Os sujos e os mal-lavados, por Roberto Amaral

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Senadores nesta quinta-feira 25: eles vão dar vazão ao que os rentistas desejam

Os sujos e os mal-lavados, por Roberto Amaral

Festa acabada, músicos a pé, diz conhecido provérbio português. Vencida a quinzena olímpica e amortecido por horas o complexo de vira-lata, o país, mal refeito da ressaca cívica, se reencontra com seu drama cotidiano: a degradação da política, magnificando todos os nossos problemas, expondo nossas misérias sob lente de aumento.

E não sem razão – mais uma ironia da história? – seu epicentro se encontra em Brasília e se instala no Senado Federal onde ínclitos pais-da-pátria como Cristovam Buarque e Romero Jucá (antigos colegas de Luiz Estevão, Demóstenes Torres e Delcídio do Amaral) se aprestam a consagrar o defenestramento da presidente Dilma Rousseff, que, dentre muitas incompatibilidades com o trato parlamentar, tem a de ser, ou haver sido, pouco indulgente com as vaidades e os pleitos grandes e pequenos e quase sempre pouco republicanos de nossos Brutus.

A Câmara Alta está atenta ao clamor dos interesses dos rentistas da avenida Paulista e suas adjacências; assim, dos capitães do agronegócio voltados para a renovação anual das anistias de débitos com os bancos oficiais. Seus nervos sensíveis captam as apreensões das multinacionais ante o risco de o Brasil persistir em ter para si e seu povo os recursos do pré-sal. Suas antenas auscultam os sempre atendidos interesses do atraso tão bem representados pela conjunção formada pelas bancadas da bala, do boi, da bíblia (leia-se neopentecostais) e dos bancos, afinal vencedores e governantes, após haverem sido rejeitados, quatro vezes, pela manifestação eleitoral, a única legítima nas democracias.

Mas essa tragédia é, tão-só, uma das muitas manifestações da degradação geral que pervade, como erva daninha, como cupim que lavra madeira de má qualidade, as instituições que sustentam nossa República sereníssima e nossa jovem e injusta democracia. Não se trata, pois, de simples acaso o encontro da decomposição ética, política e representativa do Poder Legislativo (de que é simbólico o fato de o presidente da Câmara Federal haver sido, até bem pouco tempo, o ainda deputado Eduardo Cunha), com a degradação do Poder Executivo, chefiado por um politico sem voto e sem honra de que se despedem todos os perjuros.

Grita em manchete de primeira página a Folha de S. Paulo do dia 25 deste agosto, data de instalação do justiçamento da presidente Dilma: “Temer diz ter votos para o impeachment” e o novo presidente da Câmara dos Deputados, áulico do titular afastado por corrupção, anuncia o adiamento do julgamento do correntista suíço, que assim vai fugindo do processo que visa à cassação de seu mandato.

Os poderes degradados se abraçam ao Poder Judiciário, de cuja decadência (que a todos deve assustar) fala alto a lamentável circunstância de seu mais notório e destacado membro (ministro do STF e presidente do TSE) ser useiro e vezeiro em agredir o Código de Ética da Magistratura, pertinaz na antecipação de julgamento de processos, notório serviçal de uma sigla partidária, empresário conhecido do ensino privado-comercial. É o mesmo Mendes que reteve por quase dois anos decisão do STF sobre a proibição do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, que defende com unhas e dentes. É o mesmo que condena a chamada ‘lei da ficha limpa’ que o Tribunal que em má hora preside terá de fazer respeitada.

Trata-se, o Judiciário, de poder que não julga, que abriu mão da isenção e da imparcialidade, amante dos altos salários, dos convescotes e das vilegiaturas. Esse poder Judiciário, desde os Moros ao ministro Mendes, está assumidamente a serviço da sociedade de classe e nela é instrumento de uma fração da classe dominante, esta que, à margem da soberania popular, está prestes a consolidar-se como senhora da República.

Entre os poderes, como se fosse um deles, planeta solitário em seu próprio e imaginário sistema, circunavega o Ministério Público, esse exótico ‘quarto poder’ (como a mídia monopolizada), reinante numa ordem constitucional que só conhece três.

