Qual o papel da imprensa na crise hídrica?

Do Portal NAMU

Qual é o papel da mídia na crise da água?
 
Instituto Democracia e Sustentabilidade divulga a segunda parte de estudo que analisa a cobertura de três grandes jornais sobre os problemas hídricos em SP
 
O simples fato de não se comentar sobre um problema não significa que ele deixou de existir. Essa é a sensação que muitos cidadãos paulistas têm ao se deparar com o debate a respeito da crise da água. A mudança do foco do noticiário em razão de escândalos políticos, como a operação Lava Jato, deflagrada em março de 2014 pela Polícia Federal para investigar desvios de dinheiro na Petrobras, criaram uma sensação falsa de que a crise da água já estava superada, o que causou até um aumento do consumo durante o período de seca.

Para compreender a abordagem das grandes mídias na discussão sobre escassez hídrica, o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e o Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Procam-IEE/USP) promoveram nessa terça-feira (15) a apresentação da pesquisa “Crise hídrica e a mídia”. Para os realizadores, além de mostrar questões midiáticas, a meta do encontro é aumentar o nível de transparência de informações e fazer com que elas cheguem de forma ampla e clara à população.

O estudo foi elaborado a partir de notícias veiculadas nos jornais Folha de S.PauloO Estado de S. Paulo e O Globo entre janeiro de 2014 e abril de 2015. Com os dados em mãos, o IDS criou cinco critérios: análise das notícias em subtemas; divisão dos temas em categorias; levantamento das notícias; análise do conteúdo; e divisão da pesquisa em três fases temporais. Esse último aspecto é muito importante porque evidencia a alteração do discurso das mídias no decorrer da crise e mostra o aumento, por exemplo, da importância dos partidos políticos nos debates.

A linha de ação da pesquisa das notícias abordou quatro temas: os envolvidos na crise (setor público, privado, ONGs, sociedade civil etc.); o mapeamento das causas; as propostas de soluções; e as ações tomadas. O recorte temporal foi feito em fases: primeira, de janeiro de 2014 a outubro de 2015; segunda, de 16 de outubro de 2014 a fevereiro de 2015; e a terceira, de março a abril de 2015. Houve algumas mudanças importantes no intervalo entre as fases. As menções ao poder público, por exemplo, caíram de 77% para 69% enquanto que as referentes aos partidos políticos, inexistentes nas duas primeiras, chegaram a 16%.

O panorama de abordagem da crise mudou bastante desde que os movimentos de sociedade civil e entidades ambientalistas se articularam em torno da “Aliança pela Água”, plataforma liderada pela urbanista Marussia Whately que visa mobilizar a sociedade e cobrar do poder público e entidades privadas ações efetivas de uso racional da água. “Houve uma evolução da narrativa sobre os problemas, mas é fundamental determinar de forma clara as atribuições dos atores nas pesquisas, principalmente o poder público. Quem são os responsáveis pelas politicas de gestão de recursos hídricos? Como integrar as ações dos governos federal, estadual e municipal? Quantas vezes ouvimos falar, por exemplo, do Ministério das Cidades falando sobre a crise?”, pontuou a especialista.


Juliana Cassano Cibim (dir.) faz a abertura do evento e apresenta os expositores

É importante notar que grande parte da população não tem o hábito ou condição financeira de acompanhar as notícias veiculadas pelos três grupos de mídia analisados. De acordo com a “Pesquisa Brasileira de Mídia 2015”, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), 95% dos entrevistados afirmaram ver TV, sendo que 73% têm o hábito de assistir diariamente. No que diz respeito aos jornais, apenas 7% dos entrevistados os leem diariamente. O uso de plataformas digitais de leitura de jornais ainda é baixo: 79% dos leitores afirmam fazê-lo mais na versão impressa. A partir desse olhar, os especialistas concordaram que o maior desafio hoje é fazer com que a informação debatida entre sociedade civil, academia e governo vença o poder de influência das redes de televisão e chegue a quem realmente precisa: a população que vive em áreas periféricas.

Para o professor do departamento de engenharia hidráulica e ambiental da POLI/USP José Carlos Mierzwa, “o agravamento da crise hídrica em São Paulo é resultado de erros históricos. O crescimento populacional ocorrido entre as décadas de 1930 e 1960 coincidiu com períodos recorrentes de secas, o que forçou as obras de infraestrutura em abastecimento sempre emergenciais”, afirma. A escassez de água da metrópole é resultado também de um modelo caótico de crescimento. Por estar situada em uma região de nascentes, não há quantidade suficiente de água armazenada para atender aos 20 milhões de habitantes da Região Metropolitana. A água do Sistema Cantareira, por exemplo, vem em grande parte de uma região situada no Estado de Minas Gerais.

