Relatório da ONU mostra tendência de “financeirização” de empresas brasileiras

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Pesquisa feita pela ONU mostra que o Brasil está passando pela “financeirização” da economia, ou seja, empresas não bancárias estão preferindo investir o lucro em operações financeiras em vez de equipamento, pesquisa e desenvolvimento. Segundo o relatório, este fenômeno já teve repercussões negativas nos países desenvolvidos na forma de aumento das desigualdades de renda. 

Da ONU

Relatório divulgado esta semana (21) pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) mostrou que a “financeirização” da economia — quando as empresas não bancárias preferem investir o lucro em operações financeiras em vez de equipamentos, pesquisa e desenvolvimento — também é uma tendência no Brasil e outros países emergentes, não apenas nos desenvolvidos.

O documento mostrou que a taxa de investimento em relação ao lucro das empresas brasileiras era de 178,2% de 1995 a 2002, caindo para 79,8% entre 2009 e 2014. Paralelamente, o percentual de ativos financeiros dessas empresas em relação ao total de ativos subiu de 7,1% para 11,4% no mesmo período. A mesma tendência foi observada em países em desenvolvimento como Rússia, África do Sul e Índia.

“O relatório mostrou que a conexão entre lucro e investimentos se enfraqueceu”, explicou Antônio Carlos Macedo e Silva, professor do Instituto de Economia da UNICAMP e oficial de assuntos econômicos da UNCTAD. “Embora o lucro tenha aumentado (…) não necessariamente houve aumento do investimento (produtivo). O relatório levanta a possibilidade de o fenômeno da ‘financeirização’ estar se estendendo para países em desenvolvimento”.

Segundo a UNCTAD, o fenômeno já teve repercussões macroeconômicas negativas nos países desenvolvidos, na forma de aumento das desigualdades de renda, enfraquecimento da demanda agregada, crescimento do desemprego, bolhas financeiras, entre outros.

Nas economias desenvolvidas, as estratégias das empresas não bancárias estão cada vez mais ligadas à chamada “primazia do acionista”, com um crescente foco em decisões de curto prazo, gestão de custos e engenharia financeira, disse o documento.

“Enquanto o ritmo variou entre os países, a mudança de foco das empresas em suas práticas de gestão, como aumento da distribuição de dividendo, recompra de ações, fusões e aquisições, significou que as estratégias tradicionais de ‘acumular e investir’ foram progressivamente substituídas pelo mantra do ‘cortar e distribuir’”, afirmou o relatório.

Para reverter esse fenômeno, a opinião da conferência das Nações Unidas afirmou que tanto países desenvolvidos como os emergentes poderiam atrelar eventuais incentivos fiscais às empresas ao reinvestimento dos lucros para fins produtivos.

Desindustrialização precoce

O relatório da UNCTAD destacou ainda um processo de desindustrialização precoce do Brasil e de outros países emergentes nas últimas décadas. Segundo o documento, a participação da manufatura na economia e geração de emprego brasileira caiu de cerca de 27% na década de 1970 para em torno de 11% em 2014. O mesmo ocorreu na África do Sul, cuja fatia da indústria manufatureira passou de 23% para 13,3% no mesmo período.

“Esse processo acontecer em países desenvolvidos é inevitável, mas nos países em desenvolvimento, parece um pouco precoce abandonar a estratégia de promoção da industrialização, já que o catching up (processo em que as economias em desenvolvimento se aproximam do nível de riqueza acumulada das economias mais desenvolvidas) ainda passa pela industrialização”, declarou oficial de assuntos econômicos da UNCTAD.

Entre as causas desse processo de desindustrialização precoce nos emergentes, segundo o relatório, está o abandono das políticas desenvolvimentistas em alguns países, a sobrevalorização cambial, a abertura comercial abrupta e muitas vezes unilateral, além da própria “financeirização”.

O relatório propõe reverter essa tendência com políticas industriais que se articulem com políticas fiscais e monetárias que favoreçam o crescimento, assim como políticas de distribuição de renda para fortalecer os mercados domésticos.

A UNCTAD lembrou que o crescimento dos emergentes também está atualmente sendo afetado pelo fraco desempenho da economia mundial. “Em muitos países desenvolvidos, o conservadorismo fiscal e, em alguns casos, uma exagerada austeridade levaram a uma das mais fracas recuperações econômicas já registradas”, disse a conferência da ONU.

“Isso se sobrepôs a um longo período de lento crescimento salarial, afetando negativamente tanto a demanda por parte das famílias quanto o investimento produtivo”, declarou a UNCTAD.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. Produzir não dá mais lucro: eis a verdade

    Nunca se fala sobre as causas da financeirização. Quando se tenta responder porque, costuma-se cair em causas morais: ganância, preguiça do trabalho duro das fábricas x facilidade das finanças, omissão dos governos em regular os mercados etc

    Mas os capitalistas/CEOs/Investidores simplesmente seguem a lei do lucro: investir onde dá mais retorno. Se investem mais em finanças é por que esta dá mais lucro que a produção. Mas por quê? Por falta de regulação do sistema fianceiro? Não.

    A resposta que ninguém quer ouvir, mas que todo mundo, no fundo sabe: a produção dá cada vez menos lucro, produz cada vez menos valor. a produção se tornou tão eficiente e automatizada (e vai se tornar mais) que os custos são mínimos e o lucro não compensa, mesmo em volumes enormes. Além disso as fábricas empregam cada vez menos pessoas.

    E sem o lucro da produção (e por tabela do comércio e serviços não financeiros), o capitalismo voltou-se para as finanças: elas salvam o sistema de falir. Mas são bolhas de crédito, não é acumulação real e parece que seu limite já chegou. A solução (neo)keynesiana de retornar à produção não dará certo porque produzir não dá lucro.

    O cappitalismo está numa sinuca de bico: se correr (para a fuga para frente das bolhas financeiras) o bicho pega, se ficar (na falta de lucro da produção) o bicho come.

    Por isso, sem saber, a direita (mas também as esquerdas reformistas) anda tão nervosa, por isso tanto ódio neofacista na Europa, nos EUA e no Brasil. Pois é preciso canalizar as frustrações coletivas para algum bode expiatório, uma vez que as pessoas nnem sonham em questionar o modo de vida capitalista:

    Por isso,  pau nos árabes, nos judeus, nos chicanos, nos russos, nos pretos, nos maconheiros, nos petralhas, nos coxinhas, nos banqueiros, em quem quer que seja um outro e se  possa jogar a culpa pelas misérias do capitalismo e as frustrações de ver o “meu” rendimento e consumo caírem/desaparecerem.

    Mas se quisermos mesmo sobreviver à destruição ecológica e social do capitalismo, será preciso questionar e pensar em soluções alternativas. Se alguém quiser tomar consciência da realidade, sem mistificações a autoenganos, procure no Google por “critica do valor”.

    Mas será que alguém quer?

     

  2. Produzir não dá mais lucro, esta é a realidade

    Nunca se fala sobre as causas da financeirização. Quando se tenta responder porque, costuma-se cair em causas morais: ganância, preguiça do trabalho duro das fábricas x facilidade das finanças, omissão dos governos em regular os mercados etc

    Mas os capitalistas/CEOs/Investidores simplesmente seguem a lei do lucro: investir onde dá mais retorno. Se investem mais em finanças é por que esta dá mais lucro que a produção. Mas por quê? Por falta de regulação do sistema fianceiro? Não.

    A resposta que ninguém quer ouvir, mas que todo mundo, no fundo sabe: a produção dá cada vez menos lucro, produz cada vez menos valor. a produção se tornou tão eficiente e automatizada (e vai se tornar mais) que os custos são mínimos e o lucro não compensa, mesmo em volumes enormes. Além disso as fábricas empregam cada vez menos pessoas.

    E sem o lucro da produção (e por tabela do comércio e serviços não financeiros), o capitalismo voltou-se para as finanças: elas salvam o sistema de falir. Mas são bolhas de crédito, não é acumulação real e parece que seu limite já chegou. A solução (neo)keynesiana de retornar à produção não dará certo porque produzir não dá lucro.

    O cappitalismo está numa sinuca de bico: se correr (para a fuga para frente das bolhas financeiras) o bicho pega, se ficar (na falta de lucro da produção) o bicho come.

    Por isso, sem saber, a direita (mas também as esquerdas reformistas) anda tão nervosa, por isso tanto ódio neofacista na Europa, nos EUA e no Brasil. Pois é preciso canalizar as frustrações coletivas para algum bode expiatório, uma vez que as pessoas nnem sonham em questionar o modo de vida capitalista:

    Por isso,  pau nos árabes, nos judeus, nos chicanos, nos russos, nos pretos, nos maconheiros, nos petralhas, nos coxinhas, nos banqueiros, em quem quer que seja um outro e se  possa jogar a culpa pelas misérias do capitalismo e as frustrações de ver o “meu” rendimento e consumo caírem/desaparecerem.

    Mas se quisermos mesmo sobreviver à destruição ecológica e social do capitalismo, será preciso questionar e pensar em soluções alternativas. Se alguém quiser tomar consciência da realidade, sem mistificações a autoenganos, procure no Google por “critica do valor”.

    Mas será que alguém quer?
     

  3. Enfim, tudo que o Brasil teve desde o governo Collor.
    “Entre as causas desse processo de desindustrialização precoce nos emergentes, segundo o relatório, está o abandono das políticas desenvolvimentistas em alguns países, a sobrevalorização cambial, a abertura comercial abrupta e muitas vezes unilateral, além da própria ‘financeirização’.”

  4. Enquanto um  investimento pré

    Enquanto um  investimento pré fixado der 1% livre ao mês descontado a inflação quem vai querer investir em produção…ainda mais num clima desse quanto pior melhor 

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