Processados por promotores, pais de vítimas da Kiss podem ser julgados antes de réus da tragédia

 
Jornal GGN – Advogados de acusação e defesa acreditam que os pais das vítimas da boate Kiss, em Santa Maria (RS), deverão ir a julgamento antes dos réus da tragédia. 
 
Os familiares são processados por promotores e um ex-promotor da cidade gaúcha por calúnia e difamação e podem ser punidos antes da eventual condenação de  quatro réus por homicídio no incêndio em janeiro de 2013, que deixou 242 pessoas mortas. 
 
Os parentes das vítimas acusam o Ministério Público de se omitir diante das irregularidades na boate. Em um dos casos, Irá Beuren, mãe de Sílvio, 31 anos, morto no incêndio, publicou um artigo em 2015 onde apontava para o fato de que um dos advogados da Kiss é filho de um promotor que trabalhava na promotoria quando a boate começou a ser investigada por poluição sonora. 

 
 
Leia mais abaixo: 
 
Do Zero Hora
 
Pais de vítimas da Kiss devem ser julgados antes de réus pela tragédia 
 
Sentença é prevista para sair ainda no primeiro semestre deste ano em dois dos três processos movidos por promotores 
 
Por: Jeniffer Gularte
 
Ao menos dois dos três processos em que promotores e um ex-promotor de Santa Maria, ao lado do filho, denunciam pais de vítimas da tragédia da boate Kiss devem ter decisão ainda no primeiro semestre de 2017.
 
A projeção é dos advogados de acusação e defesa dos casos, consultados por ZH nesta terça-feira, e confirma que – caso os julgamentos sejam favoráveis aos membros do Ministério Público – os pais das vítimas serão punidos antes que haja condenação dos quatro réus por homicídio no incêndio de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, que matou 242 pessoas. Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da boate, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, da banda Gurizada Fandangueira, recorrem da decisão da primeira instância de mandá-los ao Tribunal do Júri. A decisão sobre o recurso no Tribunal de Justiça deve sair em dois ou três meses. Mas, depois, ainda cabe apelação ao Superior Tribunal de Justiça.
 
Após enfrentarem a dor da perda de filhos na maior tragédia do Rio Grande do Sul, Sérgio Silva, Flávio Silva, Paulo Carvalho e Irá Beuren estão sendo processados por calúnia e difamação pelos promotores Ricardo Lozza, Joel Dutra e Maurício Trevisan, além do promotor aposentado João Marcos Adede y Castro e o filho dele, o advogado Ricardo Luís Schultz Adede y Castro. Pelo andamento das ações, apenas o processo contra Irá não deve ser concluído este ano.
 
Na semana que vem, ela participará da primeira audiência, enquanto os outros pais já passaram pela sessão que classificam como constrangedora. Abaixo, confira os argumentos de acusação e defesa e como está o andamento dos três processos, com base no que está nos autos.
 
Nenhum dos promotores aceitou conversar com Zero Hora.
 
Os processos
 
Caso 1
 
Presidente e vice de associação de familiares de vítimas da tragédia, Sérgio Silva e Flávio Silva afixaram cartazes em abril de 2015 com a foto do promotor Ricardo Lozza acompanhada do texto “O MP e seus promotores também sabiam que a boate estava funcionando de forma irregular.” Antes da tragédia, Lozza conduziu inquérito sobre poluição sonora na Kiss, descobriu que faltava alvará e propôs termo de ajustamento. Os pais foram denunciados por calúnia. O juiz Leandro Sassi, da 4ª Vara Criminal de Santa Maria, julga o caso.
 
Acusação
 
Diz que houve intenção de denegrir a honra de Lozza “em larguíssima escala” ao associá-lo a ato inverídico.
 
— Reconheço a enorme dor das famílias, mas não posso deixar de reconhecer que, em nome disso, sua dor passe por cima da honra de Lozza — afirma advogado José Antônio Paganela Boschi, que representa o promotor.
 
Sobre possível desistência da ação, Boschi salienta:
 
— Se houvesse de parte dos pais sinal no sentido de reconhecer que Lozza não cometeu nenhuma ilicitude, não creio que não pudesse haver grande conciliação.
 
Defesa
 
Entrou com pedido de exceção da verdade, recurso específico para ações de crime contra honra, para provar que a frase dos cartazes estava correta. A apelação será julgada por desembargador sorteado do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, pois Lozza tem foro privilegiado. A expectativa é de que decisão saia ainda no primeiro semestre. Caso o recurso seja negado, a ação principal também deve ser julgada até o meio do ano.
 
— Me sinto marginalizado – afirma Flávio, que perdeu a filha de 22 anos, Andrielle.
 
Caso 2
 
Irá Beuren, mãe de Sílvio, 31 anos, morto no incêndio, publicou no dia 6 de maio de 2015 artigo no Diário de Santa Maria no qual informa que Ricardo Luís Schultz Adede y Castro, filho do promotor aposentado João Marcos Adede Y Castro, virou advogado da Kiss depois da aposentadoria do pai, que atuava na promotoria quando a boate começou a ser investigada pelo MP por poluição sonora. Pai e filho entraram com ação indenizatória contra Irá por danos morais. O processo será julgado pelo juiz Carlos Alberto Ely Fontela, da 3ª Vara Cível de Santa Maria.
 
Acusação
 
Afirma que há clara intenção de criar situação difamatória sugerindo que pai e filho teriam “participado de suposto beneficiamento ilícito”. Após ler o artigo, Ricardo “não conseguiu se concentrar em suas atividades”.
 
