Saúde pública rifada e acesso aos planos comprometido pelo desemprego

Jornal GGN – Em artigo para a Folha de S. Paulo, o cientista social Vinicius Torres Freire fala sobre como o aumento do desemprego está reduzindo o acesso aos planos de saúde e sobrecarregando a saúde pública. Para piorar, a crise fiscal limita os investimentos no SUS ao mínimo obrigatório, “se tanto”.

“O número de empregos formais e de segurados que têm planos de saúde por meio de empresas é muito parecido (39,2 milhões e 38,6 milhões, respectivamente). Outras tantas pessoas ficam descobertas também por não poderem pagar seus planos particulares, por desemprego ou quebra de seus pequenos negócios”, diz Freire. Para ele, o prognóstico é de desgraça.

“A fim de enfrentar essa crise angustiante, temos a liderança sinistra do ministro da Saúde, despreparado mesmo para conceder entrevistas jornalísticas elementares. Até agora, entre tantos disparates, o ministro foi capaz apenas de propor a criação de um plano de saúde marca barbante vagabundo, um remendo de interesse apenas das empresas prestadoras de serviços de saúde”.

Abaixo, a íntegra do artigo:

Da Folha de S. Paulo

Acesso a plano de saúde despenca; saúde pública sofre com crise e ministro sinistro

Por Vinicius Torres Freire

Quanto menos emprego formal, com carteira assinada, menos gente tem plano de saúde. Mais pessoas passam a recorrer à saúde pública. Óbvio.

O descalabro administrativo quase geral e a queda da receita de impostos limitam ao mínimo obrigatório, se tanto, os recursos para o SUS. O desemprego ainda deve aumentar pelo menos até o fim de 2017. A aguda crise fiscal vai durar ainda uns três anos, para ser otimista.

Desde dezembro de 2014, começo da fase horrenda da recessão, o número de empregos formais no país diminuiu 2,07 milhões. O número de “beneficiários de planos privados de assistência médica” baixou 1,91 milhão.

O número de empregos formais e de segurados que têm planos de saúde por meio de empresas é muito parecido (39,2 milhões e 38,6 milhões, respectivamente). Outras tantas pessoas ficam descobertas também por não poderem pagar seus planos particulares, por desemprego ou quebra de seus pequenos negócios. Óbvio.

O prognóstico é, pois, de desgraça. Óbvio.

A fim de enfrentar essa crise angustiante, temos a liderança sinistra do ministro da Saúde, despreparado mesmo para conceder entrevistas jornalísticas elementares.

Até agora, entre tantos disparates, o ministro foi capaz apenas de propor a criação de um plano de saúde marca barbante vagabundo, um remendo de interesse apenas das empresas prestadoras de serviços de saúde. Não é novidade.

Faz década e meia, os ministros da pasta são uns tipos indizíveis, vários deles enrolados em corrupção ou ignorantes grosseiros. “Bom dia, garotada. Tudo legal? Deixa eu fazer uma pergunta: vocês acham que têm o crânio normal?”, disse o último tipo que ocupou o cargo sob Dilma 2, quando fazia campanha de “esclarecimento” sobre a zika.

Faz tempo, inclusive na quase década e meia de governo “de esquerda”, não há discussão nacional sobre a reorganização do SUS, desconjuntado depois de quase 30 anos de existência, intervenções pontuais de governos marqueteiros, privatizações parciais e outras mexidas que tiraram o caráter de “único” do sistema, entre outros problemas.

No entanto, o problema imediato é o dos efeitos diretos da recessão, do desemprego e do colapso financeiro e administrativo dos governos e de tantos planos de saúde.

O “modelo” está pifado. Empresas quebram. Algumas boas têm dificuldades de equilibrar as contas. As empresas, no geral, são vendedoras de seguros, não companhias dedicadas à saúde.

Especialistas da área não cansam de dizer que o sistema é ruim e custoso também porque as empresas não tratam de saúde. Isto é, de cuidados rotineiros e preventivos que evitam doenças perigosas e caras: é um problema casado de saúde e economia.

