Pimentel rejeita ajuste com corte de serviços públicos

Jornal GGN – Fernando Pimentel (PT), governador de Minas Gerais, tem de lidar com a crise fiscal, mas rejeita a ideia de realizar um ajuste cortando serviços públicos. Ele também não vê com bons olhos o projeto de recuperação fiscal dos Estados proposto pelo governo Temer, que exige contrapartidas como privatização de empresas e revisão de benefícios e salários dos funcionários públicos. “O Rio [que já aceitou as contrapartidas] está numa situação de fim de linha, de colapso dos serviços públicos. Não é o caso de Minas”, afirma.

Em entrevista para o jornal Valor Econômico, Pimentel fala sobre as saídas para a crise estadual, como a venda da sede do governo do Estado, inaugurado em 2010 pelo então governador Aécio Neves (PSDB) e também sobre as acusações da Procuradoria Geral da União de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que teriam ocorrido quando Pimentel foi ministro durante o primeiro governo de Dilma Rousseff.

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Do Valor

“Fazer ajuste fiscal cortando serviço público, estou fora”

por Marcos de Moura e Souza

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), tem um buraco bilionário para administrar. As despesas estaduais superam em R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões a arrecadação e os gastos com funcionalismo consomem simplesmente 94% de toda a receita efetivamente disponível. Pimentel, que assumiu o governo em 2015, vem parcelando salários de parte dos servidores e, para driblar restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), decretou em dezembro situação de calamidade fiscal.

Para sanar os desequilíbrios, o governador conta com uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina que a União compense os Estados pelas perdas que tiveram com desonerações de ICMS das exportações previstas pela Lei Kandir. Não está claro ainda quando, como e quanto a União vai ressarcir os Estados. Enquanto isso, Pimentel segura gastos e busca paliativos para reduzir o déficit. Entre eles, a venda da sede do governo do Estado, um complexo projetado por Niemeyer e inaugurado em 2010 pelo então governador Aécio Neves (PSDB).

Minas poderia – como fez o Rio de Janeiro – pedir socorro ao governo federal. O projeto de lei de recuperação fiscal dos Estados que o presidente Michel Temer (PMDB) mandou para a Câmara, permite que Estados em apuros fiquem três anos sem pagar o que devem à União e os ajuda a renegociar dívidas com bancos. Alívio até arrumarem a casa.

Mas Pimentel torce o nariz para algumas das contrapartidas do projeto. Principalmente, a privatização de empresas, como a elétrica Cemig, e revisão de benefícios e salários do funcionalismo. Economista e ex-professor universitário, o governador diz, porém, que está aberto a discutir uma elevação da contribuição previdenciária dos servidores, o fim da estabilidade de algumas carreiras e que, a priori, não é contra privatizações.

Além dos problemas de caixa, Pimentel tem outro, com a Justiça. A Procuradoria Geral da União, no âmbito da Operação Acrônimo, o acusa de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Atos que teriam ocorrido quando ele foi ministro do Desenvolvimento (2011-2014), da ex-presidente Dilma Rousseff. A suspeita é que esse dinheiro tenha irrigado sua campanha. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas aguarda uma decisão do STF. A questão é: o STJ tem poder para tornar Pimentel réu ou só pode fazer isso com aval prévio da (governista) Assembleia Legislativa de Minas? Caso se torne réu, Pimentel corre o risco de ser afastado do cargo.

Na primeira entrevista a um jornal de circulação nacional desde que assumiu o governo, Pimentel recebeu o Valor no Palácio da Liberdade, antiga sede do governo em Belo Horizonte, onde despacha. Falou sobre finanças, privatização, ajuda federal, Previdência e Acrônimo. Mas evitou tratar de 2018, PT e Lava-Jato. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Minas precisa da ajuda da União para sair do vermelho?

Fernando Pimentel: Precisa em termos. Precisa para o que a gente está propondo: começar um processo de negociação de encontro de contas entre o que a União nos deve e o que nós devemos para União. De um lado as perdas que tivemos com a lei Kandir e de outro a nossa dívida com a União. A decisão do STF de novembro do ano passado diz que até novembro deste ano a União terá de aprovar legislação de ressarcimento aos Estados. Enquanto isso não acontece, por que o governo não senta com os Estados credores, principalmente os que são grandes exportadores, e já não começa esse processo? Temos R$ 135 bilhões a receber [cálculo do Conselho dos Secretários de Fazenda e que o governador diz que, a depender do indexador, pode cair para cerca de R$ 90 bilhões] e devemos R$ 88 bilhões.

Valor: Qual seria o efeito disso?

Pimentel: Teremos economia anual em torno de R$ 6 bilhões a R$ 6,5 bilhões que é o desembolso que para pagar as prestações da dívida com a União. Teremos também a possibilidade de recuperar a capacidade de endividamento.