A perda na distribuição da água é outro grave problema, pois o investimento em infraestrutura não acompanhou o aumento da demanda por água. Isso se reflete, por exemplo, em um fenômeno de uso e ocupação do solo que é a verticalização da cidade. Com a concentração de consumidores em um espaço reduzido, as concessionárias de distribuição aumentam a pressão da rede, o que causa o rompimento de outras tubulações e aumentam as perdas no subsolo.

Infográfico feito pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade sobre a pesquisa "Crise hídrica e mídia"
Infográfico feito pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade sobre a pesquisa “Crise hídrica e mídia”

Em um panorama que cada vez mais acena para o caos, a união de forças da sociedade e academia se faz fundamental para pressionar as autoridades, pois as ações de prevenção e contenção da crise por parte dos três níveis de governo (municipal, estadual e federal) até agora não surtiram efeito. Na pesquisa do IDS/IEE-USP, foram feitas poucas menções ao papel dos municípios no saneamento básico, obrigação determinada na Lei de Saneamento (11.445/2007), e retificada no Plano Nacional de Saneamento Básico. Outro aspecto é o descaso do Governo Estadual de São Paulo com a crise. O período de grande estiagem iniciado em 2013 apenas evidenciou a falta de investimento em infraestrutura de abastecimento.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), empresa responsável pelo tratamento e distribuição de água no Estado era inicialmente pública. A abertura de capital iniciada em 1994 pelo governo estadual, coroada com a oferta de ações na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) em 2002, evidenciou o viés governamental que defende administrar água como uma commodity. Em 2013, o lucro líquido anunciado da companhia foi de R$ 1,92 bilhão. Desse total, R$ 534,2 milhões foram parar nas mãos dos acionistas.

Enquanto poucos ganham com a especulação, a população sofre com os a falta de investimento. Já no âmbito federal, a total falta de integração entre níveis de governo e falhas no prazo de realização de obras dificultou algo que já era difícil. O estudo De olho no PAC, publicado pelo Instituto Trata Brasil em maio deste ano, mostrou um quadro preocupante sobre as obras de água e esgoto paralisadas, atrasadas e não concluídas nas maiores cidades do Brasil. Das 177 obras de esgoto do PAC 1 com contratos assinados entre 2007 e 2008, 59% não cumpriam o cronograma inicial. Já as do PAC 2, cujos contratos são de 2011, 50% não tinham sequer começado.

A quantidade de variáveis e atores envolvidos mostra que a mudança só virá a partir do momento em que a população realmente entender o que está acontecendo. O grande desafio agora é fazer com que a informação chegue de forma clara aos cidadãos para que todos possam cobrar de forma incisiva os responsáveis pela situação.

 

Redação

5 Comentários

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  1. Tiveram medo

    Medrosos. O assunto é ótimo e importante, mas os palstrantes com medo da mídia também fugiram da sua responsabilidade de denunciar o desmando. 

    Má administração do governo estadual do psdb, conluio com  amídia que lhe permite não prestar contas e medo dos especilaistas de falar a verdade sobre a midia, somado com as perdas por falhas gritantes de vazamentos não corrigidos.

    A seca não foi tão séria assim, há agua em abundândia em torno de são paulo, o problema foi desconsiderado e esquecido e o govern não conscientizou o povo. Só há um responsável pelo problema: a midia,via alkimim.

    Querem uma informação definitiva: a mesma mídia condenou o governo federal pela apagão, QUE NÃO ACONTECEU, porque o governo federal agiu, a midia esconde isso, do mesmo modo que liberou o alkimim, que nada fez, dos seus grosseiros erros com consequencias muito mais graves.

