Secretária pessoal de Goebbels protagoniza documentário sobre nazismo

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O Festival de Cinema de Munique recebe, da quarta-feira (6), um documentário sobre “uma notável testemunha da era nazista”. Com 105 anos, Brunhilde Pomsel foi estenógrafa e secretária pessoal de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, nos últimos três anos da Segunda Guerra Mundial. No filme, ela oscila entre rechaçar e admitir culpa em episódios que marcaram a história do nazismo. O GGN reproduz do DW a entrevista com os responsáveis pelo projeto.

“Ser desinteressado por política é uma forma de culpa”

Do DW

Documentário dá voz a uma colaboradora passiva do nazismo: hoje com 105 anos, Brunhilde Pomsel foi secretária de Goebbels, uma das últimas de uma geração que “nada viu e de nada sabia”. A DW entrevistou os diretores.

Estreia no Festival de Cinema de Munique, nesta quarta-feira (06/07), um filme-entrevista sobre uma notável testemunha da era nazista: hoje com 105 anos de idade, Brunhilde Pomsel foi estenógrafa e secretária pessoal de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, nos últimos três anos da Segunda Guerra Mundial.

A partir de várias horas de entrevistas, quatro diretores – Christian Krönes, Olaf Müller, Roland Schrotthofer e Florian Weigensamer – montaram um documentário elucidador. A concepção de Ein deutsches Leben (Uma vida alemã) é quase minimalista: em preto e branco, suas longas sequências de diálogo só são interrompidas por breves cenas documentais.

Ao enfocar de forma distanciada uma contemporânea da época nazista que servia em posição subalterna, o resultado é mais convincente do que muitos dos incontáveis e pomposamente encenados programas da TV alemã sobre a Segunda Guerra e o Holocausto. A própria protagonista aprovou, comentando: “É importante, no fim da vida, ser colocada diante do espelho e reconhecer tudo o que se fez errado.”

A Deutsche Welle entrevistou dois dos diretores, Christian Krönes e Florian Weigensamer.

DW: Brunhilde Pomsel se mostrou imediatamente disposta a participar de Ein deutsches Leben?

Christian Krönes: Nós encontramos a Sra. Pomsel por acaso, no decorrer de uma outra pesquisa. Esse não mais esperado encontro com uma lenda viva foi, então, pretexto para nós arriscarmos a tentativa. Quando começamos a rodar, ela estava com 101 anos. Nós sabíamos que não íamos ter muito tempo mais, mas queríamosfazer esse filme de todo jeito.

Como transcorreram os preparativos e a filmagem?

CK: Levou um tempo para ela relaxar, pois ela tinha tido experiências muito ruins com a mídia, que apresentou a história dela e as entrevistas de forma muito abreviada. Levou algum tempo para convencê-la. Quando ela estava pronta, aí enfrentou com grande concentração e disciplina os trabalhos de rodagem, certamente muito cansativos para ela. Foi realmente a primeira vez que se abriu de forma abrangente.

O espectador tem a impressão de que a Sra. Pomsel se expressa e também reflete com honestidade. Vocês também tiveram essa sensação durante as gravações?

CK: Não acredito que ela tivesse recalcado os fatos. Ela certamente refletiu. Ela também participa muito dos acontecimentos atuais, reflete sobre o presente, sobre a própria vida. Sem dúvida, na narrativa dela há fórmulas de expressão que se repetem. Com certeza ainda há um detalhe ou outro, uma história ou outra, que ela não nos contou e que nunca contou.

Por outro lado, de certa forma ela fez uma confissão sobre a própria vida. Quando lhe mostramos o filme, de que gostou muito, ela pronunciou uma frase francamente admirável: como é importante, no fim da vida, ser colocada diante do espelho e reconhecer tudo o que se fez errado.

Ela oscila entre “rechaçar a culpa” e “confessar”. Isso ainda é o reflexo do comportamento de muitos após a Segunda Guerra?