Há quem ainda aponte (economistas) a necessidade de haver algum tipo de copagamento ou franquia (como em outros seguros), a fim de limitar uso excessivo de serviços. Sim, parece feio falar do assunto, mas há desperdício e tentativas de criar incentivos a fim de evitá-los mesmo em sistemas públicos razoáveis, como o francês e o britânico.

Há discussão séria e urgente a fazer, ainda mais agora, na agonia da crise. Mas, além de besteira variada, o que o ministro da Saúde tem a dizer é propaganda de plano de saúde gambiarra.

Redação

2 Comentários

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  1. Texto meio óbvio

    Achei o texto meio óbvio. Esperave uma análise um pouco mais profunda. Acabou servindo apenas para dar uma chinelada no ministro de plantão, que dizem as más e boas línguas já é carta fora do baralho, Dilma voltando ou não…

  2. É pra foder meio mundo? Não, é pra foder o mundo inteiro

    Temer quer desmontar o setor p​ú​blico

    E perpetuar a depressão econômica publicado 18/08/2016 no Conversa AfiadaMartins.jpg

    O Conversa Afiada tem o prazer de republicar texto do respeitado economista José Carlos de Assis, enviado ao Senador Roberto Requião, sobre os sinistros planos do Traíra, ouTrambolho, ou Tinhoso.

    (Não deixe de ler também “assim seria o “Governo” Temer”)

    DOIS PROJETOS QUE LIQUIDAM COM O SETOR PÚBLICO E PERPETUAM A DEPRESSÃO

    Encontram-se no Congresso dois projetos – PLs 241 e 257/16 – com o objetivo comum de congelar os orçamentos primários da União, dos Estados e dos Municípios. É difícil imaginar como isso possa ter sido pensado por parte de autoridades eleitas ou de burocratas públicos que respondem, de alguma forma, pelo interesse público e o bem estar da sociedade brasileira. Entretanto, isso não só foi pensado, para espanto geral, como foi materializado na forma de projetos de lei que surpreendentemente estão merecendo a simpatia de parte do Congresso. 

    É preciso dizer que esse surto de imaginação legislativa tem um precedente, embora indireto. No caso do congelamento do orçamento primário da União, o precedente externo é a atitude recorrente do Partido Republicano norte-americano, sob pressão de sua extrema direita, o Tea Party, de tentar congelar o teto da dívida pública – o que implica indiretamente congelar o próprio orçamento. Contudo, embora a imposição de teto tenha sido tentada várias vezes, nunca passou. O Congresso norte-amercano é conservador, mas não é suicida. 

    É ilustrativo considerar a luta de interesses em torno do projeto republicano nos Estados Unidos para iluminar o que acontece aqui. Embora o congelamento da dívida afetaria toda a sociedade, na forma de cortes generalizados de serviços públicos da União financiados por déficit, o principal bloco de interesses afetado seriam os titulares da gigantesca dívida pública norte-americana. Uma vez congelado teto da dívida, o Estado simplesmente daria calote em parte da dívida que não pudesse ser financiada por emissão de novos títulos públicos. 

    É que, diferentemente do Brasil, o orçamento da União nos EUA não criou a figura esdrúxula do orçamento primário, que não considera os custos financeiros da dívida pública, principalmente juros. Se, para limitar a dívida, fosse forçado legalmente a cortar o déficit público, inclusive a parte dos juros, o Governo teria, como observado, de dar o calote na dívida, cortando ao mesmo tempo inúmeras despesas públicas. Quando Wall Street percebeu o risco, forçou os republicanos, seus representantes tradicionais, a voltarem atrás. E o projeto não passou. 

