Quando as palavras são sequestradas, por Gregorio Duvivier

Jornal GGN – Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o humorista Gregorio Duvivier fala sobre como as palavras são “contaminadas pelo mundo à sua volta”, mndando de sentindo ou de utilização conforme os interesses do momento. Para ele, a palavra ‘mudança’ foi sequestrada por setores mais conservadores da sociedade, “que fingem querer mudar, quando o que querem é trocar (para que não se mude mais)”. Já no caso da palavra impeachment, “emprestaram suas roupas à palavra golpe”, e palavra ‘jornalismo’, para Duvivier, agoniza na UTI. Leia mais abaixo:

Enviado por Fernando J.

Da Folha

O sequestro das palavras
 
Gregório Duvivier
 
Vamos supor que toda palavra tenha uma vocação primeira. A palavra mudança, por exemplo, nasceu filha da transformação e da troca, e desde pequena servia para descrever o processo de mutação de uma coisa em outra coisa que não deixou de ser, na essência, a mesma coisa –quando a coisa é trocada por outra coisa, não é mudança, é substituição. A palavra justiça, por exemplo, brotou do casamento dos direitos com a igualdade (sim, foi um ménage): servia para tornar igual aquilo que tinha o direito de ser igual mas não estava sendo tratado como tal.

 
No entanto as palavras cresceram. E, assim como as pessoas, foram sendo contaminadas pelo mundo à sua volta. As palavras, coitadas, não sabem escolher amizade, não sabem dizer não. A liberdade, por exemplo, é dessas palavras que só dizem sim. Não nasceu de ninguém. Nasceu contra tudo: a prisão, a dependência, o poder, o dinheiro –mas não se espante se você vir a liberdade vendendo absorvente, desodorante, cartão de crédito, empréstimo de banco. A publicidade vive disso: dobrar as melhores palavras sem pagar direito de imagem. Assim, você verá as palavras ecologia e esporte juntarem-se numa só para criar o EcoSport –existe algo menos ecológico ou esportivo que um carro? Pobres palavras. Não tem advogados. Não precisam assinar termos de autorização de imagem. Estão aí, na praça, gratuitas.
 
Nem todos aceitam que as palavras sejam sequestradas ao bel prazer do usuário. A política é o campo de guerra onde se disputa a posse das palavras. A “ética”, filha do caráter com a moral, transita de um lado para o outro dos conflitos, assim como a Alsácia-Lorena, e não sem guerras sanguinárias. Com um revólver na cabeça, é obrigada a endossar os seres mais amorais e sem caráter. A palavra mudança, que sempre andou com as esquerdas, foi sequestrada pelos setores mais conservadores da sociedade –que fingem querer mudar, quando o que querem é trocar (para que não se mude mais). A Justiça, coitada, foi cooptada por quem atropela direitos e desconhece a igualdade, confundindo-a o tempo todo com seu primo, o justiçamento, filho do preconceito com o ódio.
 
Já a palavra impeachment, recém nascida, filha da democracia com a mudança, está escondida num porão: emprestaram suas roupas à palavra golpe, que desfila por aí usando seu nome e seus documentos. Enquanto isso, a palavra jornalismo, coitada, agoniza na UTI. As palavras não lutam sozinhas. É preciso lutar por elas.
Redação

11 Comentários

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  1. O sujeito como humorista é um

    O sujeito como humorista é um péssimo cronista. Mesmo para se falar bobagens, não se pode prescindir da lógica.

    Golpe é uma ação extra ou contrária a lei vigente. Mesmo que conte com apoio da população, como ocorreu em 64, os militares não tomaram o poder porque havia uma lei especificando esse procedimento, mas o fizeram com leis justamente dizendo o contrário. Collor sofreu o impeachment ou afastamento, procedimento copiado dos EUA e que o criaram justamente para não terem um monarca eleito; como determinava a constituição à época. Dilma sofre um processo neste momento seguindo a mesma dinâmica aprovafa à época e o processo consta com detalhes de nossa constituição. As forças militares estão quietas no seu quadrado e estão longe de apoiar os malucos que pregam a ação de militares. Aonde diabos está o golpe?

    O golpe está em levantar a acusação de golpe naquilo que não é golpe e apoiar aquilo que de fato pode ser chamado de golpe, que é o terceiro mandato de Lula I como ministro da casa civil.

    O sujeito lembra sempre do satanico presidente da casa dos deputados federais e silencia sobre o não menos enrolado presidente do senado. Porque? Simplesmente porque o primeiro resolveu ser oposição ao PT e o segundo não.

     

  2. A manipulação das palavras

    Acho que o Gregorio Duvivier fez ai um muito bom artigo sobre o uso que dão às palavras. Impeachment para uns, golpe descarado para nosostros e por ai vai. Bravo Gregorio! A proposito, acho o nome Gregorio muito bacana e significa “O acordado,  vigilante,  alerta.” E nisso Gregorio tem feito jus ao belo nome 😉

  3. Texto absolutamente

    Texto absolutamente maravilhoso.

    Outra palavra  sempre sequestrada – – Preconceito – só tem a malícia que humilha, atormenta e mata contra negros, gays, ciganos, judeus, muçulmanos, ciganos.  No Brasil, principalmente contra negros e/ou pobres.  Por exemplo, o deputado Feliciano, ao ser criticado pelo conjunto da obra,  se dizer vítima de preconceito porque é evangélico é uma enormidade – não acho outra palavra pra isso.

    Passeata de protesto da direita – só me vem à mente as marchas contra Jango, cuja sigla não me lembro, mas é algo tipo FDP,  e também aquelas “paradas” nazis da década de l930 na Alemanha;  não nos esqueçamos da Kukluxkan.

    Ainda sem definição o sequestro da palavra selfies – de coxinhas com torturadores da ditadura brasileira (porque torturador, mesmo quando escapa da Justiça usa a Democracia sem nenhuma vergonha na cara e vai pras ruas, mesmo curvado pela idade e pela torpeza de suas almas)  – Vade Retro!

    Ultimo sequestro:

    Povo Brasileiro=Coxinhas!

     

     

     

     

     

  4. Se Duvivier é brilhante com

    Se Duvivier é brilhante com essa idade, imagino seus textos quando estiver lá beirando os sessenta, com tudo que a maturidade e a experiência trazem de bom ao cérebro.

  5. Quando as palavras são sequestradas
    Realmente, há um sequestro generalizado. Socialista, por exemplo, de indivíduo que defende a divisão quantitativa de renda, passou a aquele que defende a concentração de renda nas mãos dos membros do Executivo.
    Democracia, de poder do povo para poder daqueles que decidem quem é povo, e por aí vai.

  6. esse cara é raro, escritor

    esse cara é raro, escritor dos melnores atuais.

    duvidei desse cara na primiera vez, mas na sequencia seus textos comprovaram

    que além de talento ele tem backgtounmd para tornar-se jm genio da límgua…

    a expressão final do artigo é jm bom exemplo.

  7. O lado bom de toda essa

    O lado bom de toda essa palhaçada a que o país vem sendo submetido é que surgiram vozes altaneiras que se opuseram ao oba oba da falsa maioria midiática, algumas já eram velhas conhecidas e mantiveram a coorência e a responsabilidade que sempre lhes foram caracteristicas, porém temos algumas novidades e o Duvivier é sem dúvida um dos melhores exemplos dessa nova safra, seus textos são sempre geniais, uma demonstração de que a inteligência ainda não deu o adeus definitivo ao que um dia se pode chamar de imprensa mas hoje é predominantemente um propagador de ódios e preconceitos.

  8. república do blá blá blá

    na minha época

    delação chamava dedurar

    para o dedo duro

    não tinha perdão.

     

    e por que?

    porque todos sabiam

    que a delação era arma 

    do autoritarismo

    dedar era compactuar

    com a ditadura militar

    que matou torturou e expulsou.

    e todos sabiam

    era uma questão de caráter.

     

    hoje estamos o que?

    na república do bla bla bla

    o escrito não vale

    constituição?

    documentos?

    provas?

    não para quê?

    se agora bla bla bla

    pode tudo?

  9. república do bla bla bla

    na minha época

    delação chamava dedurar

    para o dedo duro

    não tinha perdão.

     

    e por que?

    porque todos sabiam

    que a delação era arma 

    do autoritarismo

    dedar era compactuar

    com a ditadura militar

    que matou torturou e expulsou.

    e todos sabiam

    era uma questão de caráter.

     

    hoje estamos o que?

    na república do bla bla bla

    o escrito não vale

    constituição?

    documentos?

    provas?

    não para quê?

    se agora bla bla bla

    pode tudo?

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