CK: Acho que a Sra. Pomsel é representativa de milhões de outras pessoas, de milhões de colaboradores passivos que tornaram possível esse sistema. Isso é provavelmente o aspecto que torna esse filme histórico, esse documento da história recente, tão interessante para o presente. O filme conta sobre uma sociedade funcional que sai dos eixos: crise econômica mundial, desemprego, ascensão dos nacional-socialistas – menos de uma década mais tarde, isso desemboca na maior catástrofe da história da humanidade.

No presente estamos, de certa maneira, numa situação muito semelhante, o que torna o filme moderno e atemporal. Superamos uma crise econômica e somos atingidos por uma onda de refugiados. Por toda a Europa, os partidos de direita se fortalecem. O problemático é que não é apenas um país, como a Alemanha naquela época, mas desta vez é o continente europeu como um todo que de certa maneira vai resvalando para a direita.

Uma cena mostra a Sra. Pomsel reagindo de forma emocional, que é quando ela fala da morte dos filhos de Goebbels. Em relação às outras vítimas, ou seja, judeus, civis, etc., a reação dela é menos emocional. O que isso revela?

Florian Weigensamer: Há ainda uma segunda cena, que trata de Sophie Scholl e da resistência. Pomsel diz: “Esses pobres jovens, executados por causa de um panfleto…” Ambas as cenas demonstram muito bem, acho, que para a Sra. Pomsel o que estava em jogo eram sempre as emoções pessoais, e nunca o “estar acima dos fatos”, o panorama político global. Isso, ela nunca viu.

Ela tem pena dos dois pobres jovens executados por causa de um panfleto: “Se eles tivessem ficado de boca fechada, estariam vivos até hoje.” Em si, isso é uma constatação absurda, mas que, no mundo dela, tem lógica. Pois ela só se importa com essas duas pessoas. E, como com os filhos de Goebbels, o que conta para ela são apenas as emoções pessoais: “As pobres criancinhas…” Para ela, todo o desvario em volta não conta.

Vamos falar de estética cinematográfica: vocês trabalham em preto e branco e sem comentários, e inserem apenas breves documentários entre os blocos de entrevistas, filmes de propaganda nazista ou rodados pelos Aliados logo após a libertação dos campos de concentração.

CK: O tema em questão é atemporal. Nós queríamos experimentar lhe dar uma estética também atemporal. Nós optamos pela variante em preto e branco, que dá esse caráter; mediante a situação de estúdio, nós situamos Brunhilde Pomsel fora do espaço e do tempo.

FW: O material de arquivo não se pode comentar: em si, ele já é propaganda. Intervir novamente aí seria propaganda ao quadrado, disfarçada de material histórico. Nós queríamos deixá-lo intencionalmente dessa forma, sem música, sem cortes, sem a nossa intervenção. Queríamos caracterizar o material pela finalidade para que foi produzido. Aí, ele conta uma história diferente da que se costuma ver nos especiais de televisão.

Se bem que não se trata só de propaganda nazista: também as sequências registradas por americanos e russos depois da libertação são mostradas sem comentários. Por quê?

FW: É claro que, de certo modo, é para ser também um contraponto à visão da Sra. Pomsel sobre essa época. “Ah, meu Deus, os judeus… Eu nem percebi nada… os campos de concentração…” Então é simplesmente preciso mostrar o que foi e que era perfeitamente possível saber, sim, se se quisesse, e se tivesse visto essas imagens.

Essa é a única acusação e a única culpa que ela carrega. Olhar para o lado é culpa, sim, e ser apolítico já é culpa suficiente. A intenção não foi desmascará-la como nazista. Isso ela decerto não era. Ela só era desinteressada – e isso é, justamente, uma forma de culpa.

Veja mais aqui.

 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. liberdade, justiça, igualdade e golpe…

    um dia o que está acontecendo no Brasil pode virar um documentário tão chocante quanto

    pela culpa dos que cagam solenemente para a política de verdade, incluindo, principalmente, nossa imprensa

  2. tá bom, não vou me alongar…

    impossível rumo ao passado…………………………….

    com tudo acontecido, alongar-se como?

    vou descansar, chega disso

  3. O avanço do fascismo no Brasil

    COB veta religiões africanas no Centro Ecumênico do Rio

    Preconceito puro. As religiões de matriz africana ficaram fora do centro ecumênico da Vila Olímpica que vai ficar instalada na Vila Olímpica. Coordenada pelo padre Leandro Lenin, o centro vai ter espaço para representação dos seguidores do cristianismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo e budismo. Entretanto, embora tenha grande penetração no universo religioso do brasileiro, religiões como o Candomblé ou a Umbanda foram deixadas de fora.