Valor: Se o projeto de lei de recuperação fiscal dos Estados for aprovado na Câmara como quer o governo Temer, Minas vai aderir a ele?

Pimentel: Se o pleito do encontro de contas for atendido, está resolvido problema. Não precisaremos de três anos de carência [de pagamento de dívidas como a União oferece em troca de contrapartidas]. O Rio [que já aceitou as contrapartidas] está numa situação de fim de linha, de colapso dos serviços públicos. Não é o caso de Minas. De 2015 para 2016 a nossa receita fiscal aumentou 10%, valor nominal, sem aumentar impostos e num contexto de queda de atividade econômica. [Houve elevação de ICMS, mas segundo Pimentel, a variedade de regimes tributários fez com que a alíquota média do imposto não mudasse muito]. Fizemos arranjos tornando mais eficiente o sistema de arrecadação. Por outro lado, a despesa aumentou só 3,5%, que é exclusivamente pessoal, um aumento vegetativo.

Valor: Por que não deter esse aumento com pessoal?

Pimentel: Não é possível deter. São as carreiras, as progressões das carreiras, as promoções da polícia. Não tem a menor possibilidade. O custeio nós reduzimos fortemente. O esforço está sendo feito e nesse caminho vamos equilibrar as contas, só que lá na frente.

Valor: Antes de terminar o seu mandato, em 2018?

Pimentel: Não. Para isso teremos que ter uma medida adicional como essa do encontro de contas.

Valor: O Estado pode prescindir do socorro do governo federal?

Pimentel: Pode prescindir é uma expressão muito forte. Não é isso, não. Temos um caminho alternativo e estamos oferecendo esse caminho à União. Um caminho viável que terá de ser trilhado mais cedo ou mais tarde porque uma decisão do STF é definitiva, e foi tomada por unanimidade, 11 votos a 0.

Valor: A alternativa é realista?

Pimentel: Não consigo imaginar um cenário em que essa alternativa não se realize. Seria descumprimento de sentença do STF. Mas, hipoteticamente, só para não deixar sem resposta: com as contrapartidas obrigatórias que estão elencadas, acho que Minas não aderiria ao Projeto de Recuperação fiscal.

Valor: O sr. contesta a exigência de contrapartidas?

Pimentel: Acho que são necessárias. O que eu acho que não deve ser feito é colocar o elenco das contrapartidas na lei. Você pode dizer que haverá contrapartidas e que a suspensão de pagamento terá que ser acompanhada de garantias reais a serem estabelecidas entre Ministério da Fazenda e os governos estaduais. Cada Estado tem uma realidade. Eu fico me perguntando por que três anos? [tempo previsto no projeto para os Estados ficarem sem pagar dívidas com União]. Por que não seis anos ou 12 anos para fazer um ajuste mais suave no tempo e não sacrificar tanto servidores e serviços públicos?

Valor: O sr. vai conversar com outros governadores para propor alterações no projeto?

Pimentel: Não quero abrir uma dissidência federativa. Acho que nós devemos fazer o máximo para assegurar ao governo federal, qualquer que seja ele, condições de governabilidade. Isso é obrigação institucional dos governos estaduais. Tenho relações muito boas com o presidente Michel Temer, a quem eu tenho como amigo, uma pessoa com quem tenho relações muito transparentes.

Valor: Uma das contrapartidas é elevar a contribuição previdenciária de servidores. É viável?

Pimentel: Não acho que seja um ponto inegociável. Acho que bem conversado com entidades de servidores e se for um aumento escalonado no tempo, é possível aceitar. Agora, essa de não poder contratar, ter que demitir, não manter as regras de promoção de carreira dos estatutos, essa é complicada. Como é que você vai exigir do servidor que continue prestando serviços se não garante os direitos que estão assegurados na lei?

Valor: E quanto a privatizações?

Pimentel: O ponto da privatização é ainda mais complicado porque significa você colocar denominador comum a todos os Estados, o que no Brasil é esdrúxulo, absurdo. Por que a gente privatizaria empresas que estão bem e dando resultados, como a Cemig [energia elétrica], a Copasa [saneamento] e a Codemig [desenvolvimento]? O próprio caso da Cedae [que a Assembleia fluminense deu sinal verde para ser privatizada]. O valor da Cedae mal cobre um mês da folha de pagamento do Rio de Janeiro. Vai privatizar para quê? A não ser que o governo federal assuma que isso não tem nada a ver com ajuste e que seja decisão ideológica.

Valor: Estão descartadas, então?

Pimentel: Podemos privatizar se isso for mais útil para a prestação de serviços. Agora, sermos obrigados a privatizar? A Cemig teve nos últimos dois anos avanço considerável, no sentido de equilibrar benefícios aos acionistas e boa prestação de serviços. Coisa que nos 12 anos anteriores a nosso governo não foi feito. Não cabe discutir privatização de empresas com o pano de fundo de tapar buraco, da recuperação judicial. Se for outra discussão, se alguém me provar que, do ponto de vista da prestação de serviços, é melhor a gestão privada, aí nós vamos caminhar para isso. Se não, então não tem sentido.

