Odebrecht em Angola, fim do império, por Mathias Alencastro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Maka Angola

Jornal GGN – Artigo de Mathias Alencastro, na Folha, fala de Angola e do império da Odebrecht no país. No dia 23 de agosto o pais passará pela sua terceira eleição geral desde o fim da guerra civil e a primeira sem José Eduardo dos Santos, presidente há 38 anos. O episódio marca a atuação das multinacionais brasileiras.

A delação de Emílio Odebrecht traça todo o perfil do governo angolano desde os anos 1980 até agora. Um relato importante para entender a situação de Angola, com obras que barrariam a ação da Unita ou mesmo, depois de vencida a guerra civil, que fossem feitas como um Ministério-Paralelo de Obras Públicas e um financiador da família no poder.

O projeto de reconstrução nacional foi forjado por um consórcio bizarro, segundo Alencastro, transformando o governo em “aluno modelo” na África. O articulista afirma ser impossível ignorar o papel da Odebrecht e outras companhias que atuaram, tal qual a setecentista Companhia de Pernambuco e Paraíba e da novecentista Diamantes de Angola, que se ligaram em relação predatória e simbiótica com o Estado.

Leia o artigo a seguir.

da Folha

Odebrecht em Angola, fim do império

por Mathias Alencastro

Dia 23 de agosto, Angola realiza sua terceira eleição geral desde o término da guerra civil em 2002. Será o primeiro pleito sem José Eduardo dos Santos, presidente do país há 38 anos. A sua saída coloca um ponto final no império da Odebrecht. Trata-se de um dos episódios mais intrigantes da política externa das multinacionais brasileiras.

Em sua delação premiada, Emílio Odebrecht remonta os primeiros contatos com o regime angolano aos anos 1980. Enquanto o governo tentava conter o avanço dos combatentes da Unita, a sua empresa construía obras de infraestrutura estratégicas, ocupava minas de diamantes e até participava das tentativas de acordo de paz pilotadas pela ONU.

A vitória militar do governo em 2002 coincide com a decolagem da economia, alavancada pela alta do preço do barril de petróleo. Nessa altura, a Odebrecht era a maior doadora da Fundação Eduardo dos Santos, uma instituição que, de acordo com pesquisadores, destinava-se a desviar a renda petrolífera do Estado para os bolsos da família do presidente angolano.

Ainda segundo a delação de Odebrecht, na virada do século, o presidente angolano investiu a empresa com duas missões estratégicas: assumir o papel de Ministério-Paralelo das Obras Públicas e forjar uma elite econômica por via da conversão dos senhores da guerra em homens de negócios.

Durante a década seguinte, esse bizarro consórcio público-privado liderou um faraônico projeto de reconstrução nacional. Uma coorte de marqueteiros, consultores e aventureiros brasileiros gravitava em torno da Odebrecht e contribuía para a camuflar o regime angolano em aluno modelo do continente africano.

O colapso do superciclo de commodities em 2014 derrubou essa encenação grotesca. Desde então, em Angola, hospitais funcionam sem seringas, escolas abrem sem professores, e áreas habitacionais recém construídas viraram cidades-fantasma.

O desperdício de uma década de prosperidade desencadeou uma revolta silenciosa da população. Pressionado, o vetusto presidente decidiu ceder o lugar a um quadro do seu partido, João Lourenço, a fim de preservar os interesses financeiros da sua família. Totalmente comprometida com Dos Santos, a Odebrecht parece destinada a perder o seu lugar de mestre-de-obras do governo angolano.

A ascensão e queda da Odebrecht ultrapassa o escopo da diplomacia brasileira, uma vez que, durante a sua hegemonia, a empresa era a ponte através da qual os governos brasileiros entravam em Angola, e não o contrário. O seu império deve ser compreendido como um episódio da relação entre Estado e capital privado nos dois lados do Atlântico Sul.

Afinal, é impossível ignorar o paralelo histórico entre a Odebrecht e outras companhias que, à imagem da empresa negreira setecentista Companhia de Pernambuco e Paraíba e da novecentista Diamantes de Angola, desenvolveram uma relação predatória e simbiótica com o Estado. Atualmente matéria-prima de promotores e juízes, a história da Odebrecht em Angola terminará na mesa dos cientistas políticos.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

15 Comentários

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  1. Falso Moralismo

    “… impossível ignorar o paralelo histórico entre a Odebrecht e outras companhias que, à imagem da empresa negreira setecentista Companhia de Pernambuco e Paraíba e da novecentista Diamantes de Angola, desenvolveram uma relação predatória e simbiótica com o Estado.”

     

    Legal…

     

    Agora me conta qual multinacional no mundo não tem uma relação predatória e simbiótica com o Estado…. e vice versa….

  2. E isso aí Felipe. A crítica
    E isso aí Felipe. A crítica liberal já tem todo o espaço na grande mídia. E esse rapaz salvo engano e colunista da Folha, onde lemos essa crítica todo dia.