  2. Mais uma vez a mídia

    Mais uma vez a mídia desinformando e criando uma cultura de medo na população. Enquanto o governo federal e a população não encararem a questão da regulamentação da mídia de frente o país vai continuar a conviver com esse caos instalado a vários anos no Brasil. A dita conscientização ambiental é baseada no medo,na ignorância,na desinformação e na chantagem promovida por jornalistas de má fé e também profundamente ignorantes sobre o que realmente significa meio ambiente sua complexidade e os reais interesses que permeiam essa questão. Pessoas públicas até bem intencionadas, como por exemplo alguns artistas, engrossam o discurso do pânico ao  tratarem sobre água e outros problemas ligados ao ambiente, prestando um desserviço a sociedade. Precisamos de mais ação e menos lero lero.

  3. Papel moeda cala a mídia na crise hídrica
    Nassif, o título-pergunta “Qual é o papel da imprensa na Crise Hídrica?” só comporta uma resposta: papel moeda, o papel da mídia na crise hídrica é papel moeda. Com a Sabesp desembolsando cerca de R$ 44,4 milhões em 2014 em publicidade, a maior parte para a Rede Globo, SBT, Folha de São Paulo, Uol e Estadão, segundo o blog de Helena Sthephanowitz, que estima que a cifra real chegue a R$ 120 milhões por ano. Publicidade para vender água que não tem e esgoto que não trata e lança in natura em um “corpo d’água” que poderia abastecer folgadamente toda a região metropolitana, o rio Tietê (“água verdadeira”, em tupi-guarani). Somados aos R$ 238 milhões gastos em publicidade pelo Palácio dos Bandeirantes em 2013 – uma média obtida pelo portal Transparência -, temos aí uma quantia que explica, mas não justifica, a blindagem de que desfruta o governador Alckmin. Este, desde 1982, ao ser eleito deputado estadual, dedicou-se à questão ambiental e dos recursos hídricos, presidindo dezenas de comissões de inquérito sobre o assunto (tendo inclusive coordenado o mesmo tema na Constituinte, como deputado federal). Líder de um partido há mais de 20 anos no comando de São Paulo, jamais foi questionado sobre a razão de não ter evitado o colapso hídrico atual, desfrutando tal privilégio com o Ministério Público estadual – que desde 1983 é membro permanente do Conselho Estadual de Meio Ambiente e desde 1987 participa do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, colegiados aonde a atual crise hídrica foi prevista e debatida com intensidade desde o início dos anos 90 do século passado. O que explica tal omissão da mídia, senão o papel moeda – principalmente os US$ 8 bilhões já dispendidos, historicamente, na despoluição do rio Tietê, algo em torno de cinco vezes a mais do que o Governo francês investiu na bem sucedida despoluição do Sena? O silêncio e a omissão campeiam livremente, assim como a desinformação premeditada: culpam o consumidor pelo desperdício, omitindo que a Sabesp desperdiça mais de um Cantareira por ano em vazamentos, algo em torno de 40% do que capta, trata e envia aos hidrômetros. Motivo? Para torna-la mais atraente, antes de privatizá-la, o Governo semi-desmontou sua área de manutenção e reparos da rede. Agora o preço de suas ações despenca na Bolsa de Valores de Nova Iorque exatamente por causa desse desperdício decorrente da falta de manutenção, enquanto o governador ocupa a tv em horário nobre para enaltecer sua política de empregabilidade e a Sabesp contrata consultores japoneses para diminuir a perda dessa matéria prima que vaza preferencialmente pelos 20 milhões de junções e conexões que ligam um tubo ao outro em uma rede com 70 mil quilômetros de extensão para água e outros 47 mil quilômetros para captar esgotos. O maior crime dessa mídia comprada, entretanto, consiste na omissão sobre o conteúdo da água que já está sendo transferida da represa Billings para o sistema Alto Tietê (novo substituto do Cantareira): cádmio, chumbo, mercúrio, cobre, zinco, níquel, cromo e outros metais pesados que, depositados nos sedimentos da represa durante os mais de 60 anos em que ela serviu de cloaca máxima da região metropolitana, agora são sugados pelas bombas de recalque e devolvidos às torneiras residenciais. Além de carcinogênicos, mutagênicos e teratogênicos, tais poluentes contribuem igualmente para agravar a epidemia silenciosa de insuficiência renal que acomete a população, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia. Enquanto isso, a mídia faz da previsão climática o principal vilão da crise hídrica, dando-lhe tratamento de novela ou cobertura esportiva, tudo para escamotear a realidade dos fatos, pelo menos enquanto durar essa campanha eleitoral em curso para o pleito de 2018., omitindo que na Sabesp o único líquido que não falta é o lucro líquidos de seus 5646 acionistas.

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