PEC 241 e a estratégia para o desenvolvimento e a desigualdade, por Thiago Caliari

A discussão está relacionada ao projeto de desenvolvimento econômico que se espera alcançar com a PEC. Quem não concorda com ela está preocupado com o remédio escolhido para resolver a questão do déficit público e com o grupo da população que pagará a maior parte da conta

do Brasil Debate

PEC 241 e a estratégia para o desenvolvimento do país e a desigualdade de renda

por Thiago Caliari

Muito tem sido discutido sobre a necessidade do financiamento da dívida pública brasileira, que, de acordo com o Tesouro Nacional, era de R$ 2,96 trilhões em julho/2016, aproximadamente 70% do PIB brasileiro. A preocupação expressa pelo governo é que a mesma cresceu 21,7% em 2015 e continua em viés de alta.

Nesse ínterim, o governo de Michel Temer tem patrocinado a aprovação da PEC 241. A despeito da simplicidade em entender a estratégia, a ciência econômica não é exata e, por isso mesmo, a proposta não é unanimidade. O governo tem sinalizado para todos que ‘quem é contra a PEC 241 é contra o Brasil’. Essa é uma falácia, bem como quem é a favor da proposta também não é o dono da verdade.

A discussão está relacionada ao projeto de desenvolvimento econômico que se espera alcançar com ela, e quem não concorda com a PEC 241 está preocupado com o remédio que se estabelece para resolver a questão do déficit público e qual o grupo da população que pagará a maior parte da conta.

Que a PEC 241 tende a estabelecer uma organização do orçamento público, não há discussão. Porém, as questões devem ser outras: essa é a única solução? Quais parcelas da população saem ganhando ou perdendo com a mesma? Em resumo, a discussão deve ser sobre a influência das soluções em relação à desigualdade de renda no Brasil. Esses são assuntos que precisam ser debatidos e melhor entendidos pela população em geral, e essa é uma humilde tentativa de colaborar com essa discussão.

A PEC 241

A PEC 241 propõe o congelamento real das despesas primárias[1] do governo a valores de 2016, corrigindo a mesma pela inflação do ano anterior durante 20 anos, mantendo despesas totais iguais às despesas de 2016[2], com a ideia de ganhos de eficiência com a melhoria da gestão pública e considerando que as necessidades de contenção da dívida pública são primordiais.

É primordial o aumento da eficiência, mas questões que devemos pensar sobre isso, porém, são se os ganhos de eficiência serão suficientes (supondo realmente que ocorram) para cobrir, por exemplo:

a)A queda da despesa primária por pessoa, visto que a população brasileira será adicionada de 20 milhões de pessoas até 2036;

b)A necessidade de continuar aumentando os investimentos em educação, visto nossa baixa competitividade em nível mundial, a reforma do ensino médio com aumento de custos com o currículo integral e o Plano Nacional de Educação (A Fundação Todos Pela Educação[3], organização plural, aponta esses riscos, dentre outras instituições);

c)A necessidade de manutenção e consolidação do SUS, visto que o Brasil gasta por pessoa menos em saúde do que países como a Argentina e Chile, dentre vários outros desenvolvidos[4]. Considere ainda, segundo especialistas, o custo adicional pelo envelhecimento da população, a expectativa de aumento da judicialização da saúde (pela diminuição das garantias de acesso) e o menor ritmo da incorporação de novas tecnologias (pelo maior custo de produtos e processos mais inovadores).

A explicação do Governo Federal, normalmente, é dizer que o teto é geral e que gastos em educação e saúde podem aumentar em detrimento de outras áreas. Diante disso, porém, atentem para o seguinte gráfico, que apresenta o orçamento executado da União em 2014.

 

Em primeiro lugar, despesas que tendem a crescer acima do valor real durante o tempo como a Previdência (pelo envelhecimento da população, mesmo considerando a reforma que será discutida em breve e que discutirei em outro texto) e despesas rígidas, como de pessoal, tendem a limitar o poder de atuação do Governo no lobby dos ministérios na repartição do Orçamento Público. Segundo, estudo do FMI[5], regras de controle de despesas diminuem os investimentos em países em desenvolvimento (a diminuição do público não tem contrapartida no aumento do privado).

Estudos do IPEA[6] e do Conselho Nacional da Saúde[3] apontam perda na saúde em torno de R$400 bilhões em investimentos até 2036. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF) da Câmara Federal[7]estima perda de R$ 24 bilhões anuais na educação. Cabe lembrar que é praxe em um país que entende a necessidade da C&T aumentar seu orçamento – ou pelo menos refutar a redução – em época de crise.

Parece, com essas questões, que a retórica política não poderá ser praticada tão facilmente na realidade. Indicações sobre isso são visíveis. Uma é a mudança nos repasses da saúde para 15% da receita orçamentária já em 2017[8], que deve atenuar o orçamento apenas no começo do período de validade da PEC, em uma tentativa de tornar mais palatável a proposta. Outra é que em 13/10/2016 Michel Temer sinalizou que a PEC pode ser revista em 4 ou 5 anos[9], o que parece ser um claro indicativo da sapiência do Governo sobre o problema social que pode ser disseminado em horizontes maiores de tempo.

Considerando a necessidade do controle da dívida pública, outras opções precisam ser levantadas. Elencam-se abaixo alguns remédios.

Reforma tributária e taxa de juros

A reforma tributária é uma necessidade. Primeiro, é necessário entender que a carga tributária brasileira não tem subido, permanecendo por volta de 33% do PIB nos últimos 18 anos e situada, normalmente, entre as posições 30 e 40 no mundo. O problema da mesma é a forma como ela é cobrada, saindo de uma tabela regressiva, em que os maiores impostos estão sobre o consumo, para uma tabela mais progressiva, com imposto maior para renda e riqueza.

Isso é importante porque hoje o Brasil cobra mais de quem tem menos e menos de quem tem mais, sem considerar que diminuir o imposto sobre o consumo aumenta a competitividade das empresas, visto que diminui os custos finais dos produtos[10].

O Conselho Federal de Economia (COFECON) que, aliás, é contrário à PEC 241[11], aponta que 72% da arrecadação de tributos se dão sobre o consumo e salários, enquanto na OCDE a média é de 33%[12]. Considere ainda:

a)O Brasil não possui tributação sobre lucros e dividendos de pessoa física desde 1995, na contramão da política tributária praticada no mundo. Em média, a tributação total do lucro somando pessoa física e jurídica chega a 48% nos países da OCDE, enquanto no Brasil essa taxa está abaixo de 30% por causa das isenções tributárias;

b)Regressividade das faixas de IRPF no Brasil. Para se ter uma ideia, é só pensar que uma pessoa com salário de R$ 5 mil paga os mesmos 27,5% de uma pessoa que recebe R$ 500 mil.

c)Tributação irrisória sobre heranças, de 4% a 8%, enquanto em países da OCDE chega a 30%.

Pesquisadores do IPEA e da ONU[13] apontam que a inclusão de uma única alíquota adicional para alta renda e tributação progressiva sobre os dividendos poderia aumentar a receita do IRPF em R$ 72 bilhões e diminuir a desigualdade em 4,31%.

Outra questão a ser destacada é a política atual de juros pagos na dívida pública. O Brasil possui taxas similares a países africanos. Considerando os países do BRICS, é o país com maior taxa de juros seguido por Rússia (10%), África do Sul (7%), Índia (6,25%) e China (4,35%). Se entender que essa taxa passa sobre o risco de calote nacional, nada explica estarmos mais próximos a países africanos do que países com padrão de desenvolvimento parecido com o nosso.

Se a explicação fosse o controle da taxa de inflação, alguns estudos e economistas têm destacado que a inflação brasileira hoje é principalmente de custos, o que evidencia o baixo efeito dos juros como política monetária de contenção de preços[14]. Parece que estamos usando um canhão para matar uma formiga.

Além disso, alguns apontam a necessidade da auditoria da dívida pública, como, por exemplo, o grupo Auditoria Cidadã e o senador Álvaro Dias – PV,que se pronunciou a favor da auditoria em plenário do Senado . Considerando o peso da mesma no orçamento (como visto na figura 1) não há como discordar dessa questão. A título de exemplo, a auditoria da dívida equatoriana resultou em anulação de 70% da dívida externa[15],[16].

Com essas opções, a parcela de renda superior da população tende a perder participação na renda nacional em detrimento da população mais pobre e da classe média, o que significa diminuição de desigualdade social[17]. Sabendo que o poder político é advindo do poder econômico, fica claro entender que sem uma pressão social sobre a política não há possibilidade de retirar o custo dos ajustes dessas classes sociais com menor poder de barganha.

Considerar as opções propostas não é nada de diferente do que existe no mundo. Diferente é a PEC 241, sem precedentes em qualquer outro lugar[18]. E, pensar que aprovar a PEC pode resolver o curto prazo, sendo possível lutar em um segundo momento para essas outras questões importantes pode ser ilusão. A aprovação mostra poder do governo e, mais uma vez, veremos as reformas que são realmente necessárias serem delegadas ao esquecimento.

Notas:

[1] As despesas primárias correspondem ao conjunto de gastos que possibilita a oferta de serviços públicos à sociedade, deduzidas as despesas financeiras. São exemplos das despesas primárias as despesas de custeio, pessoal, investimento, previdência, educação e saúde.

[2] Nos primeiros anos pode haver algum ganho real pela tendência de queda da inflação. Mas considerando que o centro da meta é 4,5%, esse ganho tende a ser pequeno e acabar rapidamente.

[3]http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/39952/de-olho-na-educacao-pec-241-e-um-retrocesso-para-a-educacao-do-brasil/

[4]http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160920_nt_28_disoc.pdf

[5]https://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2015/wp1529.pdf.

[6] Idem.

[7]http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/14/politica/1476478906_158199.html

[8]http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-10/educacao-pode-perder-r-24-bi-anuais-por-conta-da-pec-241-mec-nega

[9] Essa porcentagem era para ser praticada em 2020.

[10]http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/10/1822488-pec-de-teto-de-gastos-pode-ser-alterada-em-4-ou-5-anos-diz-temer.shtml

[11]Um outro problema da carga tributária é sua baixa eficiência na entrega de serviços públicos. Destaquei anteriormente que essa é uma necessidade premente, mas que não deve ser solucionada basicamente com o congelamento dos gastos.

[12]http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3382:cofecon-diz-nao-a-pec-241&catid=206:notas-oficiais&Itemid=840

[13]http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3349:carta-dos-economistas-brasileiros-reunidos-natal&catid=206:notas-oficiais&Itemid=840

[14]http://www.ipc-undp.org/one-pager-312-tributa%C3%A7%C3%A3o-e-distribui%C3%A7%C3%A3o-da-renda-no-brasil-novas-evid%C3%AAncias-partir-das-declara%C3%A7%C3%B5es-tribut%C3%A1rias-das

[15] Quem quiser se aprofundar mais nessa questão sugiro o artigo acadêmico disponível em:http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/3482. Acesso em 15/10/2016.

[16]http://www.auditoriacidada.org.br/o-que-fazemos/

[17] A dívida externa brasileira está em torno de R$ 334 bilhões (http://veja.abril.com.br/economia/divida-externa-brasileira-cai-pouco-e-soma-us-33141-bi-em-maio-diz-bc/).

[18] Para informação, a distribuição da posse dos títulos públicos mostra que aproximadamente 70% estão em mãos de instituições financeiras e fundos de investimento, além de 16% nas mãos de não-residentes.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Tentar Barrar a PEC 241 é
    Tentar Barrar a PEC 241 é inútil á essa altura do campeonato. O clima em Brasília é de pega-mata e esfola qualquer direito social. A direita está vindo de grande abstinência, e vai fazer de tudo contra o povo que puder.

    Mas não é só a direita que está com abstinência de poder. O povo está em abstinência de bolso vazio e governo de direita. Precisa de uma boa dose de estado mínimo e fascismo para aprender.

    Qual a relação do povo com a esquerda ??? A verdade é que o povo nos odeia e não vai dar ouvido a nada do que falarmos. E se der ouvidos, é para saber nossa opinião para ser contra.

    Com Muita sorte, em 10 anos, quando a PEC puder ser derrubada com maioria simples, o clima é outro e a gente derruba. O pré-sal e a Petrobrás que serão perdidas para sempre. O Brasil viverá assim eternamente. Dando 5 passos para frente, e depois dando 10 para trás.

    Lembrando que em 64 a direita deu um golpe, e o povo levou 20 anos para sair do coma e pedir diretas já. As diretas não passaram e o povo aceitou. Levou mais 5 anos para o povo votar para presidente, e não cansado da direita, elegeu a direita para a presidência mais 3 vezes. Da última vez que o povo teve abstinência de direita, levou 38 anos para cansar dela… da esquerda, levou 13.

    Talvez lá para 2054 a esquerda volte ao poder como o Tzypras, que só administra terra arrasada e não faz governo nenhum de esquerda pq não tem mais margem nenhuma.

    O Povo Brasileiro pagará por ser ingrato e medíocre.

    Se algum dia o capitalismo no mundo acabar, garanto que o último lugar que ele acabará será no Brasil.

  2. Com a PEC 241, a inflação oficial será bem menor do que a real

    Se a PEC 241 for aprovada, a inflação oficial será bem menor do que a inflação real. A projeção da inflação para 2017 e 2018 está abaixo de 5% embora não haja qualquer indício de aquecimento da economia, já que não há confiança no aumento investimentos na produção, o que levaria ao aumento da oferta. Pelo contrário…

  3. Ontem os Golpistas aprovaram

    Ontem os Golpistas aprovaram também dentro da PEC  241  um Jabuti  que se chama  CRIAÇÃO DE ESTATAIS INDEPENDENTES  . Esse projeto que o Serra não conseguiu aprovar no senado foi imbutido na PEC . Nada mais é do que  quebrar o País de vez , foi trazido da /GRECIA e foi o que acabou com ela …  Trata-se de  criar empresas estatais independentes  onde  elas vão lançar no mercado DEBENTURES da Divida  com desagio de até 60%  somente para pessos  qualificadas  e juridicas ou seja Bancos… Eles comprarm essa divida com desagio  muio grande  mas só que recebem juros  sobre os 100 % e estão ganhando entre  15 e 20 % ao an de juros . Em  Sp já temos essa empresa é a CPSEC onde já temos  mais de 1 bilhão em debentures lançados no mercado por Alckmin e outra é na Prefeitura  de BH ( PSB ) …Isso foi denunciado pela  Auditora Maria Lucia Fatorelli em Audiencia publica convocada pelo senador Paulo Paim ..

    Esse é mais um GOLPE dentro do GOLPE

  4. Sonsa

    O largo espcetro que denominamos “classe média” é uma tragédia no Brasil. Se ao invéns de querer tanto se parecer com os burgueses, tivesse ha muito tempo determinado as reformas, não estariamos aqui hoje. A reforma tributaria é a primeira da longa lista de reformas e deveria estar presente em todas as manifestações dos coxinhas sempre de verde e amarelo.

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