  3. Em situações normais de um

    Em situações normais de um pais-potencia e com um Estado nacional consciente de seu peso geopolitico a Odebreht seria um instrumento da projeção de poder do Estado brasileiro em Angola, no modelo usado pelas nações europeias e pelos EUA em toda sua trajetoria. Inves disso o Brasil por falta de vontade de um Estado nacional vigoroso preferiu DESTRUIR essa empresa que seria um braço do Brasil na Africa a pretexto de sermos um pais honesto ao contrario dos demais do planeta que

    não sacrificariam os interesses nacionais em nome da beatitude empresarial. A Standard Oil sempre foi um instrumento dos EUA, a Shell um instrumento do Imperio Britanico, a Siemens do Estado alemão, a Suez um instrumento do Estado francês,

    a FIAT uma projeção da Italia. Os Estados usam suas grandes empresas como projeção de poder, os EUA criaram e dominam a Aeabia Saudita em função da CHEVRON, antiga Standard Oil of California, que lá descobriu e explorou petroleo, as grandes multinacionais se confundem com seu Estado bandeira que lhes dá proteção e as utilizam como arma de penetração em territorios onde deseja projetar poder, negocios e influencia.

    Ao inves de usar a Odebrecht o Estado brasileiro a destruiu e liquidou com a presença brasileira em muitos paises, pior ainda,

    entregou ao Departamento de Justiça dos EUA a função de carrasco executor e na função coletando multas saborosas.

    1. Prezado senhor André
      Prezado senhor André Araújo!!!!!

      Haja pontos de exclamação!!!!

      Namíbia, Moçambique, Guiné Bissau, Angola e países do mar do Caribe…
      Éramos (somos) o braço forte do estado brasileiro, participamos intensamente e de maneira colaborativa, participativa em total projeção do estado a empresas/ empreiteiras por nosso propósito de estado e projeção político comercial nestes países.
      Houve intensa sinergia entre MRE, nós, o MAPA, por conseguinte Embrapa. Forte presença do estado para auxiliar novos projetos e contratos…
      Tínhamos a turma da feijuca e da pelada em todos estes portos e canteiros destas empreiteiras. Odebrecht, Andrade Gutierrez eeeeeeee… Tudo se foi… Não mais temos a mesma receptividade com os locais…
      Vemos chineses e sul coreanos nos substituindo…

      Lamentável o que fomos e somos…

      Nos anos passados, eramos vistos como potência amiga, colaborativa, graças a um olhar IGUAL, graças a nossa brasilidade em colaborar e ajudar com o nosso melhor.

      Fizemos irmãos nas marinhas africanas, fizemos negócios com países afiliados…

      Virou pó…

    2. E a isso se soma, André, à

      E a isso se soma, André, à tragédia do nome Oderbrech ser, hoje, na américa latina, sinônimo de desastabilização política. Por causa dela, um presidente peruano Humala ( o Lula deles) está preso e outro está foragido na nos EUA; na Colômbia, atingiu o presidente da Colômbia, e recém ganhador do Nobel, José Santos; na Venezuela, pega os dois lados – Caprilles e Maduro; no México também está dando problemas, mas lá, como não são bestas como os brasilieros e conhecem bem o vizinho do norte , vão resolver os problemas sem espantar os cavalos. Pior do que perder empresas em países estrangeiros, é ser visto como um leproso, que se quer distância. Cada vez mais a elite brasileira age com a baixeza da elite francesa dos anos 30, que preferiu entregar seu país ao seu maior rival histórico, os alemães, quando estes estavam sob um dos regimes mais odientos da história, o Nazismo. A elite francesa decidiu ser súdita dos alemães – enquanto os ingleses, liderados por Churchill, enfrentavam os bombardeios da força aerea alemã. 

    3. em….

      Caro sr. André, nossa Esquerdopatia Esquizofrênica Bipolar Tupiniquim não lé ou ouve nem aqueles especialistas a quem permitem escrever nos seus veículos. é surreal e trágico. Um AntiCapitalismo tosco, vulgar, ignorante e sem bases. Parece que estão defendendo alguma coisa, quando de forma idiota estão destruindo a Economia Nacional, um dos seus mais importantes pilares econômicos e diplomáticos e Empregos altamente especializados de meio milhão de brasileiros. Explicar este Brasil de 2017 é muito simples. P.S. O MP Brasileiro que disse que não destruiria apenas empresas nacionais deveria citar algum Diretor de Multinacional estrangeira preso ou alguma empresa estrangeira que estão sabotando ou exigindo ressarcimentos extraordinários. Existem mais de 400 citadas na Operação Lava Jato. Continuamos lamentáveis e bestiais.    

      1. em….

        Esta Angola, que sugeriram exemplar, antes de Odebrecht livrou-se após anos de guerra do Colonialismo Europeu, para posteriormente lutar uma Guerra Civil, contra guerrilhas mercenárias abastecidas por Potências Ocidentais e em especial EUA, que não queriam um Governo Socialista, apoiado por Cuba em Terras Africanas.  Mas todo este massacre por interesses humanos e boas intenções. Más intenções apenas das Empresas Brasileiras. Surreal. 