    A inauguração do centro ecumênico vai funcionar entre agosto e setembro quando o Rio de Janeiro vai receber mais de 10 mil atletas olímpicos e 4 mil paralímpicos provenientes de mais de 200 países. Além do material esportivo, é sabido que muitos atletas desembarcam trazendo também seu material mítico, de fé.

    O Comitê Organizador dos jogos tentou justificar afirmando ser impossível atender a todas as religiões. Mas é fato que o espaço com o

    Preconceito puro. As religiões de matriz africana ficaram fora do centro ecumênico da Vila Olímpica que vai ficar instalada na Vila Olímpica. Coordenada pelo padre Leandro Lenin, o centro vai ter espaço para representação dos seguidores do cristianismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo e budismo. Entretanto, embora tenha grande penetração no universo religioso do brasileiro, religiões como o Candomblé ou a Umbanda foram deixadas de fora.

    A inauguração do centro ecumênico vai funcionar entre agosto e setembro quando o Rio de Janeiro vai receber mais de 10 mil atletas olímpicos e 4 mil paralímpicos provenientes de mais de 200 países. Além do material esportivo, é sabido que muitos atletas desembarcam trazendo também seu material mítico, de fé.

    O Comitê Organizador dos jogos tentou justificar afirmando ser impossível atender a todas as religiões. Mas é fato que o espaço com o simbolismo mais diverso não ocuparia espaço físico.

    O coordenador do centro inter-religioso da Vila Olímpica, padre Leandro Lenin, é ligado à Arquidiocese do Rio de Janeiro – tradicionalmente conservadora.

    Além das representações com seus respectivos dirigentes, outros vinte e quatro capelões voluntários de diferente vertentes estarão a postos. Nem mesmo neste universo um representante das religiões africanas foi incluído.

    O babalawo Ivanir dos Santos, presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro, acredita que as religiões de matriz africana não deveriam ter ficado de fora. Embora tenha preferido não polemizar, ele acredita em discriminação.

    O centro vai funcionar das 7h às 22h, promovendo cerimônias conforme os rituais de cada religião em três idiomas: português, espanhol e inglês.

    O espaço terá ainda um ambiente de convivência e uma sala para aconselhamento particular aos atletas.

    simbolismo mais diverso não ocuparia espaço físico.

    O coordenador do centro inter-religioso da Vila Olímpica, padre Leandro Lenin, é ligado à Arquidiocese do Rio de Janeiro – tradicionalmente conservadora.

    Além das representações com seus respectivos dirigentes, outros vinte e quatro capelões voluntários de diferente vertentes estarão a postos. Nem mesmo neste universo um representante das religiões africanas foi incluído.

    O babalawo Ivanir dos Santos, presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro, acredita que as religiões de matriz africana não deveriam ter ficado de fora. Embora tenha preferido não polemizar, ele acredita em discriminação.

    O centro vai funcionar das 7h às 22h, promovendo cerimônias conforme os rituais de cada religião em três idiomas: português, espanhol e inglês.

    O espaço terá ainda um ambiente de convivência e uma sala para aconselhamento particular aos atletas.

    NdaR- Extraoficialmente há uma explicação singela: as religiões afro não foram excluídas, simplesmente não foram incluídas. Algo como – ninguém achou que fosse de suma importância. A inocência faz lembrar a condução de uma onça, acorrentada, para evento da Tocha Olímpica em Manaus. Após fugir da corrente precária com a qual foi conduzida, a fera foi abatida a tiros. Cabe aqui uma indagação: quem escolheu as religiões que deveriam ser representadas? O COI, COB, Comitê Rio? Seja qual entidade for, vai aqui uma sugestão paralela: o padre Lênin, a esta altura, poderia ser.

    NdaR2 – Será que teremos indígenas na abertura? Na Vila? Ou será que o único nativo chamado para a festa foi a onça Juma – já abatida?

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