Os desafios de Macron, por Mario Vargas Llosa

“Europeísmo de Macron é uma de suas melhores credenciais; União Europeia é o mais admirável projeto político da nossa época”
 
"Europeísmo de Macron é uma de suas melhores credenciais; União Europeia é o mais admirável projeto político da nossa época"
Foto: Colagem com imagens de divulgação
 
Jornal GGN – O político peruano e escritor vencedor do Nobel de Literatura, de tendências liberais, Mario Vargas Llosa, avalia a repercussão do segundo turno na França, que está sendo decidido hoje entre o centrista Emmanuel Macron e a ultradireitista Marine Le Pen, temendo a vitória desta última, representando a Frente Nacional, o que significaria “o ressurgimento do nacionalismo destrutivo”, disse em coluna para o El País.  
 
Por outro lado, as pesquisas apontam vantagem de Macron. Sua vitória, pondera Llosa, poderá ser contabilizada como “um milagre na França”, tendo em vista a fragilidade acumulada das “correntes universalistas e libertárias” naquele país, fazendo uma crítica o Estado Francês que não se modernizou suficientemente ao longo de sua história. 
 
“Macron está consciente de que a construção de uma Europa unida, democrática e liberal não só é indispensável para que os velhos países do Ocidente, berço da liberdade e da cultura democrática, continuem desempenhando um papel primordial no mundo de amanhã, mas também que, sem ela, eles ficariam cada vez mais marginalizados e empobrecidos, em um planeta no qual Estados Unidos, China e Rússia, os novos gigantes, disputariam a hegemonia mundial”. 
 
El País
 
Macron, por Mario Vargas Llosa
 
O nacionalismo e o populismo aproximaram a França do abismo nos últimos anos, mas hoje, caso a Frente Nacional seja derrotada, uma recuperação pode começar
 
Este artigo aparecerá no mesmo 7 de maio em que os franceses estarão votando no segundo turno das eleições presidenciais. Quero crer, como dizem as pesquisas, que Emmanuel Macron derrotará Marine Le Pen e salvará a França do que teria sido uma das piores catástrofes da sua história. Porque a vitória da Frente Nacional não significaria apenas a ascensão ao poder em um grande país europeu de um movimento de origem inequivocamente fascista, mas a saída da França do euro, a morte da União Europeia no curto prazo, o ressurgimento dos nacionalismos destrutivos e, em última instância, a supremacia no velho continente da renascida Rússia imperial sob o comando de Vladimir Putin, o novo czar.
 
Apesar da previsão das pesquisas, o triunfo de Emmanuel Macron, ou, melhor dizendo, de tudo o que ele representa, é uma espécie de milagre na França dos nossos dias. Porque, não nos enganemos, a corrente universalista e libertária, a de Voltaire, a de Tocqueville, a de parte da Revolução Francesa, a dos Direitos do Homem, a de Raymond Aron, estava tremendamente debilitada pela ressurreição da outra, a tradicionalista e reacionária, a nacionalista e conservadora – da qual o Governo de Vichy foi genuíno representante, e a Frente Nacional é emblema e porta-estandarte –, que abomina a globalização, os mercados mundiais, a sociedade aberta e sem fronteiras, a grande revolução empresarial e tecnológica do nosso tempo, e que gostaria de fazer a cronologia retroceder e voltar à poderosa e imarcescível França da grandeur, uma ilusão à qual a contagiante vontade e a sedutora retórica do general De Gaulle deram vida fugaz.
 
A verdade é que a França não se modernizou, e o Estado continua sendo um obstáculo esmagador para o progresso, com seu intervencionismo paralisante na vida econômica, sua burocracia ancilosada, sua tributação asfixiante e o empobrecimento dos serviços sociais, em teoria extraordinariamente generosos, mas, na prática, cada vez menos eficientes pela impossibilidade crescente em que se encontra o país de financiá-los. A França recebeu uma imigração enorme, em boa medida procedente de seu desaparecido império colonial, mas não soube nem quis integrá-la, e essa é agora a fonte do descontentamento e da violência dos bairros marginalizados onde os recrutadores do terrorismo islâmico encontram tantos prosélitos. E o enorme descontentamento operário produzido pelas indústrias obsoletas que são fechadas, sem que sejam substituídas por novas, fez com que o antigo cinturão vermelho de Paris, onde dez anos atrás o Partido Comunista ainda se assenhoreava, seja agora um baluarte da Frente Nacional.
 
Tudo isso é o que Emmanuel Macron quer mudar e assim o disse com uma clareza quase suicida ao longo de toda a sua campanha, sem ter cedido em momento algum a concessões populistas, porque sabe muito bem que, se as fizer, no dia de amanhã, no poder, será impossível para ele levar adiante as reformas que tirem a França de sua inércia histórica e a transformem em um país moderno, em uma democracia operacional e, como já é a Alemanha, na outra locomotiva da União Europeia.
 