  4. Simportex Angola

         Quem quiser conhecer o General Lourenço pesquise sobre a ” Simportex “, empresa publica angolana a qual ele comanda.

          E irão entender que não existe vacuo no Mundo, saiu a Odebrecht, o Brasil se escanteou, e outro ocupou os espaços, não foram europeus, mas os chineses.

          P.S. : Caso se interessem tb. é bom, para aprender como as coisas funcionam fora dos vestais de CWB, sobre a Orion Publicidade, uma empresa angolana ( tb. do general Lourenço ), que recebeu um “fringe” de US$ 15 milhões da “falecida” Odebrecht.

          Quem sabe se no dia que perceberem que a China conseguiu suas bases em: Moçambique, Namibia, Angola, Nigéria e STomé & Principe, graças a miopia estratégica do Ocidente; nossos caros “aliados” lá do Norte compreendam a besteira que fizeram ao alijar o Brasil de suas  incursões soft power na costa africana do Atlantico Sul, MAS será tarde.

    1. Não tem andado bem o filho do

      Não tem andado bem o filho do Alencastro nesses artigos publicados na Folha. Talvez a chegada recente ao Brasil prejudique a sua perspectiva. “Ciro Gomes pode ser o Macron (?) brasileiro à esquerda (?)” (sic). “Odebrecht é ‘co-construtora’ do ‘para-Estado’ angolano” (sic). Não uma empresa que ocupou um nicho, do qual é desalojada por haraquiri do Estado brasileiro, patrocinado pelos EUA. Ainda não vi um insight.

    2. Prezado senhor Aurélio

      Prezado senhor Aurélio Junior,

       

       

      Infelizmente o senhor tem razão… Perspicaz sua observação sobre como “sairam conosco”. É observar os destinos das ultimas viagens de instrução no Ne Brasil.

      Em outros tempos, a USN passava ao largo da cabotagem, raramente davam costado, eramos nós, os portuguses e franceses em maior frequência no inicio da decada. “Nossos aliados/ amigos” do norte continuam não frequentando o pedaço, ao passo que sim, chineses aumentaram em muito a frequência. Todavia, chineses e coreanos criam “guetos” locais. São mal vistos pela população média e SEQUER tentam/querem a aproximação. 

      São Tomé era ” quase” um porto brasileiro…. O golfo com um todo. Não mais… 

      O senhor tem razão, uma questão? “O grande irmão” previa tal efeito colateral no atlântico sul? Com tantos operadores offshores ocidentais?

       

       

      1. ” Guetos “

            Formamos a Marinha da Namibia, tanto o componente “mar” como de infantaria, mas quando os chineses chegaram em Windwoek para fazer e montar um “porto”, a area a eles definida, nem o pessoal da Namibia Navy Force tinha acesso sem anuencia dos chineses, eles funcionam assim em qualquer lugar da Africa, estão enfiando mais de US$ 800 M para um porto de aguas profundas em Stomé – Principe, e vão operar sem mão de obra local.

            O grande irmão previa ?

            Pergunta dificil, com varias respostas possiveis, pois para o Depto of State (estratégico e longo prazo ) a influencia chinesa em Africa Continente ( costas ) é preocupante, mas para o DoD ( Defesa ) e NATO – allies , tal procedimento seria algo “controlavel”, pois o mais importante seriam os mares do sudeste asiatico ( uma abordagem tática imediatista ), e não deu para levar , ou mesmo considerar estas opções conjuntamente.

            NE Brasil : Para NATO em visão estratégica de origem, a ” Cintura do ATL-Sul ” ( Natal – Noronha – Dakar ), é a fronteira naval deles, trabalhada a anos ( desde os anos 50 ).

  5. Nossa que artigo lindo.
    Pelo

    Nossa que artigo lindo.

    Pelo visto, Angola, em 80 era o paraíso na terra, com tudo funcionando, e chegou a malvada Odebrescht e corrompeu o País.

     

    Impressionanete como o jornalismo brasileiro perdeu o vigor, o idealismo e o senso de realidade. Parece que ficam cavando, buscando, dia após dia, maneiras de falarem mal do País e de suas empresas nacionais. Fazem questão, não sei se por burrice, ignorancia ou má fé, apenas, enxergam defeitos nas empresas nacionais e virtudes nas estrangeiras.

    Segundo fontes que tenho, a Odebrescht adquiriu tal nível de excelencia no País não comparado sequer as outras grandes empreiteiras que tinhamos, como Camargo Correa, OAS, Andrade, etc…

    Ora, se uma empresa ve um mercado consumidor potencial para seus produtos e serviços ela deveria declinar por razoes morais, é isso mesmo  ? É isso que o artigo advoga ? Isso que na década de 80 o Brasil era uma ditadura.

    E nós cidadãos que atuamos como pessoa física, temos que pegar atestado de bons antecedentes morais de qualquer cliente que nos procure ?

    É muito triste ver que nosso País se perdeu. E se perdeu por moralismos toscos e não em busca do interesse nacional, do interesse em crescer, em produzir e em se desenvolver.

    A horda de bestializados pela mídia, principalmente os jovens pagarão o preço por isso por gerações.

     

     

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