    No caso desse projeto brasileiro, seus formuladores aproveitaram a figura esdrúxula do orçamento primário para garantir que apenas os serviços públicos sejam afetados pela rigidez do teto, por inacreditáveis 20 anos. É um acinte que isso se faça nas barbas do Senado. Se fizermos um exercício de memória, vamos nos recordar de que a figura do orçamento primário aparece na contabilidade fiscal brasileira na época da primeira renegociação da dívida externa, nos anos 80, em plena crise inflacionária. O orçamento primário era a forma de gerar recursos reais, isto é, a diferença entre receitas e despesas correntes da União, para pagar o serviço da dívida pública, que se tornou, desde então, sagrado, tomando a forma de superávit primário permanente. 

    Portanto, a proposta de estabelecimento de um congelamento de 20 anos para o orçamento social implica congelar todas as despesas correntes e de investimento da União, excetuando apenas as despesas financeiras com o serviço da dívida pública. Mais uma vez, tudo se faz pelo deus Mamon, o deus-dinheiro, conforme a expressão bíblica tantas vezes ciadas pelo papa Francisco. É como se não houvesse crescimento da população, aposentadoria de trabalhadores, melhor qualificação de serviços de saúde e de educação, investimento público em áreas prioritárias, enfim, como se não apenas o orçamento, mas a própria sociedade ficasse congelada. 

    Mas ainda não tínhamos despertado do susto representado por esse projeto relativo à dívida pública e a Câmara dos Deputados, trabalhando freneticamente em tempos de golpe, decidiu aprovar o projeto PLC 257/16, neste caso trocando um pífio adiamento por dois anos no pagamento das parcelas das infames dívidas estaduais junto à União por um inacreditável dispositivo legal de congelamento em termos reais dos orçamentos públicos primários dos Estados. É a superposição de duas imposições monstruosas no regime fiscal do país, de cujas nefastas consequência escapam apenas os financistas, devotos do deus Mamon. 

    É preciso que o Senado introduza um elemento de sanidade em todo esse processo pois do contrário o país vai sucumbir, não só à degradação de seus serviços públicos, mas a uma depressão indefinida. É que, desde Keynes, sabe-se que uma economia em recessão não sai da crise exceto pelo aumento do investimento público. Sim, senhores Senadores e Senadoras, sem aumento de investimento público é literalmente impossível recuperar a demanda, já que o setor privado em depressão não tem como gerar demanda para si mesmo. De fato, só o setor público pode investir, sobretudo em infraestrutura, sem esperar pelo aumento anterior da demanda. 

    Investindo, de preferência deficitariamente, na infraestrutura e mesmo em gastos correntes, o Estado cria demanda para o setor privado; havendo demanda – e não uma fantasiosa “confiança” – o setor privado investe, cria emprego, cria mais demanda, num círculo virtuoso objetivo, não ideológico, que restitui as condições de crescimento da economia. Entretanto, os dois projetos em pauta destroem as possibilidades de o setor público investir, com isso mobilizando recursos financeiros que estão ociosos na sociedade. É uma crime contra a economia, um crime contra a sociedade. Esses projetos, se transformados em lei, liquidam o setor público e perpetuam a depressão em que nos encontramos. 

    É importante deixar claro, por outro lado, que o suposto alívio das dívidas estaduais oferecido pelo Governo federal nesse projeto inominável não passa de um truque para garrotear os Estados em várias armadilhas, além do congelamento orçamentário. É importante que os governadores, e os senadores que representam os Estados tenham uma visão republicana desse processo. A dívida dos Estados foi paga na origem, já que o Governo federal apenas intermediou os recursos provindos dos cidadãos para pagar bancos credores, sem negociação. Não faz sentido que a dívida seja paga de novo pelos mesmos cidadãos. Assim, mudar indexadores da dívida, como se persegue judicialmente, não é suficiente. Essas dívidas devem ser dadas como quitadas, e o Governo federal deve ressarcir os Estados daquilo que lhes foi cobrado indevidamente. Nessa hipótese, teríamos um importante influxo de recursos na economia, através dos Estados, convertendo a depressão em crescimento econômico.

     

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