Valor: A privatização da Cemig está em discussão em seu governo em algum contexto?

Pimentel: Não. Nós não estamos preocupados em privatizar, mas estamos preocupados em melhorar a gestão da Cemig, da Copasa e da Codemig. Nós não temos nenhum preconceito [em relação à privatização]. Mas também não sentimos obrigação religiosa de privatizar a qualquer custo.

Valor: Seu governo aprovou um plano para a Cemig se desfazer de algumas de suas empresas e participações em alguns empreendimentos. Isso trará reflexos para as finanças de Minas Gerais?

Pimentel: Não, é muito pouco porque a nossa participação na Cemig hoje é em torno de 20%. Então, em qualquer venda de ativos, 80% ficam com os outros acionistas, bolsa de Nova York, Andrade Gutierrez, bancos e só 20% conosco. A venda de ativos que a gente acha que não são mais interessantes para a Cemig é para melhorar o caixa da empresa. É para mudar seu perfil de endividamento.

Valor: Como Minas chegou à atual situação?

Pimentel: Estamos pagando o preço dos erros do passado. De 2002 até 2013 talvez [governos Lula e parte do primeiro mandato de Dilma], os Estados tiveram anos dourados do ponto de vista das receitas e de acesso a financiamentos. Minas desperdiçou esses recursos. A receita quase quadruplicou, mas a folha de salários triplicou e isso colocou um peso grande e permanente sobre o Estado e não temos como nos livrar dele. Some-se a isso o déficit previdenciário que se agravou nesses 12 anos anteriores [período de governos do PSDB] mas que já vem de antes. O déficit previdenciário, considerando tudo, civis e militares, dá quase 12 bilhões. Em 2002, era de R$ 3,4 bilhões. É algo que não será resolvido só com o aumento da contribuição previdenciária. Tem que aumentar, mas não será só isso.

“Podemos privatizar se for mais útil para os serviços. Agora, ser obrigado? A Cemig tem tido avanço nos últimos 2 anos”

Valor: O Estado espera receitas extraordinárias este ano, como teve nos últimos anos para reduzir o tamanho do buraco?

Pimentel: Vamos mandar para Assembleia alguns projetos de lei para criar fundos com ativos do Estado. Vamos pegar todos os ativos imobiliários do Estado e colocar em um fundo. Prédios, inclusive escolas, postos de saúde e etc. Vamos pagar aluguel para esse fundo e, portanto, terá um rendimento. Estamos também pensando em nos desfazer definitivamente de alguns ativos. A Cidade Administrativa [sede do governo] é uma delas. Podemos vendê-la para um fundo de pensão, por exemplo. Continuaríamos usando, pagando aluguel. Vale, por baixo, R$ 2 bilhões. Não há sentido em ter um imobilizado daquele tamanho que nos dá despesa enorme para manter e nós com o déficit de caixa do tamanho que nós temos hoje. Também vamos criar um fundo colocando os dividendos que são do Estado das empresas públicas, Cemig, Copasa e Codemig. Esse fundo pode emitir e vender papéis de longo prazo e isso também ajuda. E tem também a dívida ativa calculada em R$ 50 bilhões e que também poderia ser colocada [num fundo]. Esse mecanismo que nós criaremos no final deste primeiro semestre nos dará folga de caixa.

Valor: De quanto?

Pimentel: Imagino mais ou menos R$ 4 bilhões com papéis que nós vamos lançar no mercado financeiro desses fundos. Todo ano temos precisado desse aporte extraordinário. Menos a cada ano, mas ainda precisamos. No primeiro ano de governo, conseguimos isso com os depósitos judiciais. Por volta de R$ 4,7 bilhões. Em 2016, conseguimos, após negociação com a União, a suspensão das prestações da dívida e isso nos deu economia de cerca de R$ 3 bilhões. No fim de 2016 ainda tivemos incremento de R$ 1,4 bilhão com a venda da folha de pagamentos.

Valor: Ainda assim, terá déficit.

Pimentel: O nosso déficit de caixa no ano é mais ou menos R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões. Está reduzindo por causa do esforço de contenção. A gente protela pagamentos, empurra para frente no custeio uma série de pagamentos. O Estado tem um atraso de dois ou três meses com fornecedores. E mesmo assim conseguimos manter tudo funcionando. O que posso rolar para frente é mais ou menos R$ 4 bilhões e os outros R$ 4 bilhões eu preciso arrumar um aporte de recurso extraordinário. Se eu criar fundos com esses ativos, a cada ano podemos fazer emissões que vão nos compensando.

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