Talvez seja este o momento mais crucial dessa crise que vem de longe, pois não há esperança de boa saúde para uma sociedade sem Poder Judiciário confiável.

Este último traço salta à vista na série de irregularidades que vieram à tona com o vazamento, para a mídia de sempre, para a revisa de sempre, de uma pré-delação premiada ditada para membros do MPF, em termos e sob condições desconhecidas, por um empreiteiro interessado em trocar anos de prisão por denúncias contra quem quer que seja. Desse vazamento resultou a resposta encrespada do líder do STF e, no mesmo e lamentável tom, a resposta do chefe do MPF, falando para seu público interno, e tomando suas dores.

Por que a gritaria de hoje?

Desses vazamentos, dos vazamentos passados, são, reconhecidamente, responsáveis ora membros inominados do MPF, ora agentes da Polícia Federal, ora mesmo juízes de direito, como o notório Sérgio Moro, este agindo principalmente no episódio do grampo criminoso que registrou diálogos entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula e, ainda criminosamente vazados, repito, pelo juiz Sérgio Moro.

É justificada a estranheza diante da inesperada sensibilidade de ministro e procuradores. Ora, desde seu primeiro dia, a Operação Lava Jato é cediça no vazamento selecionado de delações, que violenta direitos. Até aqui sob os aplausos da mídia, o silêncio do Conselho Nacional de Justiça (e por silente, cúmplice), a omissão do Conselho Nacional do Ministério Público. Não há registro de qualquer iniciativa, seja do STF, seja do MPF para apurar essas irregularidades que alimentam os escândalos e movem a Lava Jato e seus justiceiros que tudo se permitem porque se dizem e se julgam portadores de uma missão divina: salvar o país da corrupção.

Essa é, porém, história passada. Pois, não mais que de repente, o STF se viu cobrado em seus brios e o procurador Rodrigo Janot partiu em defesa de seus colegas de corporativismo. Foram todos para a mídia (em busca de seus minutos, horas, dias de vedetes), a grande imprensa que deles se alimenta cevando as vaidades de quem deveria preservar a imagem das instituições que simbolizam, e – praz aos céus! –, trocaram mútuas e graves acusações. Acusações com as quais, lamentavelmente, somos levados a concordar.

Qual fato novo a justificar a algaravia dos príncipes? O vazamento atinge um membro da Suprema Corte e, pior!, trata-se, a vítima, de querido pupilo do ministro Mendes! O ministro-protetor, assim testado em seus brios, deu vaza à sua reconhecida incontinência verbal, e os jornalões escancararam as portas já abertas de suas páginas explorando o escândalo: o líder da direta no STF dirigiu suas baterias contra o MPF e os procuradores, contra a Lava-Jato, contra a ‘lei da ficha limpa’, contra a delação premiada e, evidentemente, contra os vazamentos.

Há informações de acusados sendo orientados a dirigir o depoimento contra notórios desafetos do situacionismo de hoje como condição, para celebração de acordos, e o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (FSP. 24.08.16) refere-se a indicações de que investigadores não raro pedem para que sejam mencionadas pessoas do Poder Judiciário em depoimentos.

O que se discute à margem da reação naturalmente destemperada do ministro Mendes é a indignação seletiva. Como pôr na mesma balança o silêncio conivente de ontem com a reação emocional de hoje? Por que o silêncio conivente quando as vitimas são o ex-presidente Lula e seus correligionários ou pessoas próximas? Por que o silêncio diante dos vazamentos anteriores, por definição ilegais e moralmente covardes? Por que, por exemplo, o silêncio diante dos vazamentos das delações de Sérgio Machado e do ex-senador Delcídio do Amaral? Por que o aplauso ao juiz Moro quando do vazamento do grampo criminoso que atingia a presidente Dilma e o ex-presidente Lula?

