.

        No mais, a tortura policial continua prática corriqueira em Pindorama.

        “Vai estudar, vagabundo, e não fique falando sobre o que não entende.”

        A ofensa é mesmo digna de um humano que se quer um bonobo…

        …Se ao menos fosse um chimpanzé.

        Que te perdoem os antropoides.

        Vou dar ideia: “Severino Bonobo de Oliveira” é muito complicado; melhor trocar para “Chita”.

  2. Tinha 27, era apenas uma

    Tinha 27, era apenas uma mocinha indefesa, tratada pelos irmãos como muito rigor, mesmo morando na Zona do Sul do Rio. Com essa idade, estudando e trabalhando, ajudando em casa com meu salário, numa passagem de ano, por uma intriga de cunhada, meu irmão partiu pra cima de mim, e foi a primeira vez que levei um tapa na cara. Hoje somos dois idosos, mas eu jamais me esqueci daquele tapa, das violência impensada de um irmão mais velho, tão pouco das lágrima sentidas que escorreram dos meus olhos por muitos dias. Não adiante ninguém me dizer que aquilo passou e que eu devo perdoar. 

    Não vejo como nenhuma das vítimas desses monstros pderia hoje, nem nunca, olvidarem de momentos tão difíceis para as suas vidas. Eu tenho muito mais admiração por Dilma em face de sua história. Primeiro porque ela, mesmo contando a verdade, que, a meu ver, ainda pode esconder parte dela, talvez pra se preservar, enfim, é um exmplo de serenidade, de carinho, de generosidade. Todos as ações de Dilma no comando da Presidência tem sido de uma mulher firme, mas ao mesmo tempo muito tranquila. Suas apresentações na imprensa dispensam maquiagens: ela é o que é. Nunca se postou como uma pessoa vingativa, revoltada, amargurada, o que a faz muito superior. Quem sabe não seja esse o problema de um Bolsonaro, ou de um Agripino Maia, que são pessoas sedentas por vê-la se desmancahando em fragilidade. 

    Tenho por Dilma, e por todos que sofreram torturas pelos canalhas, um sentimento verdadeiro de solidariedade e de amor. Por isso, sofro com ela pelo que estão fazendo, como se fosse mais um momento, mais outro golpe de Estado, em que torturas continuam, embra de forma distinta. 

     

  3. deu mole……

    Dilma, voce deu mole com os torturadores de ontem………….

    eles voltaram, e te torturam de novo………..

    tem momentos que tem que deixar de ser republicana.

    tem que partir pra porrada, dar o troco.

    1. “Dilma, voce deu mole com os

      “Dilma, voce deu mole com os torturadores de ontem………….

      eles voltaram, e te torturam de novo………..

      tem momentos que tem que deixar de ser republicana.

      tem que partir pra porrada, dar o troco.”

      Infeliz comentário. Dilma não é porra-loka como você…

  4. No momento em que a

    No momento em que a Presidente mais precisa do apoio das Forças Armadas abre-se o armario das acusações cujo alvo são as Forças Armadas, é impressionante a falta de noção da politica real do poder e do mundo, alo, alo Maquiavel.

    1. Não entendi sua colocação. A
      Não entendi sua colocação. A que tipo de apoio você se refere? Você acha que existe alguma possibilidade das forças armadas fazerem algum movimento a respeito da crise?

      1. Ninguem governa só porque foi

        Ninguem governa só porque foi eleito. Um Pais tem varios POLOS DE PODER, o Congresso, o Judiciario, o empresariado industrial, o agronegocio, as Forças Armadas. Um governante PRECISA DE ALANÇAS com parte desses polos de poder, é impossivel governar isolado, sem apoios.  Qualquer governante precisa do apoio das Forças Armadas, meio batalhão de infantaria pode depor um Presidente, não ter apoios e acreditar que basta o diploma de elição para governar é uma ilusão historica. As Forças Armadas na Historia do Brasil são uma das tres instituições que criaram a nação, junto com a Igreja e a Coroa iberica. Janio se isolou e caiu apesar de ter tido a maior votação proporcional de uma eleição presidencial brasileira, Jango se isolou e caiu, Collor se isolou e caiu.

        Bancar a Comissão da Verdade foi um erro politico porque agride um dos polos de poder, quando precisar dele não vai ter.

        1. Jango não isolou-se, foi isolado pela mafia golpista

          Como escreveu muito bem Daniel Favero, uma sociedade civilizada não deve compactuar ou esquecer da selvageria que foi praticada naquela época e que se perpetua até hoje, de forma arbitrária, entre as camadas mais pobres, talvez como resquícios daqueles tempos.

    2. Dilma tem noção politica

      Dilma cometería a pior das infidelidades, a traição à memória de nossos mortos, se consentisse em pagar, pelas boas relações com os militares de hoje, o preço do esquecimento dos crimes cometidos pelos militares de ontem. Nos países sul-americanos submetidos ao terrorismo de Estado, só no Brasil os torturadores não somente permanecem totalmente impunes, mas também continuam a receber elogios por parte da cúpula das FFAA.

      Quanto ao Bolsonaro: O jornal O Dia publicou no final de dezembro de 2014, matéria sobre a acolhida “heróica” de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras, a mais tradicional escola de formação de oficiais do Exército Brasileiro.
      Se esses futuros oficiais têm de fato líderes à altura das tradições das FFAA devem é ser esclarecidos de que o psicopata a quem chamaram de líder já esteve envolvido em planos terroristas de explodir bombas naquela escola. E, ainda pior do que qualquer terrorista político, por dinheiro. Para melhorar o soldo foi disposto a espalhar bombas na escola de oficiais do Exército para mostrar que o Ministro, um oficial-general, “não mandava em nada”. Esse plano de Jair Bolsonaro para obter aumento de soldo em 1987 está minuciosamente descrito por uma publicação que não pode, em hipótese alguma, ser chamada de esquerda. É a Veja, edição número 999, de 27 de outubro de 1987, quando aqueles rapazes fardados nem ainda nascidos.

      Janio de Freitas:  ”O cinquentenário de 64 mostra-se como um brado uníssono de “ditadura nunca mais”. Talvez seja assim. Mas só poderá ser se consumadas duas condições. O ensino das escolas militares precisaria passar por reformulação total. A do Exército, mais que todas. […]. É por isso que se vê, há tantos anos, tão igual solidariedade e defesa dos atos e militares que, para a lei e para a democracia, são criminosos, muitos de crimes hediondos e de crimes contra a humanidade. As escolas militares não preparam militares para a democracia.

      Faço minha as palavras de uma escritora: ”O Brasil está ainda tomado pela mentalidade promovida e fortalecida pela ditadura. O espetáculo na Camara dos Deputados foi mais um exemplo. Os civis e militares que assumiram a resistência a um regime opressor são ‘terroristas’; os que massacraram corpos e torturaram são patriotas. E a impunidade reina soberana. Os grupos eversivos que compraram generais com malas de dinheiro são os mesmos que hoje financiam movimentos sociais, agindo à luz do sol. Até Delfim Netto, signatario do AI-5, ”l’ambassador veint per cent”, continua imperturbável, dando palestras e entrevistas.

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