Registrada como Irá Mourão Beuren, a mãe assinou o artigo como Irá Marta Mourão, incluindo seu nome de batismo, Marta, como é conhecida. Na visão da acusação, “é uma clara tentativa de se esconder”. A denúncia pede retratação pública para “amenizar a dor e o sofrimento” de pai e filho e finaliza: “dizer que o artigo da referida `estragou o dia¿ dos requerentes é muito pouco”.
 
Defesa
 
A primeira audiência está marcada para 7 de fevereiro. Como o processo está no início, a estimativa é de que, dificilmente, seja concluído este ano. A advogada de Irá, Patrícia Michellon, diz que ela exerceu a liberdade de expressão sem ofender o promotor aposentado e o filho, pois apenas divulgou uma informação:
 
– A única saída desse processo é improcedência.
 
Marta conta que após ser intimada teve até vergonha de sair na rua:
 
– Não difamei, não inventei mentiras. Se enfrentei a morte do meu filho, outras coisas não vão me afetar.
 
Caso 3
 
Paulo Carvalho, pai de Rafael, morto aos 32 anos na tragédia, publicou dois artigos no Diário de Santa Maria em março e junho de 2015 nos quais fala do “corporativismo” e “protecionismo” dos promotores do Ministério Público, além da “fraqueza” do processo sobre as mortes no incêndio da boate. 
 
Os promotores Joel Dutra e Mauricio Trevisan — que trabalhavam na investigação do caso — o processam por calúnia e difamação. A ação será julgada pelo juiz Fábio Welter, da 3ª Vara Criminal de Santa Maria.
 
Acusação
 
Diz que a “calúnia” — afirmar que os promotores nada fizeram contra servidores municipais indiciados no inquérito policial ou contra o colega Lozza — adquiriu “proporção mundial” ao ser publicada por Paulo também em seu perfil do Facebook. Frisa que o arquivamento parcial do inquérito foi “bem fundamentado pelos promotores de Justiça”. 
 
Advogado dos acusadores, José Antônio Paganela Boschi avalia que a sentença em primeira instância deve sair até junho:
 
— Os promotores não fizeram nada de errado, exercitaram na plenitude todos os seus deveres funcionais.
 
Defesa
 
Advogado de Carvalho, Pedro Barcellos afirma que o cliente jamais quis ofender os promotores:
 
— O crime de calúnia e difamação tem de ter dolo específico, vontade de caluniar. Não existe processo de calúnia nesse caso. Tenho certeza que cabe absolvição.
 
Carvalho, que vive em São Paulo, participou de audiência em 24 de novembro. Reclama da prepotência e frieza dos promotores:
 
— Imaginar que estou ali porque perdi o filho e ainda estou respondendo processo. Eles procuraram me colocar como criminoso.
 
Redação

10 Comentários

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  1. Não surpreende. Os promotores

    Não surpreende. Os promotores se consideram acima do bem e do mal. E, por tabela, são infalíveis. Em breve, exigirão reverência e beija-mão, caso contrário acusarão os cidadãos comuns de insolência.

  2. Resumindo: nossas

    Resumindo: nossas instituições judiciárias estão funcionando (como disse a presidenta do STF), mas são uma BOSTA (como dizem com razão até os cidadãos mais mediocres). 

    1. e ainda vem a Carmen …

      … lamentar que as instituições estejam desacreditadas. Contínua ampliação dos significados da palavra “desfaçatez”

  3. processados….

    Aberração e Barbárie. Chegamos em 2017, acordamos e descobrimos que não existe Estado. Uma fantasia apenas para sustentar a Corte. A boate Kiss é o mesmo caso do Carandiru em SP. Primeiro correram para acusar a falta de alvará. Mas existia. Desespero. A desculpa perfeita da mediocridade do Estado brasileiro não poderia ser usada. E agora? Responsabilizar as Autoridades, Instituições e Poderes Públlcos? Mas isto aqui é Brasil e sua estrutura público/política!!!  Resposta do Estado brasileiro: primeiro comece a enrolar e depois o uso do espirito “de porco” (de corpo) e  hipocrisia mais baixa, nefasta e canalha possível. Vendam a alma ao diabo. Liberem todas as Autoridades de qualquer responsabilidade. E depois aposentem-se, mudem de estado, de país, se transfiram para outros cargos, sumam…E deixem cidadãos brasileiros sem qualquer resposta. Mesmo que isto tenha custado o assassinato de 250 crianças. Mas são os filhos dos outros, não é mesmo, dignissimo Poder Público Brasileiro?  

  4. Isto é um ESCÁRNIO. Sério so

    Isto é um ESCÁRNIO. Sério so um paredão e bem grande para resolver as coisas nesse país, perdoem o palavrão, de MERDA.

  5. Pai processado pelo MP

    Sou um dos pais que está sendo processado por promotores do MPRS. Não vão calar a minha boca e nem a da maioria dos pais que perderam filhos na tragédia da boate Kiss em Santa Maria. 

    Todos os agentes públicos que sabiam das condições de insegurança da boate e que foram denunciados no inquérito policial tiveram seus processos arquivados pelos promotores do MPRS.

    Todos que sabiam e nada fizeram devem ser julgados por suas ações e não ações. 

    Somos processados por quem deveria nos proteger porque criticarmos essa vergonhosa ação de arquivamento, que é uma absolvição prévia.

    Não nos calarão.

     

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