O procurador Janot, pego de calça-curta no episódio, atribui o vazamento ao próprio depoente, o que é inverossímil, pois o vazamento pode interessar a muitos, mas inequivocamente não interessa ao delator, e, agora, intempestivo, resolve, suspender a delação do empresário. Na verdade, esse Léo Pinheiro, o dono da famosa empreiteira OAS, foi defenestrado porque não disse o que os procuradores queriam ouvir. E, silenciado, não poderá falar sobre aqueles que os procuradores não querem que fale.

Por que, para pelo menos limpar a imagem de parcialidade, não apurar todas as delações até aqui?

Roberto Amaral

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Prezado Amaral, essa é uma

    Prezado Amaral, essa é uma fotografia da situação deprimente de ontem (25/08/16), mas poderia ser de qualquer dia de 1530 pra cá. Este território que se pretendeu país a partir de 1822, só será um País e uma nação quando tivermos povo. E acredito que isso deve demorar pelo menos outros cinco séculos.

    Enquanto tivermos esse sistema eleitoral que elege 90% de burgobandida; enquanto a elite devastadora ocupar todos os cargos do Estado; enquanto permanecermos com um sistema midiatico torpe desrregulado e reacionário; enquanto não avaçarmos na linha de investimento na educação; enquanto o voto for obrigatório; enquanto as punições as autoridades que desrrespeitam a lei for essa m… que aí está; enquanto não se criar mecanismo democratizadores de administração e aplicação da Justiça; enquanto permanecer essa caixa preta dos cofres públicos; enquanto, mesmo o fajuto sistema de voto atual, não for respeitado esqueça que seremos um povo de verdade e jamais seremos um país. Jamais!

  2. O povo brasileiro é o mais domesticad do mundo. Não há esperança

    Nossa população é domesticada demais, não reage, inexiste. Não entende e não se importa. E isto fica tão claro e gritante, que juízes, promotores e mídia agora nem se eesforçam em fingir coerência e manter um mínimo de parcialidade fingida. Agora não disfarçam amis nada. O governo golpista prendeu uma dúzia de brasileiros sob a justificativa mal explicada de que eram terroristas, não provou nada, deixou-os incomunicáveis (como na época da ditadura), e adivinhem só, ninguém fala nada!

    A cultura brasileira é podre demais! Nosso povo é dócil, domado, subserviente demais! Podemos apssar a miséria que for, termos um ladrão que deixa 20% da população desempregada como FHC, e o povão não reage. Abaixa a cabeça, vai ver novela ou futebol. Sempre fomos assim na média, na maiora da população. Como esquecer a descrição da participação popular na proclamação da república, onde o povo “assistiu tudo bestificado, sem anda entender, sem aprticipar, apoiar, reneagr,a penas abaixar a cabeça e continuar obedecendo.

    A elite brasileira, não dá pra negar, foi competentíssima, na formação da cultura média do povo, seus servos, obedientes, apssivos, totalmente sem reação, covardes, interesseiros, corruptos, clientelistas, dependentes, e,a dmitamos, emburrecidos com a falta de educação. Uma obra de arte que durará gerações. Sem previsão de acabar. 

    Nosso país foi planejado pra ser de pura exploração, pra que suas riquezas fossem usadas pra sustentar uma metrópole externa, com a operação interna sendo mantida por uma elite de donos do poder social e conômico, judicial e político, so quais poderiam ficar coma riqueza restante, tendo plena liberdade pra fazerem o que quiserem coma  terra e seus habitantes em troca de manter o sistema. Simples assim. Chame-os de arrendatários de Capitanias Hereditárias, de coronéis, de Elite, De financistas, de Donos do Brasil, tanto faz, são a mesma coisa, e e mantém o mesmo esquema desde 1500. Sem previsão de acabar.

  3. Espantoso que ainda

    Espantoso que ainda respeitamos as instituições,

     

    já avacalharam com tudo, restituiram a censura, a perseguição politica, rasgaram a constituição, estão condecorando traidores da pátria e carascos do futuro dos trabalhadores, e assistimos a tudo como se a ordem estivesse mantida, não está! Estão dando uma rasteira no povo brasileiro com a cumplicidade da midia quadrilheira e corrupta.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador