Saldanha, o técnico que deu alma à Seleção

Enviado por Mara L. Baraúna

   

                                             João Alves Jobin Saldanha

(Alegrete, 3 de julho de 1917 — Roma, 12 de julho de 1990) 

Misturando ficção e realidade, o jornalista Gustavo Grohmann apresenta uma crônica que conta um pouco da trajetória de João Saldanha, um marco no jornalismo nacional.

Do Terceiro Tempo, blog do Milton Neves

João Alves Jobim Saldanha foi um dos melhores jornalistas que o Brasil já produziu. Audacioso, crítico, astuto, João foi um marco no jornalismo brasileiro, principalmente com suas fantásticas histórias. Se verdade ou não, era apenas um detalhe.

Certo dia, no ano de 1976, estava na redação do Jornal do Brasil. Na época, apenas um foca, seguia de pertinho os passos do botafoguense fanático Roberto Porto. João Máximo, então editor do JB, me chamou em sua sala e pediu pra que entregasse a Roberto Porto uma pauta sobre o Botafogo. Porto deveria fazer uma espécie de funéreo da sede do Botafogo, de General Severiano, vendida à Vale do Rio Doce. Lembro-me que o título da matéria era “Botafogo vende sua história a metro quadrado?. Roberto Porto me confidenciou que acha, até hoje, um dos melhores títulos já pensados por ele.

 

Porto investigou, pegou informações aqui e ali, ligou para o pessoal do Botafogo, e mergulhou em seu texto. Lá pelas tantas, João Saldanha chegou ao lado de Porto e com a curiosidade que lhe era peculiar, soltou: “O que é que você está escrevendo tão absorvido??. Eu, menino novo, resolvi poupar Porto da resposta e expliquei toda a pauta, tim-tim por tim-tim. Foi então que Saldanha, fazendo um gesto espalhafatoso com as mãos, interrompeu as dedilhadas de Roberto Porto e, olhando em nossos olhos, falou: “Pois vou lhes contar uma coisa que vocês não sabem. Em 1912, quando o Botafogo recebeu o terreno por aforamento do Ministério da Saúde, um português que consertava carruagens e tílburis, tinha um barraco no meio do terreno, e de lá, não queria sair. Eu então, chamei uma rapaziada (nisso, virou-se para Sandro Moreyra, também jornalista do JB, como para confirmar a história), inclusive o Sandro, e à noite fomos lá e tacamos fogo no barraco. Só assim, o português deu no pé?.

Após o relato, João se despediu e saiu. Eu e Roberto Porto nos entreolhamos, com uma única indagação, mas que não se fazia necessária: “Será que é verdade, ou é mais uma história de Saldanha??. Foi então que Sandro Moreyra, curioso sobre o assunto chegou perto e perguntou: “O que é que João contou a vocês e me fez confirmar??. Explicamos toda a situação e Sandro respondeu para Roberto Porto: “É melhor você não colocar isso aí. O João nasceu em 1917, e eu, em 1919. Ele disse que isso aconteceu em 1912, portanto…?.

Depois da confissão de Sandro, Roberto Porto, logicamente, não escreveu nada sobre isso. E mais uma das fantásticas histórias de João Saldanha, passaria em branco… pelo menos, até agora.

Esse era João Saldanha. Jornalista, crítico de arte, gastrônomo, crítico de cinema, enólogo, técnico de futebol… sobretudo, um excelente contador de histórias. Pra falar a verdade, não era necessária tanta criatividade. Sua vida era uma verdadeira história, mesclando ficção e realidade, causando sempre uma polêmica. E tudo começou muito cedo, logo com seu nascimento.

O início

João “decidiu? nascer em 3 de julho de 1917, em Alegrete, Rio Grande do Sul. Na verdade, seu primeiro registro de nascimento é uruguaio, na cidade de Taquarembo. Na época, o casal de maragatos federalistas Gaspar Saldanha e Jenny Jobim Saldanha, estavam exilados no Uruguai e registraram seu terceiro filho em terras estrangeiras. Ao completar 18 anos, João fez um novo registro de nascimento, tornando-se brasileiro e gaúcho por opção. Isso tudo graças à disputa entre os maragatos federalistas e os chimangos republicanos na Guerra Civil do Rio Grande do Sul.

Por fazer parte de uma família de maragatos, que lutavam contra os chimangos, e contra Antônio Augusto Borges de Medeiros, presidente do Rio Grande do Sul no início do século passado, João é personagem da história brasileira desde criança. Em uma passagem do livro João Saldanha, do jornalista João Máximo, isso fica claro:

“Toda a família Saldanha estava envolvida, de uma forma ou de outra, na beligerância entre chimangos e maragatos. João tinha apenas seis anos quando, com os irmãos mais velhos Maria e Aristides, andou trazendo armas e munições para os revoltosos, escondendo-as sob a roupa aparentemente inocente de criança. Os irmãos mais novos, Ione e Elza, ainda eram muito pequenos para se entregarem as mesmas estripulias, mas ainda assim, não ficavam totalmente imunes aos efeitos da guerra?.

Continua aqui 

Leia mais em:

Wikipédia

A confusão entre João Saldanha e o goleiro Manga 

As despesas de um jogo no Maracanã, por João Saldanha

12 de julho de 1990 – Morre João Saldanha

Documentário João Saldanha 

Entrevista para Geneton Moraes Neto

João Saldanha: ditadura tem relação com demissão do técnico que montou seleção do tri 

A modernização do futebol na crônica esportiva de João Saldanha na Copa do Mundo de 1962 

Por que estádio João Saldanha? 

Saldanha e os seis a zero 

O sabe-tudo, por Sérgio Cabral

Três histórias de João Saldanha

Troca de nome do Engenhão para Estádio João Saldanha mobiliza o futebol do Rio 

Livros e trabalhos acadêmicos:

Com a taça nas mãos: sociedade, Copa do Mundo e ditadura no Brasil e na Argentina, por Lívia Gonçalves Magalhães. Tese de doutorado, UFF

As feras de João Saldanha: o João Sem-Medo, por suas mulheres, por Thereza Bulhões 

Futebol e outras histórias, de João Saldanha 

Histórias do futebol, de João Saldanha 

João Saldanha, uma vida em jogo, de André Iki Siqueira 

Quem derrubou João Saldanha, de Carlos Ferreira Vilarinho

Sobre nuvens de fantasia, de João Máximo 

Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970, organização de Raul Millet  

Prêmios: 

Troféu João Saldanha

Taça João Saldanha

  Vídeos:                  

                        

                                                                              

                                                                                                                                                                                      

                         

Redação

8 Comentários

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  1. O fato é que quem montou a

    O fato é que quem montou a seleção de 70 foi ele. Como era um bom time, com possibilidades de sucesso, João foi defenestrado da seleção porque era “comunista”.

    O resto já se sabe – a seleção foi entregue ao zé do galo, mas quem mandava mesmo eram 4 jogadores – Pelé, Gerson, Brito e Carlos Alberto.

    Essa sempre foi a cbf (minúsculo mesmo). Interessante notar que a seleção ganhou seus títulos, com exceção de 62, quando estava desacreditada, com a globo longe. E não ganhou em 82 por acidente.

    Aliás, o que matou a seleção em 50 foi a paparicação de políticos e cartolas, muito parecida com a paparicação atual, onde houve helicópteros interrompendo treinos, apesar de que a atual seleção foi mal convocada e mal treinada. O de sempre.

  2. Lendo a biografia do João

    Lendo a biografia do João Saldanha fica claro que, além de uma vida riquíssima, ele era uma figura, daquelas raras de se encontrar na vida. Pena que hoje poucos jornalistas tem a personalidade, o caráter, o conhecimento e a vivência que tiveram esse brasileiro ímpar.

  3. quenem o saldanha não há mais

    quenem o saldanha não há mais ningué hoje em dia….

    inesquecível a comemoração dele depois da vitória do brasil em 70, os  caras pedindo pra ele uma análise ténica e ele totalmente extatíco, emocionado, ,pensei que ia apagar, mas ele  balbuciou qualquer coisa e se mandou pra comemorar talvez com os verdadeiros amigios dele….

  4. Olá, Nassif
    Qando eu

    Olá, Nassif

    Qando eu visualizo a postagem as fotos ficam de um jeito e quando é publicada elas saem do lugar. Como é que se faz para que elas fiquem alinhadas, como muitas que eu vejo no seu blog? 

    Abraços

    Mara

  5. Saldanha e o Twitter

    Imaginem só o Saldanha, com aquele texto reto, direto, sem nó, tendo um Twitter à disposição.

    Não tenho nehuma dúvida que ele pautaria boa parte das discussões na Internet..

    E o número de seguidores que teria?

     

  6. Saldanha, o único ser humano que entendeu de futebol

    Em 1969 Saldanha disse a frase mais importante da história do futebol brasileiro: “eu quero 11 feras em campo”. Pronto, apenas esta frase tirou o Brsil do fracasso de 1966 e forjou o espírito da seleção que conquistou o mundo.

    Saldanha era diferente, quando ele comentava uma partida a gente sentia que ele estava vendo o jogo verdadeiro, enxergando o que ninguém mais conseguia ver. E seu segredo, seu talento, seu dom, era conseguir reduzir o futebol à sua simplicidade original, coisa que ninguém consegue, surgindo daí as mais estranhas teorias e explicações.

    Saldanha era um gênio.

  7. Lançamento do Livro “Com a Taça nas mãos”

    Prezado Luis Nassif,

     

    Gostaria de agradecer `por indicar meu trabalho entre as referências. Aproveito para convidá-lo (e aos demais interessados), ao lançamento do livro da tese, que será na próxima semana:

    Data: 24/07 – quinta-feira

    Local: Bar Botero (Rua das Laranjeiras, 90 Mercado São José, Laranjeiras)

    Hora: 18h

     

    Obrigada!

     

    Abraços,

     

    Lívia

     

  8. Saldanha e o futebol que não quer andar para frente

    Saldanha ocupou a maior parte do seu tempo tentando mostrar que por trás de todo um discurso modernizante no país, havia uma necessidade do futebol pegar carona na onda efervescente que surgia. O futebol é arte popular, é lazer e precisar ser tratado desta forma. O futebol não é o ópio do povo, ele é lazer. Em 1962,  o bicampeonato era uma possibilidade de mexer nas estruturas do campo, dando melhores as condições de trabalho aos jogadores e não nas condições de quem conduz o futebol e visa o lucro com ele. Talvez esta seja a discussão em voga em 2014. Ter Bom Senso no futebol é uma forma de tentar dar ares a modernização no futebol. Obrigado, Luis Nassif pela citação do meu artigo.  

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