Pode-se fatiar tudo, menos a Constituição, por Marcelo Semer

Sugerido por Gão
 
Do Blog do Marcelo Semer
 
A Constituição não pode ser fatiada
 
Dentre as várias novidades que o julgamento do mensalão trouxe, a mais inusitada é a noção de fatiado, até então desconhecida no processo penal.
 
Diante da forma quase virulenta com que foi repelido o desmembramento em relação a quem não tinha foro privilegiado, supunha-se que a ideia fundamental era prestigiar a inteireza do julgamento e a integridade de suas decisões.
 
Mas logo que se deram início às sessões com o voto do relator Joaquim Barbosa, começou a vingar a ideia dos fatiamentos.
 
A princípio como estratégia para permitir que um ministro pudesse participar de parte do julgamento de alguns réus (mesmo aposentando-se antes do término), depois para separar condenações e penas e, então, para a execução parcial da condenação, fragmentando-se de forma inédita o trânsito em julgado.
 
Por fim, o que se assistiu foi o fatiamento dos próprios mandados de prisão oriundos de uma mesma decisão  –alguns expedidos no meio do feriado, como se supunha de máxima urgência, e outros ainda sem previsão.
 
Quando do julgamento dos embargos infringentes, houve fortíssima pressão da imprensa sobre os ministros que os aceitavam, com exacerbadas manifestações de repúdio à propalada impunidade.
 
O decano Celso de Mello, por exemplo, sofreu nada menos que um lichamento moral, ainda que suas considerações, ao final, não tivessem sido contraditadas seriamente por um único jurista.
 
Mas antes que esses próprios embargos “de impunidade” pudessem ser julgados, o STF resolveu dar a partida para uma espécie de execução de penas incertas –o que deve, como em outros passos do processo, provocar novas e acirradas discussões mais adiante.
 

 
A ansiedade pode causar uma regressão de regime sem nenhuma falta ou até, em razão do tempo, o efeito inverso de se anular por completo o cumprimento de pena em regime fechado, determinado pelo acórdão.
 
É certo que diante da noção de efetividade do provimento judicial, juízes e tribunais devem estar sempre atentos a não produzir resultados que jamais se cumpram.
 
Mas a recorrência ao “sentimento de impunidade”, que se afirma tão presente no imaginário social, não serve de álibi para a supressão do processo ou de quaisquer de suas garantias.
 
Nenhum afago na consciência social pode sobrepujar o direito ao cumprimento da pena –e nada além dele.
 
Nada que seja desproporcional, excessivo ou que fira a dgnidade humana pode ser considerado punição justa.
 
Juízes prestam contas à sociedade quando cumprem a Constituição, não quando a ignoram, ainda que para atender clamores populares. Isto porque a Constituição existe fundamentalmente para nos proteger, ainda que muitas vezes de nós mesmos.
 
Se por um lado é inequívoco que réus condenados em um regime não devem ser obrigados a suportar prisão em regime mais gravoso, nem que seja por um único dia, também é certo que essa infringência se tornou absurdamente rotineira para milhares de presos de nosso sistema, que costumam aguardar no fechado até que vagas sejam criadas no semiaberto.
 
Curiosamente, e apesar da notória superlotação dos abarrotados presídios brasileiros, sempre acima de suas capacidades físicas, neles ninguém deixa de ser preso por falta de vaga.
 
No regime fechado, tem prevalecido a regra de que “sempre cabe mais um” –inclusive para aqueles que penam esperando a transferência ao local adequado.
 
Se os desvios de execução que estão sendo apontados servissem ao menos para forçar o cumprimento generalizado da lei, o julgamento poderia provocar algum reflexo sensível no sistema penitenciário brasileiro.
 
Afinal, se é algo que não se pode fatiar é a própria Constituição.
 
http://terramagazine.terra.com.br/blogdomarcelosemer/blog/2013/11/20/a-c…
 
 
Redação

5 Comentários

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  1. O STF ficará só. Mais um grande jurista critica o julgamento

    Já tinha comentado aqui no blog, “A sociedade do direito está “surpresa” com os termos do julgamento da AP 470. Juristas ilustres de todas as vertentes, como, por exemplo, Yves Gandra Martins, já se manifestaram sobre muitas das irregularidades e ilegalidades cometidas neste julgamento. Livros estão sendo lançados, compilações de renomados acadêmicos em prelo, filmes sendo realizados. A sociedade civil já percebeu muitos dos absurdos e a grande imprensa já começou a apontar alguns dos desvios. O STF ficará só.” https://jornalggn.com.br/noticia/juristas-politicos-do-pt-e-membros-da-sociedade-civil-assinam-manifesto-sobre-mensalao?page=1

    1. Mensalão, a página que não pode ser virada

      Mas é assim mesmo. Isso será feito no decorrer do tempo, as coisas estão indo muito bem e até melhor do que eu esperava, há uma inundação de artigos demonstrando a farsa, o povo ficará sabendo de tudo. Na época da ditadura acreditava de pés juntos na maldade dos “terroristas”, ao saber da verdade terminei virando fã de carteirinha deles, votei numa “terrorista” prá presidente. A situação é a mesma, só que se antes a palavra mágica era “terrorista”, hoje é “mensaleiro’, morou. Agora o imprensalão decretou toque de silêncio, ocorre que não nos calaremos e o povo será sim informado acerca do que ocorreu, o material que está sendo produzido é tão volumoso que não estou dando conta de guardar os links que estão pipocando por ai, se segurem golpistas de meia tijela  http://www.lexometro5.blogspot.com

       

    1. Boa, Juliano!

       Esse julgamento tornou-se um verdadeiro “Frankenstein jurídico”, costurado pelo STF com pedaços de conveniência e resultando numa aberração que assombra o Estado de Direito e ameaça as garantias individuais.

       

  2. Creio que a situação

    Creio que a situação calamitosa de nossos presídios também não deva ser fatiada entre réus comuns e réus do mensalão. Que eles sintam o que podiam ter feito para melhorar isto, e que esta situação leve o governo que está aí há 12 anos faça então alguma coisa…

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