Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
[email protected]

O sonho cantado de Martinho da Vila, por Aquiles Rique Reis

Abrir um CD é como começar um caderno novo: esperanças acendem diante da página em branco de um caderno ou de um CD virgem. Os dois acolhem de bom grado as nossas veleidades. Um e outro, cada um no seu cada qual, podem ser agentes de devaneios: o caderno, dos sonhos – basta abrir a primeira folha para ali escrever sobre a vida, plena de múltiplos anseios; o CD, do registro de ideias poéticas – basta gravá-lo para que ele espalhe a inspiração e a fantasia de quem nele deposita efêmeras esperanças.

Admito que há muito não inicio um caderno (computadores pra que te quero), mas em compensação, o que mais tenho feito é abrir CDs. E é aqui que eu quero chegar desde que comecei a preencher a tela em branco do Word (o caderno moderninho). Tenho em minhas mãos Enredo (Biscoito Fino), o novo CD de Martinho da Vila.

O plástico da capa reluta, mas cede à ponta da tesoura… pronto, eis o disquinho. Antes de pô-lo a tocar, admiro a capa, mais uma obra concebida pela genialidade de Elifas Andreato.

Finda a contemplação visual, dou-me à auditiva. No CD, Martinho traz a público algumas de suas músicas que ainda não haviam sido gravadas, bem como alguns sucessos. Entre sambas de terreiro e de enredo, alguns compostos para a extinta Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato e outros para a Vila Isabel, Martinho ateve-se aos segundos: são 24 sambas divididos em catorze faixas, todos dele, alguns com parceiros. Aí está a verdade.

Cinco maestros de gabarito criaram os arranjos, invariavelmente, grandiosos, usando cordas e sopros, mas principalmente uma cozinha de responsa. Martinho, no que faz muito bem, trouxe as suas crias para cantar com ele: Mart’nalia, Analimar, Tunico da Vila, Maíra Freitas (também uma das maestrinas), Martinho Tonho e Juju Ferreirah. O coro come. Diante de tanta musicalidade, todos, indistintamente, esmeraram-se no desempenho. Afinal, não dá para “mandar na trave” um samba de Martinho da Vila.

Martinho e Beth Carvalho (ela em ótima forma) cantam “Onde o Brasil Aprendeu a Liberdade” (MV) e “Sonho de um Sonho” (MV, Rodolpho e Tião Graúna), no qual cavaco e ritmo dão as cartas.

“De Alegria Pulei, De Alegria Cantei” (MV) e “Teatro Brasileiro” (MV e Gemeu) é outro bom momento a ser destacado do álbum. Tunico da Vila se juntou ao pai para cantar os dois belos sambas. Suingue na veia.

Em “Prece ao Sol” (MV) e “Iemanjá, Desperta!” (MV), Martinho canta com Alcione – show vocal e instrumental.

Linda também é a melodia em tom menor de “Tamandaré” (MV), samba feito para a Boca do Mato, que vem ligado a “Rui Barbosa” (MV), outro bom samba.

Ninguém tem a malemolência do cantar de Martinho. Qualquer outro que cantasse como ele canta seria mal visto. Mas Martinho, a exemplo do grande cantor Mário Reis (1907/1981), faz da arte de respirar no meio dos versos a sua marca.

Picardia suburbana e carioquice explícita compõem o perfil de Martinho da Vila. Ele que é o maior sambista do Brasil.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador