O sangue novo e a prata da casa da FEE/RS, por Geraldo Hasse

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O sangue novo e a prata da casa da FEE/RS

por Geraldo Hasse

Sete meses depois de “extinta”, no papel, pelo governador José Ivo Sartori, a Fundação de Economia e Estatística (FEE) prova estar mais ativa do que nunca. Nesta terça (15/8) à tarde, com o auditório lotado (120 lugares) por profissionais e estudantes, um grupo de quatro jovens economistas da “casa” apresentou uma síntese da situação econômica do Rio Grande do Sul diante da crise brasileira. Como disse a economista Cecilia Hoff, numa metáfora precisa sobre aquele rico momento no subsolo da instituição que exerce no RS os papéis do IBGE e do IPEA, era “o sangue novo” diante da “prata da casa”, simbolicamente representada, na primeira fila, por meia dúzia de cabeças brancas – os veteranos da FEE, já aposentados como pesquisadores e professores. Belo encontro que há de ficar como lembrança desse tempo maluco.

Um resumo dos depoimentos – meia hora para cada um – seria suficiente para qualquer pessoa medianamente sensata concluir que o governo estadual errou redondamente ao extinguir a FEE e outras oito fundações, cujo custo não passa de 0,5% do orçamento gaúcho de 2017. Sempre que se vai à FEE para um debate, um seminário ou a simples apresentação de um estudo qualquer – e são tantos os indicadores que fazem parte de suas tarefas legais –, a gente sai enriquecido e/ou gratificado pela seriedade dos seus comentários, depoimentos e conclusões. A FEE é uma trincheira da inteligência do RS. Fundada formalmente em 1973, dá continuidade a estudos oficiais iniciados nas primeiras décadas do século XX.

No caso desse encontro-desabafo de 15 de agosto (para lembrar o dia do economista), o primeiro a falar foi Jefferson Colombo, que exibiu um sofisticado esquema de algoritmos para mostrar que o RS, por ser mais industrializado e exportador, foi dos primeiros estados a entrar em recessão (no primeiro trimestre de 2014), situação que se prolongou por 40 meses; no segundo trimestre de 2017, o fundo do poço foi alcançado e já se registram os primeiros sinais de retomada do crescimento, mas é preciso esperar mais uns meses até que se consolidem certas evidências. Foi uma palestra límpida e bem humorada, dentro do mais perfeito figurino técnico.

Já o economista Liderau Marques Jr., baseado em duas premissas – se você gasta mais do que arrecada, vai ter déficit; e não se pode apostar indefinidamente no endividamento como forma de governo –, defendeu a disciplina fiscal como a única saída da crise. Foi uma palestra técnica de viés conservador. Como uma das causas da crise fiscal gaúcha, Marques apontou a “ausência de um secretário da Fazenda forte”, capaz de dizer não aos políticos adeptos do “populismo”, isto é, que gastam sem controle (não é o caso do governador Sartori, que está na “boca do caixa”, só gastando o que arrecada – e assim mesmo sem controlar o déficit). Com sua palestra, Marques parece ter se apresentado como alguém disposto a fazer a lição de casa, no futuro. Se se tornar efetivamente secretário no futuro, não será o primeiro dos quadros da FEE a ocupar cargos técnicos e/ou políticos. Basta lembrar que foi dali que saiu a economista Dilma Rousseff.

Em sua intervenção, mais breve do que as outras, Cecília Hoff comentou ter encontrado na releitura dos clássicos da economia gaúcha alguns diagnósticos similares aos atuais sobre crises fiscais, conjunturais e estruturais ocorridas em outras épocas. Ou, seja, há sempre uma crise econômica no ar. Citou particularmente o economista Franklin Oliveira, que publicou em 1961 um estudo afirmando que o Rio Grande do Sul caminhava para se tornar “um novo Nordeste”, graças a uma tendência de perda de expressão econômica diante do conjunto do país. De modo geral, mesmo tendo dificuldade para fazer a transição da economia agropastoril para a industrialização moderna, o estado não chegou a sofrer o esvaziamento econômico previsto, já que o Produto Interno Bruto do RS vem acompanhando, com algumas perdas, o desempenho do PIB nacional, mérito do agronegócio regional com suas exportações, entre outros fatores. Segundo Hoff, se o RS sofreu para se adaptar às mudanças ocorridas nos anos 1990 – abertura comercial, Plano Real, ascensão econômica da China, expansão da fronteira agrícola no Centro-Oeste –, é preciso lembrar a rearticulação ocorrida a partir de 2000 com o fortalecimento do setor metalmecânico (máquinas agrícolas) e a implantação da indústria de veículos (GM), que compensaram a perda de espaço dos setores tradicionais da indústria (fumo, couro e calçados). Conclusão da jovem economista “sangue novo”: uma retomada do crescimento da economia regional só ocorrerá com investimentos em infraestrutura, especialmente em energia e petróleo.

O último a falar, Tomás Fiori, foi o mais contundente na crítica ao papel dos economistas, debruçados sobre “temas caindo de maduros” e presos a uma “falsa dicotomia: responsabilidade fiscal x irresponsabilidade fiscal”. Desde a Constituinte de 1987/87, segundo Fiori, os economistas dominam o debate sobre a descentralização tributária, esquecendo que “a história do federalismo é predominantemente política”. Para ele, não é novidade que “o labirinto fiscalista” tenha descambado para a guerra fiscal entre estados e municípios, cujos administradores estão envolvidos numa esquizofrenia política, com encargos e tarefas estabelecidos pelo comando federal. Nesse ponto, Fiori colocou o dedo na ferida que não para de sangrar:  “A Lei Kandir solapou a base fiscal do Rio Grande do Sul, que precisa reclamar à União e entrar numa queda de braço com outros estados”, disse ele, perguntando, em seguida, por que os fundos constitucionais favorecem o Centro-Oeste, cuja situação sócio-econômica é muito superior à da Amazônia e do Nordeste. Sua conclusão: sem luta política o Rio Grande não vai sair do buraco.  

Mais de uma dúzia de pessoas se manifestaram com perguntas e comentários. Muitos daqueles senhores grisalhos, entre eles o pai de Tomás Fiori, aposentado do BRDE, se declararam orgulhosos dos seus “herdeiros” na Casa da Duque de Caxias, 1691. O velho Fiori perguntou se alguém do governo do Estado procurou a FEE para pedir um jeito de sair da crise. A resposta coube ao coordenador da mesa, Martinho de Lazzari, o sereno diretor técnico da FEE. “Nós recebemos muitos pedidos de estudos sobre temas fundamentais da economia do estado mas, no caso específico da crise atual, a resposta é não”. Sim, a FEE não foi sequer consultada. Simplesmente foi “extinta” por decreto, mas por algum mistério insondável continua em atividade.  

O último a falar na rodada de terça-feira foi Claudio Accurso, o decano dos economistas do RS, 90 anos de articulação e lucidez. Ele resumiu o sentimento reinante com um depoimento que há de ressoar na História: “Perguntei ao Sartori (sou amigo dele) por que extinguiu as fundações. Ele não soube explicar. Fiquei com pena dele. Com pena e com raiva. Pobre homem. O Palácio Piratini é um deserto”.

(Geraldo Hasse, jornalista há 50 anos)

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Apenas uma curiosidade, nada

    Apenas uma curiosidade, nada a ver com o post.

    O autor, Geraldo Hasse, é o mesmo autor do livro biografia “Maurílio Biagi – O Semeador do Sertão” ?

    Obrigado.

     

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