Macron está consciente de que a construção de uma Europa unida, democrática e liberal não só é indispensável para que os velhos países do Ocidente, berço da liberdade e da cultura democrática, continuem desempenhando um papel primordial no mundo de amanhã, mas também que, sem ela, eles ficariam cada vez mais marginalizados e empobrecidos, em um planeta no qual Estados Unidos, China e Rússia, os novos gigantes, disputariam a hegemonia mundial, fazendo a Europa “des anciens parapets” de Rimbaud retroceder a uma condição terceiro-mundista. E que Deus ou o diabo nos livrem de um planeta em que todo o poder ficaria repartido nas mãos de Vladimir Putin, Xi Jinping e Donald Trump!
 
O europeísmo de Macron é uma de suas melhores credenciais. A União Europeia é o mais ambicioso e admirável projeto político da nossa época e já trouxe enormes benefícios para os 28 países que fazem parte dela. Todas as críticas que podem ser feitas a Bruxelas são suscetíveis de conduzir a reformas e adaptações às novas circunstâncias, mas, ainda assim, graças a essa união os países membros pela primeira vez em sua história têm desfrutado de uma coexistência pacífica tão longa, e todos eles estariam pior, economicamente falando, do que estão se não fosse pelos benefícios que a integração lhes trouxe. E não acredito que se passem muitos anos até que o Reino Unido descubra isso, quando as consequências do insensato Brexit se fizerem sentir.
 
Ser um liberal, e assim se proclamar, como fez Macron em sua campanha, é ser um genuíno revolucionário na França dos nossos dias. É devolver à empresa privada sua função de ferramenta principal da geração de emprego e motor do desenvolvimento, é reconhecer no empresário, acima das caricaturas ideológicas que o ridicularizam e vilipendiam, sua condição de pioneiro da modernidade, e lhe facilitar a tarefa enxugando o Estado e concentrando-o no que de fato lhe diz respeito – a administração da justiça, a segurança e a ordem pública –, permitindo que a sociedade civil compita e atue na conquista do bem-estar e da solução dos desafios econômicos e sociais. Essa tarefa já não está nas mãos de países isolados e encapsulados, como queriam os nacionalistas; no mundo globalizado dos nossos dias, a abertura e a colaboração são indispensáveis, e isso os países europeus entenderam dando o passo feliz da integração.
 
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Redação

7 Comentários

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  1. A SE SABER:
    Há ” 1,4 bilhões

    A SE SABER:

    Há ” 1,4 bilhões de pobres, entendidos como pessoas que gastam menos de 1,25 dólares por dia. Um bilhão e quatrocentos milhões de pobres, entendidos como pessoas que não têm nenhuma dessas coisas que achamos tão comuns, quase naturais: casa comida roupa limpa luz água perspectiva futuro – um presente.

                Um bilhão e quatrocentos milhões de pobres, entendidos como pessoas que, em geral, comem menos do que deveriam. Um bilhão e quatrocentos milhões de pobres, entendidos como pessoas que não são necessárias: descartáveis, homens e mulheres que o sistema globalizado considera desnecessárias, que devem tolerar porque os genocídios não são bem vistos na televisão, que pode levar os fracos a ter pesadelos.

    E diante deles a frase mais clássica do liberalismo triunfante em seu melhor meio de comunicação, The Economist: ‘Apesar dos dois séculos de crescimento econômico, mais de um bilhão de pessoas continuam em extrema pobreza’.

                Todo o peso está no apesar, para insistir que a economia desses dois séculos não é causa dessa extrema pobreza.

    ‘Esta é a pobreza absoluta: uma condição de vida limitada que impede a realização potencial dos genes com as quais as pessoa nasceu, uma condição de vida tão degradante que insulta a dignidade humana – e ainda assim uma condição de vida tão comum que constitui a sorte de 40% dos povos dos países em desenvolvimento. E não somos nós que toleramos essa pobreza, embora esteja em nosso poder reduzir o número dos afetados por ela, nos negando a cumprir as obrigações fundamentais aceitas pelos homens civilizados desde o princípio dos tempos’

                Quem disse isso não tinha a menor possibilidade de ser considerado de esquerda. Robert McNamara era, então, presidente do Banco Mundial. Antes havia presidido a Ford Motors e, como ministro da Defesa de Lyndon B. Johnson, a escalada militar norte-americana no Vietnã. Foi em Nairóbi, Quênia, há quarenta anos.”

    CAPARRÓS, Mantín. A Fome, tradução de Luís Carlos Cabral, 1a. edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2016, p.499-500 

    Destaques emitálico e negritos meus

  2. Um defensor do mercado apoiando outro, claro

    Ora, ora. Mais do mesmo. Se esse discurso fosse verdadeiro, a globalizaçao nao teria aumentado a desigualdade, como aumentou.

    1. Pois é. 
      Um candidato do

      Pois é. 

      Um candidato do establisment, continuação do governo Hollande (de quem foi ministro), vai possibilitar uma recuperação,  ampliando as reformas pró mercado?

      Então,  tá.

      O Vargas Lhosa, então,  deve estar exultante com o Brasil e seu “grande passado pela frente”.

       

  3. SE Llosa está contente com a

    SE Llosa está contente com a Vitória de Macron, é pq Le Pen era a melhor candidata.

    Llosa não passa de um plutocratazinho de merda. É o Efeagacê peruano.

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